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Passei uma semana no lar da guru viva mais famosa da Índia

Agora que a (polêmica) Madre Teresa morreu, Amma é incontestavelmente a mulher mais santa na Índia. Alguns vão dizer que ela é a mulher mais santa da Terra.

Um altar para Amma. Foto via usuário do Flickr Mush M.

Um dos grandes clichês de quem viaja até a Índia é que você não decide visitar o país – ele te chama. Esse chamado pode ser na forma de uma propaganda do Taj Mahal no Google, um livro do Lonely Planet num sebo da sua cidade ou até uma samosa na bandeja de um vernissage onde você entrou de bicão para filar comida e vinho. As pessoas procuram por sinais antes de ir e depois que já estão na Índia. E foi assim quando encontrei uma monja budista alemã na região do Himalaia que me incentivou a pegar um avião até o ashram de Amma: a santa dos abraços da Índia. Não concluí logo de cara que isso era a vontade de outra pessoa projetada na minha, não sentei e analisei os prós e contras – só fui porque ser mandado, como acontecia quando eu era criança, era muito mais fácil que chegar a uma decisão por conta própria.

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Eu tinha passado os dez dias anteriores em meditação silenciosa num monastério em Dharamkot. A monja budista alemã tinha feito meu check-in no monastério, pegado meu passaporte, meu celular, minha carteira e meu iPad. Quando ela fez meu check-out, devolvendo todas essas coisas, eu a agradeci e ela começou a chorar.

"Desculpe, não é muito budista dizer obrigado?"

"Não, não é isso", ela disse, "é só que, quando encontro alguém que já encontrei antes, sempre choro."

"Você diz dez dias atrás?"

"Não", ela respondeu, "em outra vida. Você e eu nos encontramos em outra vida."

Um arrepio correu pela minha espinha. Foi como um balde de água gelada – por acaso, o único tipo de água que sai dos chuveiros de quase toda a Índia. Eu queria fazer mais perguntas (como eu era, qual era nossa relação, éramos amantes?), mas não fiz. Em vez disso, perguntei: se ela me conhecia tão bem, aonde eu devia ir agora?

"Ah, isso é fácil", ela afirmou. "A pessoa que conheci visitaria Amma. Ele não perderia tempo, ele só iria."

Amma é uma mulher de 63 anos do Estado indiano de Kerala. Para seus seguidores, ela é, no mínimo, uma santa e, no máximo, a reencarnação de um deus no corpo de uma mulher. Agora que Madre Teresa morreu, Amma é incontestavelmente a mulher mais santa na Índia. Alguns vão dizer que ela é a mulher mais santa da Terra.

Andei até o próximo vilarejo e me hospedei no primeiro albergue que vi com um adesivo de Wi-Fi na janela. Para o viajante padrão, com duas mochilas, ligeiramente desnutrido, os dentes amarelando e uma coceira permanente por todos os colares em volta do pescoço, Buda não é o deus – o Wi-Fi é. O quarto tinha uma cama, uma mesa, um banquinho, uma lata de lixo e duas fotos emolduradas na parede: Amma quando criança e Amma adulta. Desci as escadas e perguntei à proprietária qual era a senha do Wi-Fi.

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"Ammaislove", ela respondeu.

"Esse é o Wi-Fi?"

Ela concordou com a cabeça. "E é verdade."

Contei a ela minha história com a monja, e ela imediatamente rabiscou direções num pedaço de papel. "Você pode pegar um avião ou o trem, porém você precisa ir", ela frisou. "Amma está te chamando."

Amma, cujo nome verdadeiro é Mata Amritanandamayi, é uma senhora baixinha e gordinha, com cabelos pretos que se tornaram brancos na frente, como uma cobertura de bolo. Ela veio de uma família pobre de pescadores, e dizem que, quando nasceu, ela não chorou. Assim que começou a andar, ela passou a ir de casa em casa confortando seus vizinhos doentes. Ela levava comida da própria casa para eles, dava as roupas do corpo e depois os abraçava. Logo as pessoas começaram a procurá-la para serem abraçadas. Pelas contas da própria Amma, ela já abraçou 35 milhões de pessoas na vida e tem uma rede de seguidores em 40 países. O ashram dela acomoda cerca de 1.500 pessoas e serve três refeições bem básicas por dia. Você pode ficar lá pelo tempo que quiser por uma taxa de US$ 3, com as refeições inclusas. Não importa aonde você for, há a promessa tácita de que eles vão achar um lugar para você ficar. Amma significa "mãe" em hindi, e nenhuma mãe conseguiria viver tranquilamente se não encontrasse um lugar para seus filhos dormirem.

