FYI.

This story is over 5 years old.

Edição Papel Para Bunda

Pendure Suas Botas

Jamel, um pequeno vilarejo do estado de Mecklenburg-Vorpommern, Alemanha, é uma aldeia de contos de fadas nazista.

Uma churrasqueira com a inscrição "Feliz Holocausto" no quintal da Thinghaus.

Jamel, um pequeno vilarejo do estado de Mecklenburg-Vorpommern, Alemanha, é uma aldeia de contos de fadas nazista. Desde a unificação do país, em 1990, Jamel atraiu alguns moradores da extrema direita. Seu habitante mais famoso é Sven Krüger, empresário e político que foi preso recentemente por distribuir bens roubados e portar uma arma sem licença. Krüger forneceu espaço de escritório para o ultradireitista Partido Nacional Democrático (NPD), cuja sede local fica atualmente nas dependências de sua empresa, na cidade vizinha de Grevesmühlen. Quando ele decorou a sede com a bandeira alemã de antes da guerra e exibiu a logomarca da empresa com um trabalhador da construção civil destruindo uma Estrela de Davi, quaisquer dúvidas que restavam sobre suas crenças extremistas evaporararam. Boatos de que as crianças cumprimentavam estranhos com "Heil Hitler" lançaram Jamel para o centro da atenção da mídia, que frequentemente -- e com razão -- dizia que as ideologias de extrema direita na Alemanha não são apenas um fantasma do passado, especialmente na antiga Alemanha Oriental.

Publicidade

Quando visitei o suposto "vilarejo nazista" de Jamel, fiquei decepcionada. É um pequeno povoado com oito casas construídas ao longo de uma rua semipavimentada que pode ser percorrida em alguns minutos a pé. Se eu não soubesse que mais da metade dos 37 habitantes de Jamel gosta de pintar murais que beiram a inconstitucionalidade (na Alemanha é ilegal exibir símbolos associados ao nazismo ou que celebrem o regime) e já foi acusada de participar de atos de violência de ultradireita, o vilarejo teria parecido idílico e tranquilo.

Uwe Wandel, prefeito de Grevesmühlen, me acompanhou em um passeio pelo povoado. Quando indaguei sobre casos reais de violência em Jamel, ele mencionou o começo dos anos 90, quando uma casa de moradores antifascistas foi queimada por incendiários. Nos últimos tempos, o pior crime que a cidade testemunhou foi a poluição causada pelo suposto descarte ilegal de lixo feito pela empresa de demolição do Krüger. Segundo Wandel, os habitantes sabem quem é responsável pelo descarte, embora todos aleguem ignorância. E, sem testemunhas, ninguém pode ser acusado.

Wandel não tem problema com a existência de fascistas, apenas com suas atividades ilegais. "Não dá para resolver o problema da extrema direita de um dia para o outro. Sempre haverá pessoas que acreditam nessas ideologias", diz. "Não vejo problema nisso. Desde que não infrinjam a lei, podem fazer o que quiserem. E, se infringirem, o povo e o Estado devem agir."

Publicidade

Esse mural se tornou a marca registrada de Jamel na atual cobertura midiática. Ele exibe a "família ideal" de extrema direita com três crianças e o lema do vilarejo: "livre – social – nacional".

Jamel, com seu pequeno tamanho e localização remota, parece o lugar perfeito para estabelecer uma comunidade de fascistas. De acordo com Wandel, os novos habitantes tinham um plano simples e sinistro: "Abolir o Estado alemão e restaurar o Terceiro Reich". Ao entrar na página do MUPInfo, um site local afiliado ao NPD cujo editor trabalha de dentro do escritório do Krüger em Grevesmühlen, encontra-se todo tipo de "ódio racial como em 1933", complementa.

Fomos a Grevesmühlen visitar a "Thinghaus" do Krüger, que quer dizer algo como "casa para a comunidade" – O MUPInfo diz que a Thinghaus é um "refúgio de liberdade", mas, segundo o jornal Hamburger Morgenpost, parece um "campo de concentração".

Nas duas horas que se seguiram, estive mais perto que nunca de supremacistas brancos de verdade. Murmurei meu sobrenome durante as apresentações, aliviada por ninguém ter reparado nas minhas origens polonesas. Conversar com David Petereit, que gerencia o MUPinfo, e com Stefan Köster, líder local do NPD, foi quase tão chocante quanto vislumbrar uma churrasqueira com a inscrição "Feliz Holocausto". Petereit foi superficialmente amigável, tentando criar um vínculo comigo por sermos ambos "da mídia". Köster, por outro lado, me lembrou de uma versão do mal do pintor Sigmar Polke – impressão que foi reforçada quando ele me contou de sua condenação por agredir uma mulher de esquerda. Ele disse que ela estava de máscara e "não podia ser reconhecida como mulher".

