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Policiais Dinamarqueses Estão Tentando Reabilitar Jihadistas que Retornam da Síria

Em vez de confiscar passaportes e ameaçar prender muçulmanos dinamarqueses que vão à Síria, Allan Aarslev e sua equipe estão tentando uma abordagem diferente com os muçulmanos que retornam, ofereçendo terapia e aconselhamento.

Still do documentário da VICE O Estado Islâmico

Dos muçulmanos dinamarqueses que vão à Síria, alguns querem fazer trabalho humanitário; outros, se juntar à jihad. Mas pouco se sabe sobre aqueles que vão até lá e depois retornam à Dinamarca. Pelo menos foi isso que o líder da seção de prevenção de radicalização e extremismo da polícia do Jutlândia do Leste, Allan Aarslev, me disse.

No entanto, o risco do chamado “terrorismo caseiro” é tratado de maneira séria. Em vez de confiscar passaportes e ameaçar prender essas pessoas – medidas similares a leis sugeridas no Reino Unido trazidas recentemente à Dinamarca –, Allan e sua equipe estão tentando uma abordagem diferente com os muçulmanos que retornam. Eles oferecem terapia e aconselhamento, além de tentar envolver os pais da comunidade. A ideia é atuar tanto preventivamente quanto no retorno desses jovens às suas comunidades, trabalhando para reintegrá-los à sociedade dinamarquesa.

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Ligamos para o Allan a fim de saber um pouco mais sobre essa operação.

VICE: Fale um pouco sobre os aspectos da abordagem de vocês.
Allan Aarslev:Primeiramente, fornecemos aconselhamento aos jovens que pensam em partir para a Síria. Mas como não é ilegal viajar para lá, não podemos impedir que eles façam isso. Quando alguém realmente faz a viagem, apesar do nosso aconselhamento, contatamos a família. Eles geralmente nos ligam quando os filhos retornam, às vezes no mesmo dia em que eles chegam. Então nós os convidamos para uma conversa. Queremos saber a situação deles e descobrir como podemos ajudá-los a retomar sua vida na Dinamarca.

O que vocês dizem aos jovens que estão pensando em ir à Síria?
Na verdade, os pais são muito mais receptivos à nossa mensagem. Se pudermos equipá-los com o conhecimento certo, eles podem guiar seus filhos muito melhor do que nós. Quando realmente falamos com o jovem em questão, deixamos ele saber o que realmente vai encontrar na Síria. Alguns dizem que se sentem obrigados a fazer trabalho humanitário lá por causa de sua religião. Reconhecemos isso, mas não importa as intenções deles: é quase impossível saber no que você está se envolvendo quando chega lá. Mesmo se decidir ajudar num campo de refugiados, você pode acabar descobrindo que o lugar é comandado pelo Estado Islâmico. E isso já seria considerado uma ofensa criminal, já que é ilegal ajudar organizações na lista de terroristas da União Europeia. Esses campos também servem como estações de recrutamento, e eles podem tentar te mandar para o combate.

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É uma situação complicada, com certeza.
Exatamente. Pedimos que eles usem esse comprometimento de outra maneira. Esses jovens são muito religiosos, o que torna difícil eles nos ouvirem. Se esse é o caso, perguntamos a eles se apoiar o Estado Islâmico é realmente a maneira certa de atingir um califado.

Como eles respondem a isso?
Às vezes, eles dizem o que acham que queremos ouvir. Não esperamos que eles se entreguem, que contem os crimes que cometeram.

Sim. Mas você conhece algum dinamarquês que viajou para a Síria com propósitos militares?
Suspeitamos que alguns viajam com uma agenda militar, mas não podemos saber com certeza. Algumas pessoas realmente partiram de Aarhus; então, pensando de maneira realista, alguns deles devem ter cometido crimes de guerra. É impossível documentar o que acontece numa zona de guerra. Só sabemos que os que retornam não nos dizem toda a verdade.

E quando eles viajam, vocês continuam em contato com a família?
Temos uma rede de pais. São pais cujos filhos provavelmente estão mortos, cujos filhos estão na Síria e outros preocupados que seus filhos possam fazer a viagem. Através dessa rede, eles apoiam uns aos outros. Mantemos contato com eles, informando sobre as opções. No entanto, somos muito criticados pelos pais. Eles se sentem impotentes e desapontados com as autoridades, porque não podemos fazer mais para impedir que seus filhos partam para a Síria.