Sua abordagem da vida é simples e muito bonita: "Não vejo ninguém como diferente de mim. Uma corrente contínua de amor flui de mim para toda a criação. Essa é minha natureza. O dever de um médico é tratar os pacientes. Da mesma maneira, meu dever é consolar os que sofrem".

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Amma num chaveiro. Foto pelo autor.

Então eu fui, como me mandaram, ao ashram de Amma em Kerala, que consiste de um amontoado de arranha-céus rosados brotando de uma floresta de palmeiras, num banco de areia no sul da Índia, de frente para o Mar Arábico. O primeiro pensamento que você tem chegando de barco ao porto de Amma é: de onde veio dinheiro para tudo isso? O segundo pensamento é: onde consigo uma bebida gelada? Kerala fica na parte mais tropical da Índia, onde é tão quente e úmido que você se sente menos num ashram e mais na boca de uma grande vaca sagrada. E o código de vestuário não ajuda muito: shorts, saias e qualquer coisa que mostre mais que seus pés, suas mãos e seu rosto são proibidos. Há mais regras: nada de álcool, nada de música alta, nada de sexo.

O ashram opera numa rotina diária severa. Há cânticos no templo às 4 da manhã, meditação na praia ou ioga no salão às 6, café da manhã às 8; depois, trabalho voluntário, almoço, mais trabalho voluntário, cânticos no salão principal, jantar – e as luzes se apagam às 10 da noite.

Nos dias em que Amma está no ashram (ela viaja muito), ela começa os abraços por volta do meio-dia e vai abraçando, sem interrupções, até que todos sejam abraçados. Certa vez, ela abraçou por 20 horas seguidas. Conseguir um abraço é fácil: você pede um sinal e recebe um intervalo de tempo. Se for seu primeiro abraço, ele colocam um adesivo amarelo no lado do seu sinal para que os assistentes dela te deem atenção especial. Aí você espera.

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Uma fila de cadeiras serpenteia pelo salão até os fundos, subindo uma rampa até o palco e depois em várias fileiras até chegar em Amma. Você pega sua cadeira, e, mais ou menos a cada minuto, todo mundo levanta e senta na próxima cadeira da fila. Faz muito calor, e as cadeiras de plástico estão sempre úmidas quando você senta. Uma banda toca músicas hindi animadas, e as letras aparecem em duas telas enormes ao lado de Amma. Aqui vai uma amostra:

O leão que rasgou o rosto do elefante inimigo
recusou a proposta de casamento de Krishna
que é a representação do universo na terra
Todos louvem Krishna

Quando finalmente chega ao palco, você vê Amma em seu trono, cercada por uma mistura de ajudantes indianos e estrangeiros. Eles também agem como seguranças, pois Amma já foi atacada em algumas ocasiões, uma vez com uma faca.

A mulher fica sentada o dia inteiro naquele salão, que parece um estacionamento subterrâneo, sorrindo, rindo e dando conselhos para milhares de pessoas que geralmente estão fedendo e podem agarrá-la com força pelos braços e pela cintura. Não sei se isso faz dela uma santa, mas a paciência dela é sobre-humana mesmo.

Logo antes de receber um abraço de Amma, os assistentes te pegam pelos braços e te colocam de joelhos. Eles dizem coisas como "mais baixo" e "mantenha as mãos de lado"; assim, quando você percebe, está sendo empurrado para o peito de Amma. Não sei como falar isso sem parecer um tarado – ainda mais porque Amma é tipo uma santa –, porém os seios dela são enormes e quentes quando ela te puxa com as duas mãos. A experiência toda é maravilhosamente infantil, como quando você lambe chocolate derretido dos dedos ou faz xixi no banho.

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O abraço leva meio minuto. Aí ela sussurra alguma coisa em sua língua nativa na sua orelha, coloca um doce na sua mão – e acabou.

O autor usando uma camiseta com o rosto de Amma. Foto pelo autor.

Depois do meu abraço, subi as escadas até o meu quarto no 14º andar. A lua estava alta, embora ainda fizesse calor como um forno de pizza. Os dois caras que dividiam o quarto comigo já estavam dormindo e roncando. Deitei no meu colchão no chão. Ele estava ensebado, mas eu também, assim como o chão e as paredes. A única coisa seca na Índia inteira naquela noite era Amma.

Meus colegas de quarto eram da Inglaterra e Alemanha. Há muitos alemães no ashram, e também muitos russos. Um cara me contou que isso é por causa do carma – que os alemães e russos tinham feito tanta coisa ruim historicamente que as gerações mais jovens procuram por deus na Índia. Meus dois colegas estavam no ashram há mais de seis meses, e essa não era a primeira vez que eles vinham. Robin, o inglês, visitou o lugar pela primeira vez cinco anos atrás, e, depois que partiu, Amma reiterou que ele devia voltar.

