Cinco dias depois do desaparecimento de Franklin, um Boletim de Ocorrência dando a falta do rapaz foi registrado no sistema eletrônico da Polícia Civil por uma tia. Até a conclusão desta reportagem Franklin não havia sido localizado.A Polícia Civil encontrou mais de uma ata de julgamentos feitos pela facção, além dos registros das sentenças computados no Livro da Morte.
Um crime oficial e um vacilo mortal
As atas do PCC contam com um campo para dados dos acusados, para o relatório sobre o caso julgado e, por fim, a sentença.Na ata do julgamento, os suspeitos assinam as próprias sentenças, endossando as decisões dos julgadores. Há uma similaridade simbólica, por parte da organização criminosa, com os julgamentos legítimos feitos pelo judiciário.O "Livro de Batismo", que também teve um exemplar aprendido pela polícia, contribui para que a facção tenha pleno controle sobre os dados de membros que eventualmente se envolvam com o que é considerado como crime dentro do crime. O livro mencionado controla o número de criminosos, eventuais falhas e os padrinhos que os indicaram para ingressar no Partido. Ocorrendo falhas consideradas graves pela facção, os nomes são também registrados no Caderno Negro.Na ata do julgamento, os suspeitos assinam as próprias sentenças.
Segundo investigação do 4º DP, após o trio Franklin, Pivete e Neguinho assaltar e zoar a cunhada do PCC, o companheiro da vítima acionou Edivanildo Nestor da Silva (aquele que morava onde a ata do julgamento foi encontrada em 2012). Edivanildo é apontado como o disciplina da Vila Any de Guarulhos.De acordo com a investigação, Edivanildo teria acionado 11 "soldados", para que encontrassem os manos que esculacharam a cunhada. Cerca de um mês depois, dois membros da facção localizaram Franklin e o Pivete, que foram conduzidos à casa do disciplina da Vila Any.Quando a decisão é pela morte, usam o termo 'viagem' ou algum destino turístico.
Não cabem recursos nos tribunais do crime.
De acordo com o que foi apurado pela VICE, três tipos de infração são julgados pelo PCC.
São eles:
1- Crimes sexuais;
2- Dívidas;
3- Constatação do "acusado" pertencer a uma facção rival.Os tipos de punição também são três:
1- Morte;
2- Quebra de membros;
3- Espancamento.
A Polícia Militar evitou que um suposto membro do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC) fosse executado por três homens do PCC. Ambas as organizações disputam pontos de venda de drogas e o comando interno de unidades prisionais. A PM abordou os carrascos na tarde do dia 20 de setembro de 2016, na Rodovia Ary Jorge Zeitune, no bairro Água Azul, em Guarulhos.Segundo a 1ª Cia. do 31º Batalhão da PM da cidade, policiais faziam ronda pela região e avistaram um Peugeot preto trafegando em baixa velocidade perto de um matagal. Isso chamou a atenção dos agentes da lei.Foi encontrada uma carta ordenando a morte do inimigo.
O jurista Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do Portal Atualidades do Direito, afirmou que a justiça paralela exercida pelo crime organizado é mais rápida e "eficaz" do que a oferecida oficialmente ao cidadão. "O fato de as pessoas procurarem o crime para solucionar questões legais mostra a falência absoluta do sistema legal."Flávio disse ainda que o Estado não oferece funções básicas para a população, entre elas a segurança. Por causa disso, organizações criminosas ganham força e também conquistam mais "clientes" aos serviços paralelos oferecidos. "O PCC tende a crescer cada vez mais, pois a demanda por justiça é infinita e o Estado está falido. Isso é uma anomalia completa, significando um eventual fim futuro do Estado. A população está cada vez mais insegura e insatisfeita."Pelo fato de os tribunais do crime serem rápidos na análise e sentenciamento dos réus, parentes de vítimas, ou elas próprias, optam pelos julgamentos oferecidos pela bandidagem. "A Justiça do Estado, é fato, ainda tem os Direitos Humanos como norte. Se não fosse assim, um policial com tendências [violentas] poderia sacar a arma e executar um suspeito na frente de todo mundo. Já o criminoso não tem regulação, não tem compromisso com regras, com leis e, menos ainda, com Direitos Humanos", afirmou o delegado Fernando Santiago.A sociedade que sabe da falta de respeito às regras, por parte do crime, e sobre a celeridade das sentenças paralelas, geralmente mortais, ou cumpridas com muita violência (quebra de membros), quando se vê revoltada com algo que aconteceu com um conhecido ou com a própria pessoa, prefere o crime à polícia. "Porque [por causa da revolta] a pessoa quer ver o cara [acusado] morto, quebrado, torturado e não preso", acrescentou Santiago.Justiça paralela é mais rápida.
O delegado Fernando Santiago pega dois volumes do inquérito e mostra à reportagem. Em um deles consta a relação de mortes confirmadas e, no outro, prováveis vítimas de assassinato. No primeiro caderno, há pelo menos dez óbitos "certos".O raciocínio feito pela equipe de investigação do 4º DP para confirmar as mortes são as atas de julgamento redigidas por membros do PCC, além de Boletins de Ocorrência em que o sentenciado consta como desaparecido. "Aqui a gente tem uma ata [mostra o papel à VICE]. Veja só como eles são organizados", afirma o delegado mostrando o nome, idade, profissão, estado civil e número de filhos do réu.Veja só como eles são organizados.
O inquérito do 4º DP não é de homicídios, é sobre organização criminosa. A equipe de investigações da delegacia trabalha com a tese do justiçamento, não sendo necessário a constatação da morte dos sentenciados, ou a localização dos cadáveres deles, por exemplo. "Nós investigamos uma organização criminosa que trabalha fazendo justiça com as próprias mãos. Por isso, não é necessário provar se houve de fato a morte ou não. O que tem que ser provado é o justiçamento. Ou seja, preciso provar que uma organização criminosa exerce um poder paralelo, que exerce as funções de um 'judiciário paralelo'. O inquérito do 4º DP é sobre isso. Embora, eventualmente, seja necessário investigar alguma morte", acrescentou o delegado. Nenhum corpo havia sido localizado até a publicação desta reportagem.O que tem que ser provado é o justiçamento.