Pescando com um Bloco de Isopor em Havana
Foto: Gabriel Uchida

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Até Cubanos

Pescando com um Bloco de Isopor em Havana

"É perigoso, tem tubarão, é ilegal e se a polícia nos pegar vamos os dois presos." Isso foi tudo que precisei para aceitar o rolê de pesca clandestina em Cuba.

"É perigoso, tem tubarão, é ilegal e se a polícia nos pegar vamos os dois presos". Isso foi tudo que precisei para aceitar o rolê de pesca clandestina em Cuba. Mario, o pescador, ainda disse: "Você é louco, mas sabe nadar, certo?". Ainda tinha outro problema, o barco era feito apenas para um. Na verdade nem era um barco, e sim uma estrutura tosca de ferro, madeira e isopor chamada de "colcho".

Foto: Gabriel Uchida

Já entrei em favela para fotografar cara armado, já sofri emboscada de torcida organizada em clássico de futebol e outras histórias do tipo que qualquer mãe desaprovaria com rigor. Mas sempre foi até que tranquilo porque sabia bem onde estava me metendo. Porém, dessa vez a história era diferente e realmente estava com medo. Além disso, apesar de ter passado três semanas atrás desta pauta, já tinha desistido do assunto porque sempre aparecia um imprevisto, desapareciam, não me atendiam, desmarcavam, inventavam desculpa. Então, no meu último fim de semana em Havana, já com todos os demais trabalhos terminados, resolvi alugar um quarto de hotel para não ser incomodado por ninguém e chutar o balde geral com uma amiga.

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Foto: Gabriel Uchida

Logo depois da destruição, o pescador resolve aparecer e confirmar o rolê, justo no dia que estava com tremenda ressaca, enjôo e diarréia. Passei o domingo inteiro na cama em estado catastrófico me lamentando porque não conseguiria ir pescar, mas na última hora tomei uma ducha fria e fui ver no que dava - pensando que não seria de todo mal se desmarcassem novamente.

Foto: Gabriel Uchida

Desta vez fui recebido pela esposa de Mario, que já estava se arrumando. Não sabia se para minha sorte ou azar, mas finalmente ia rolar a pescaria. Fui convidado a entrar no pequeno apartamento onde o casal vive com as duas filhas e alguns materiais já estavam no chão da sala. Com tudo pronto, o pescador pega o pé de pato, beija as crianças, a mulher, o altar de santeria no canto da cozinha e saimos.

Foto: Gabriel Uchida

O "colcho" fica amarrado na calçada, ao lado da porta do prédio. Como boa parte é apenas isopor, o barco é extremamente leve e não passa nenhuma confiança, até porque teria que aguentar duas pessoas e tem cerca de 1,60m de comprimento. Caminhamos cerca de 20 minutos e chegamos ao Malecón, a orla de Havana. Aí começa a diversão.

Foto: Gabriel Uchida

Como a pesca ali é proibida, temos que achar um ponto bom para escalar pelo muro e pelas pedras sem demorar muito. Experiente, Mario consegue descer o "colcho" e deixa-lo firme para que possamos usá-lo como degrau em uma descida de cerca de quatro metros até as primeiras pedras. É noite, está completamente escuro.

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Foto: Gabriel Uchida

A essa altura as ondas já nos molham os pés e as rochas são escorregadias e cheias de buracos. Por segurança e para saírmos logo, tenho que guardar a câmera, subir no barco e ajudar a sair da arrebentação. Com o pé de pato, Mario é o motor do barco e eu tenho que me equilibrar com o balanço do mar e do enjôo. Já nos afastando da orla, o pescador diz que aquilo é sua terapia, mostra-se um pouco mais relaxado e finalmente começa a conversar e a me responder com palavras maiores que monossílabas.

Foto: Gabriel Uchida

Mario tem 32 anos, estudou gastronomia e trabalha como açougueiro. A pesca é um complemento da renda da família - algo que basicamente todo o povo cubano busca. Em um dia bom, pode tirar até 100 dólares, o equivalente a 10 salários mínimos, vendendo os peixes na rua. A fórmula é sempre a mesma, começa buscando peixes menores para serem usados como isca e depois espalha linhas cheias de anzóis presas a bóias de isopor de cerca de 30 centímetros. Nervoso pelo mal estar, pela posição desconfortável e por também estar tentando fotografar, pergunto se a história de tubarões é verdadeira. "Uma vez deixei um saco com os peixes amarrado no barco mas jogado na água e um tubarão atacou e roubou tudo". Apesar de ser história de pescador, pareceu confiável. Ele explica que o perigo maior são outras embarcações maiores que podem simplesmente atropelar o "colcho" ou passar muito próximo e derrubar o pescador - e garante que já teve gente que morreu assim ali em Havana. Porém, sua pior experiência foi mesmo devido ao álcool: "Enchi a cara de rum e vim pescar, acabei dormindo e fui levado por uma corrente, acordei sem saber direito onde estava e levei horas para conseguir voltar".

Foto: Gabriel Uchida

Minha experiência de pesca em Havana é um pouco confusa: o silêncio e a escuridão do mar são tranquilizantes, mas ao mesmo tempo estava tenso pelo mal estar, pela expectativa de fisgar algo e pela dificuldade de fotografar enquanto tudo balançava. Depois de algum tempo sem tubarões, mas também sem nenhum peixe mediano ou pequeno, digo que para mim já estava suficiente e que poderíamos ir embora. Mario só responde que quer comprar rum e me pergunta se não quero beber em sua casa.

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