"Como?", perguntei.

"Prefiro não contar", ele resumiu. "Foi muito pessoal. Mas foi uma mensagem muito clara; portanto, voltei."

Isso não é incomum: as pessoas no ashram falam de sonhos, mensagem e sentimento que não passam até você marcar um voo de volta para a Índia. Algumas das histórias são um pouco ridículas: John, um juiz aposentado do Arizona, disse que, ao abrir um livro, um cartão-postal de Amma, que ele tinha comprado enquanto estava no ashram, caiu aos seus pés. O cartão caiu com a imagem para cima. Os olhos de Amma estavam olhando para ele. Ele soube então que tinha de voltar para ela.

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Outras histórias te fazem prestar mais atenção: Uma mulher disse que rezou para Amma a ajudar a comprar a passagem de volta para a Índia; no dia seguinte, o banco dela cometeu um erro técnico e transferiu US$ 648,25 para a conta dela – o preço exato da passagem.

Seja lá qual for o caso, as pessoas continuam voltando. Conheci uma mulher – uma inglesa de quase 60 anos, vestida de branco e com a cabeça raspada – que tinha renunciado, o que significa que ela tinha transferido todas as suas posses para Amma e concordado em trabalhar com ela até morrer. Ela era devota de Sai Baba, um mestre espiritual indiano que morreu em 2011. Vários devotos de Amma vieram dele.

A inglesa estava ali há cinco anos. Perguntei se ela não ficava entediada, e ela balançou a cabeça.

"Não há tempo", ela comentou. "Estamos muito ocupados."

Manter-se ocupado é a experiência chave do ashram. Como muitos centros espirituais, o foco é na atualização – não através de meditação, e sim através do trabalho. Há sempre algo para ser feito: capinar, cozinhar, carregar caixas de plástico de áreas de reciclagem. Claro, o trabalho é voluntário, mas as coisas não são tão voluntárias assim quando alguém chega para você logo depois do jantar e diz: "Tenho um trabalho para um rapaz forte se você estiver interessado". O cara alemão do meu quarto estava encarregado da compostagem. Ajudei-o um dia: juntos, num calor de 32º C, usando calças compridas e camisetas, reviramos com pás um monte de grama úmida. Um cara no grupo, Adrien, virou para mim e revelou que tinha inveja de pessoas como eu.

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"Vocês podem vir para cá, todos bronzeados, se divertirem e voltarem para casa", ele disse, "e vocês nem levam isso a sério".

"No entanto, isso não significa, de certa maneira, que somos almas perdidas?", perguntei a ele.

"Não, nós somos as almas perdidas", ele destacou. "Nem sei se gosto mesmo de Amma."

Há uma história de que, quando Amma quer ficar sozinha, ela vai até a praia mais próxima, cava um buraco na areia e entra nele; assim, ninguém consegue vê-la. Mesmo Amma precisa de uma pausa do próprio ashram. Outras pessoas também escapam para a praia, porque é lá que fica a diversão. A praia fica ao lado do ashram; ou seja, isso parece uma pausa das regras sem ir muito longe.

Eles também têm uma piscina no ashram. Duas vezes por dia, homens e mulheres, separadamente, podem usar a piscina. Os homens podem usar shorts, embora as mulheres sejam obrigadas a usar vestidos longos. A piscina é cercada por um muro alto. Na piscina, conheci um cara chamado Tre, um rapper do Arizona que passou a última década como uma espécie de mendigo espiritual. Ele reclamou que tinha conhecido uma garota muito gata na noite anterior, mas que tinha ido falar com ela naquele dia e descobriu que ela tinha começado um retiro de silêncio e não podia responder. Só que a Índia não é um bom lugar para sexo nas viagens, apontou Florian, um professor de ioga alemão. "Quer dizer, se você pensar nas garotas daqui, elas estão se recuperando da barriga de Deli ou prestes a pegar uma", ele disse.

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Amma é a guru viva mais famosa da Índia – talvez do mundo. Como ela é mulher, as mulheres são atraídas por seu ashram. A proporção de mulheres para homens ali deve ser 65:35, o que, em qualquer outro lugar do mundo, seria a proporção perfeita para caras héteros, se não fosse pela regra proibindo sexo.

A vista para a piscina do décimo andar. Foto pelo autor.

No meu sexto dia no ashram, enquanto Florian dava mergulhos na piscina, ele nos contou que planejava ir embora. Tre queria ficar um pouco mais – ele estava de olho numa garota californiana que tinha chegado naquela manhã.