Publicidade

Tanto Köster quanto Petereit veem uma grande catástrofe demográfica no horizonte, com imigrantes sobrepujando o bom povo alemão (os arianos). Para quem eles direcionavam todo esse ódio, já que somente dois por cento da população de Mecklenburg-Vorpommern é estrangeira? "Leipzig tem oito por cento de população estrangeira e isso aconteceu em poucos anos", Köster justifica. "Essa é uma tendência, em algum momento acontecerá o mesmo aqui. Não que odiemos estrangeiros, mas os problema é que se você olhar cidades maiores, vai ver que estão totalmente desestruturadas socialmente. Não quero jovens esfaqueados em estações de trem. Isso acontece quase diariamente em Hamburg. Estamos apenas preocupados com o futuro."

Stefan Köster, líder do NPD em Mecklenburg-Vorpommern, e David Petereit, editor da plataforma de extrema direita MUPInfo, em frente à Thinghaus em Grevesmühlen.

Sua postura anticrime "preocupada com o futuro" é uma das características que faz o NPD ser muito atraente para eleitores que não se consideram fascistas. O partido ajuda idosos desempregados e beneficiários de auxílio estatal com problemas burocráticos e legais e investe pesado em recrutamento de jovens, distribuindo de tudo, de panfletos com desenhos de peixes nacionalistas fofinhos até CDs com músicas de extrema direita. Esses últimos foram banidos recentemente – Petereit se opõe, ele acha um absurdo dizer que uma letra sobre "botas ecoando por Berlim" faz referência à SS, pode ser uma alusão a Napoleão, aos soviéticos ou ao exército alemão contemporâneo. Depois de minha conversa com Köster e Petereit, o minúsculo enclave de Jamel, cujos moradores parecem ignorar o resto do mundo, pareceu pouco ameaçador.

Publicidade

Saí da Thinghaus para encontrar Gabriele Hünmörder, gerente de um clube de jovens local que trabalha com adolescentes desde antes da reunificação. Ela viu de tudo, do florescimento do neonazismo no começo dos anos 90 ao amadurecimento de jovens fascistas, que se acalmaram, formaram famílias e, por fim, perderam interesse na cena da extrema direita. Ela afirma que Krüger é um exemplo de frustração pessoal que se transforma em uma cruzada política. "O Sven ganhou mais porrada do que refeições quentes na infância. Sempre tem a ver com a família ou com a família substituta", diz Hünmörder.

Enquanto estávamos no escritório de Hünmörder, repleto de arte indígena americana, chegaram duas de suas "crianças", hoje jovens adultos. O mais velho, ela sussurrou, pertencia ao Wiking-Jugend, uma organização jovem extremista. Durante os tempos de organização, ele viajou com um grupo de discípulos que o seguiam carregando suas malas e fazendo posição de sentido, reforçando a visão de que muitos desses jovens estavam procurando alguém para dizer a eles o que fazer nos anos caóticos que se seguiram à reunificação. Quando ele rompeu com o grupo, recebeu em troca um maxilar fraturado.

Para sua surpresa, a cena de extrema direita ficou mais sofisticada e refinada nos últimos anos, deixando para trás as botas de combate e a estética skinhead para incorporar figuras como Che Guevara e Dolores Ibárruri em sua propaganda, o que é mais atraente para os adolescentes do que ficar murmurando sobre Hitler.

Publicidade

Enquanto Jamel se tornou um ímã para a imprensa no último ano, a extrema direita age para além de suas fronteiras. E, como demonstrado recentemente pelas eleições regionais em Mecklenburg-Vorpommern, onde o NPD ganhou seis por cento dos votos, o partido sabe atrair eleitores, defendendo punições mais duras a pedófilos e a abolição do euro. Mas mesmo que a justiça alemã mande o Krüger praticar sua política extremista na cadeia, seu espírito – e ideologia – com certeza resistirão

A placa sobre a entrada da Thinghaus exibe a letra runa Algiz, que quer dizer "defesa", além dos dizeres "antes morto que escravo" em língua protogermânica. A logomarca da empresa do Krüger na porta mostra um trabalhador da construção civil destruindo uma Estrela de Davi.

A cerca de arame farpado, a torre de segurança e a antiga bandeira alemã protegem a churrasqueira com a inscrição "Feliz Holocausto" de qualquer um que passe pela Thinghaus.

Essa réplica de viatura policial é uma das duas opções de recreação oferecidas para as dez crianças que moram em Jamel. Aliás, nenhuma delas fez a continência "Heil Hitler".

Nem os habitantes nem o prefeito ousam falar abertamente sobre a relação entre a empresa de demolição do Krüger e um lixão ilegal cheio de cascalho e detritos de prédios que está poluindo Jamel.