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Drogas

Perguntamos a um especialista se tomar bala uma única vez pode foder seu cérebro para sempre

Sabe a lenda do cara que tomou uma pastilha e nunca mais voltou ao normal? Parece que é possível, sim.
Foto por Sarah Elizabeth Meyler.

Numa noite dessas, eu e um amigo bebíamos num bar de Paris quando um cara aleatório veio e sentou na nossa mesa. Ele não falava coisa com coisa, mas franzia muito a testa. Seu nome era Alexandre. Alexandre, o russo. Ao que parece, Alexandre tinha vindo da Sibéria até Paris a pé quando tinha dez ou 11 anos.

Não dissemos que a história parecia mentira porque, bem, o cara era assustador. Ele balançava a perna freneticamente e coçava a cabeça toda hora. Quando perguntávamos algo, Alexandre olhava nos nossos olhos por dez segundos antes de falar qualquer coisa ininteligível. Aí, no meio dessa quase conversa, logo depois de eu perguntar se ele estava bem, Alexandre, o russo, disse que tinha tomado uma pílula de ecstasy dez anos atrás e nunca mais voltou ao normal.

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Um tanto quanto obcecado com a ideia, resolvi, no dia seguinte, ligar para o Dr. Daniel Bailly, um psiquiatra e professor do Hospital Saint-Marguerite em Marselha, a fim de saber se o que meu novo amigo tinha contado podia ser verdade.

Antes de transcrever entrevista, preciso ressaltar que, segundo o Observatório Francês de Drogas e Vício (OFDT), o uso de ecstasy vem regredindo na última década. No entanto, em 2013 houve um aumento de 163% no número pílulas apreendidas na França, além de um aumento de 70% no total do peso de ecstasy apreendido – de 279 quilos em 2012 para 474 quilos em 2013. A situação no Reino Unido é similar. É muita bala. Mas sem mais delongas. Segue o papo – e minha solidariedade a Alexandre, o russo.

VICE: O que acontece exatamente com o seu cérebro quando você toma ecstasy?
Dr. Daniel Bailly: O ecstasy destrói os neurônios serotoninérgicos. Serotonina é um neurotransmissor que tem um papel em muitas funções como humor, impulsividade, sono e regulação. Essa droga também afeta as vias dopaminérgicas que regulam a motivação. É uma droga estranha. Foi muito usada em psicoterapia nos dias de Gordon Alles – um químico e farmacologista que inventou as anfetaminas. Ela supostamente aumenta sua empatia. Isso também é um estimulante já que te deixa eufórico. Dá a sensação de bem-estar e de que você está em comunhão ou harmonia com seu ambiente.

Outro dia, encontrei esse cara que falava coisas incoerentes e agia estranho de modo geral. Ele disse que estava louco há dez anos depois de tomar uma única pílula de ecstasy. Na sua opinião, isso é possível?
O problema aqui é causalidade. O ecstasy sozinho é capaz de criar problemas assim? A resposta é: dificilmente. Mas isso pode agir como um fator precipitante. Esse tipo de efeito depende muito da personalidade da pessoa ou pelo que ela está passando antes de usar o ecstasy.

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Então isso pode acontecer com alguém que tenha predisposição a doença mental?
Sim, é isso. No final, os efeitos sentidos não dependem tanto da dose e da frequência de uso. Você pode se tornar mentalmente instável depois de uma única dose de ecstasy. Já cruzei com pacientes que ficaram completamente insanos depois de tomar ecstasy uma única vez. Mas há muitas perguntas sem resposta sobre a natureza dos fatores agindo aqui. Achamos que podem haver alguns fatores envolvidos na vulnerabilidade genética e personalidade atuando no processo todo.

A pessoa necessariamente se sente mais empática quando ingere ecstasy?Como com todas as drogas, isso depende da pessoa que está usando. O ecstasy também pode ter o efeito oposto. Pode deixar a pessoa triste ou deprimida, mas geralmente é uma droga procurada por estimular sentimentos de euforia e empatia. Por isso é usada por jovens em festas.

Entendi. Como esse efeito de longo prazo se manifesta?
Alguns usuários falam de efeitos de que levam meses ou até anos para se manifestar. Isso pode vir como sintomas de depressão, fenômenos de despersonalização – ou na forma de flashbacks ou até alucinações. Isso não é algo que acontece só com o ecstasy. Você encontra isso em diferentes alucinógenos.

Sabemos quais são os fatores de predisposição para que alguém não consiga voltar?
Não, porque a genética é muito complicada. O problema com toda substância tóxica é que você só pode saber sua sensibilidade individual ao experimentá-la. O problema com o ecstasy é que a experiência pode se tornar dramática logo no primeiro uso.

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Quando uma pessoa fica insana, é possível reverter isso?
Não.

Voltando ao meu encontro com aquele cara, é possível que ele esteja chapado há dez anos?
Com certeza. Mas, para saber, teríamos que conhecer ele antes. Não posso ter certeza sobre o que aconteceu com esse homem, mas pelo que você contou, parece psicótico.

Temos que nos preocupar com as pessoas tomando ecstasy?
Pessoalmente, acredito que essa substância é como arsênico. É uma substância altamente tóxica com efeitos imprevisíveis. Isso é similar a fazer roleta russa. Muitos vão dizer: "Tomei isso e nada aconteceu". Claro. Mas se algo realmente acontecer e você ficar louco, não há como voltar.

Não me preocupo com o aumento do consumo de cannabis, mas acho o consumo do ecstasy realmente perigoso porque isso é um veneno: é uma neurotoxina. Isso destrói neurônios. Então os problemas que vêm disso só vão ser sentidos mais tarde. Conforme envelhecemos, nosso estoque de neurônios cai. Se você começa com um estoque que já foi amputado por causa de uma substância neurotóxica, com 40 ou 50 anos você pode encontrar problemas de demência.

Se eu te dissesse "tomei isso e nada aconteceu". O que você diria?
Dá próxima pode dar algo errado.