Se não estiver sendo "chamado" para ficar, entendo por que você quer ir embora: os cânticos incessantes, a comida grátis sem graça, a monotonia do lugar e todas as regras cansam bem depressa.

Eu tinha tentado ir embora também alguns dias antes, porém, quando fui comprar a passagem na estação de trem, o funcionário me disse que elas estavam esgotadas naquele final de semana. Robin, meu colega de quarto inglês, tinha me contado que planejava ir embora também – embora dissesse que ainda não podia. Ele tinha de perguntar a Amma primeiro.

Não entendi o que ele queria dizer. Todo mundo diz que fala com Amma e que ela fala com eles, mas Amma não fala inglês e parte depois dos 30 segundos em que você fica apertado nos seios dela no palco. Ela não é exatamente para bater um papo.

"Como você fala com Amma?", perguntei a Robin.

"Você deixa sua pergunta no palco, e, quando vai embora, isso sempre é respondido."

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Decidi trazer minhas malas para o salão e me juntar à fila do abraço. Enquanto eu esperava, visualizei minha pergunta para Amma, que era esta:

Olha, aprecio este lugar e não vejo nada de errado com ele, mas isso não está fazendo minha cabeça no momento; então, na sua infinita sabedoria, você poderia me ajudar a ir embora? É que os trens estão lotados e estou sem energia para pensar em alternativas. Obrigado.

No palco, havia pessoas em cadeiras de rodas, crianças com deformidades, pessoas idosas segurando lenços contra o rosto e a garota californiana em quem o Tre estava de olho. Ela estava bronzeada e parecia limpa e descansada, como todo mundo que chega ao ashram.

Quando chegou minha vez, me puxaram para a posição e abracei Amma. Repeti a pergunta duas vezes na minha cabeça. "Não deixe escapar", pensei comigo. Amma sussurrou um mantra no meu ouvido e me deu um doce.

Saindo do ashram com a mochila nas costas, uma mulher jovem me parou. "Com licença, jovem", ela falou. "Você pode me ajudar com algo rapidinho?"

Meia hora depois, consegui deixar o ashram.

Pensei em pegar carona até o vilarejo mais próximo, mas, para isso, eu tinha de ir mais para o norte; logo, como estava fazendo 90º C, decidi esperar a agência de viagens abrir de novo. Enquanto esperava, notei algo balançando mais à frente – uma camiseta branca pendurada num muro. Havia uma pequena janela do lado da camiseta, por onde uma cabeça apareceu.

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"Táxi?", ofereceu o homem.

"Não", eu disse. "Quero uma passagem de trem."

Em cinco minutos, eu estava segurando uma passagem de trem, saindo de Bombaim via Goa em menos de uma hora. O homem também se ofereceu para me levar até a estação em sua Royal Enfield.

Agradeci o cara. E aí, do nada, talvez pelas forças cósmicas de Amma, uma rajada de vento virou a camiseta no muro. Na frente dela, estava um desenho feito à mão do rosto de Amma.

Comprei a camiseta por 70 rúpias, a vesti e subi na garupa da moto para ir até a estação.

O ashram de Amma não é um lugar ruim. É um pouco como um culto de certa maneira, e muita gente perdida passa meses e meses lá em suas roupas sujas, imaginando o que tudo isso significa, porém almas perdidas estão em todo lugar. O ashram, pelo menos, é gentil com elas. Esse é um desses lugares onde você realmente pode acreditar que um deus existe, porque talvez – apenas talvez –, às vezes, você fode tanto as coisas que não há mais aonde ir, e é aí que você se lembra do ashram de Amma.

Talvez uma das razões para as pessoas ficarem por tanto tempo lá seja porque o transporte para sair do ashram é uma loteria. Talvez, se você ouvir os cânticos por tempo suficiente, isso deixe a parte do seu cérebro responsável pelas decisões comprometida. Talvez as pessoas só fiquem por causa da comida grátis. Só que a maioria parece gostar do ashram porque há sempre algo para fazer, sempre há alguém para conversar, sem ter de pensar tanto no peso da vida.

De vez em quando surge alguma polêmica envolvendo o ashram – que isso é uma exploração ou que Amma é uma farsa. Não vi nada disso. Tudo o que vi foi uma senhorinha com uma energia incrível, que todo santo dia lida com grandes expectativas ou curiosidade descarada de milhares de pessoas que vêm vê-la com uma paciência inabalável.

Amma é muitas coisas: uma virgem, um guru, uma senhora nanica, menor que uma cerca de madeira. Entretanto, decidi que, como dizia a senha do Wi-Fi do meu albergue em Dharamkot, Amma é amor.

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Tradução: Marina Schnoor.

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