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Compreensível, apesar de parecer que isso está prestes a mudar. E os pais costumam manter contato com os filhos?
Alguns, sim. Alguns não têm notícias há mais de um ano. Temos um psicólogo em contato com a rede de pais, os ajudando a se comunicar com os filhos.

Como os pais devem lidar com essas conversas?
Primeiro, eles precisam ouvir os filhos, reconhecer a decisão deles de partir e, ao mesmo tempo, deixar os filhos saberem que eles são leais. Daí, os pais podem tentar convencer os filhos a voltar para casa. É uma situação muito difícil temer pela vida do seu filho.

O que acontece se eles voltam?
Os pais nos ligam para dizer que o filho voltou. Aí ligamos para ele e vemos como podemos ajudá-lo a voltar à sua vida de antes, para que ele não se torne uma ameaça ambulante. Ajudamos alguns a retomar os estudos, o que é ótimo, porque isso os mantêm ocupados. São jovens muito inteligentes – a maioria deles.

Qual sua impressão dos jovens que retornaram?
Alguns voltam totalmente despidos de extremismo, mas outros se radicalizam. Alguns queriam fazer a diferença na Síria, mas se desiludiram com a situação. Um garoto voltou dizendo que só queria sua vida de volta, que tinha cometido um erro.

E vocês também precisam considerar se eles representam ou não uma ameaça para a comunidade, certo?
Somos muito sinceros sobre isso. Deixamos eles saberem que queremos ajudar, mas que isso não muda o fato de que eles são vigiados pela PET [o serviço de inteligência militar dinamarquês].

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Isso não compromete o processo terapêutico?
Por incrível que pareça, não. O fato de sermos sinceros sobre nossa posição parece ganhar o respeito deles mais do que qualquer outra coisa.

Vocês também ajudam os jovens que voltam com problemas de saúde?
Sim. Nós os auxiliamos a buscar ajuda apropriada dentro do sistema de saúde dinamarquês. Alguns têm transtorno de estresse pós-traumático, outros ferimentos físicos. Um deles foi baleado.

Muitos devem retornar com TEPT, certo?
Bom, pesquisas sugerem que pessoas de fé séria não são tão afetadas por estar numa zona de guerra. Pela nossa experiência, os jovens que retornam não foram tão profundamente afetados quanto poderiam ter sido.

Isso é uma surpresa. Que tipos de resultados vocês têm obtido com o programa?
Estabelecemos um diálogo com certas comunidades, que estão percebendo que precisam trabalhar com as autoridades nessa situação. Eles têm consciência de como sua comunidade seria afetada se alguém que retornou da Síria cometesse um ato terrorista aqui. Então nossos esforços buscam beneficiar principalmente a integração. E estamos ajudando esses garotos, claro.

Isso diminuiu o número de jovens indo à Síria?
Há menos pessoas viajando para a Síria hoje, comparado com o ano passado. Não podemos dizer se isso foi graças aos nossos esforços ou apenas porque a situação piorou no geral. Mas desde que começamos um diálogo com a mesquita de Grimhøjvej, quase nenhuma pessoa do círculo de relações deles viajou para a Síria.

A Al Jazira chama seus esforços de uma “abordagem mão-leve”. Você vê algum risco numa abordagem mais suave?
Eu não chamaria isso assim. Isso faz parecer que estamos premiando as pessoas que cometeram assassinatos na Síria. Não, essa é uma abordagem baseada em diálogo, em que procuramos alternativas para prevenir o crime. Às vezes, o debate aqui se baseia muito em punir o máximo de pessoas possível, em vez de realmente prevenir o crime na Dinamarca. Nossos métodos não são a única maneira de lidar com o problema, mas são um complemento muito bom e barato.

O que você acha de soluções mais conservadoras, como o confisco de passaportes?
Isso pode ter um efeito, mas não vai resolver o problema. Você não pode simplesmente punir as pessoas por querer arriscar suas vidas na Síria.

Tradução: Marina Schnoor