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A VICE Adora a Magnum

Pólio e Festas na Praia Fizeram de David Alan Harvey o Que Ele É Hoje

Do lado pobre de Norfolk, Virgínia, até as praias do Rio de Janeiro.

_Rio de Janeiro, foto do livro (based on a true story)_

Magnum é provavelmente a agência de fotógrafos mais famosa do mundo. Mesmo que você não tivesse ouvido falar dela até agora, é muito provável que já conheça suas imagens – seja a cobertura de Robert Capa da Guerra Civil Espanhola, ou as férias bem britânicas de Martin Parr. Diferente da maioria das agências, os membros da Magnum são selecionados pelos outros fotógrafos da agência e, como eles são a maior agência de fotógrafos do mundo, tornar-se um membro é algo muito difícil. Como parte de uma parceria com a Magnum, vamos apresentar o perfil de alguns de seus fotógrafos nas próximas semanas.

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David Alan Harvey descobriu seu amor pela fotografia quando era criança e teve o talento necessário para transformar esse amor em carreira. Reconhecido inicialmente por Tell It Like It Is, seu livro em preto e branco, autopublicado, sobre uma família pobre de Norfolk, Virgínia, David viajou depois pelo mundo por anos, fotografando para a National Geographic e sendo escolhido como o Fotógrafo de Revista do Ano no meio do caminho. Ele se tornou um membro em tempo integral da família Magnum em 1997, relativamente tarde em sua carreira.

Desde então, ele continua a fotografar por toda parte, além de destacar o trabalho de outros fotógrafos por meio de sua revista e sua editora, a burn. Seu novo livro,(based on a true story), é uma sedutora história visual que funciona como um cubo mágico de fotos, onde o espectador pode colocá-las na ordem que quiser. Eu me encontrei com ele para conversar sobre seus segredos de vida e fotografia.

_Do livro _Divided Soul.

VICE: Oi, David. Li que você começou a fotografar quando era pequeno.
David Alan Harvey: Sim, o raio me atingiu quando eu era criança. Quer dizer, eu tinha 11 ou 12 anos quando a lâmpada acendeu. Então, sim, foi um golpe de sorte – não só pela fotografia, mas pela vida em geral, sabe? Tive algo em que me focar logo cedo e isso meio que me manteve longe de encrencas. Mas não completamente [risos].

Você lembra o que te atraiu para a fotografia originalmente?
Bom, tive pólio quando era criança, então, fiquei numa ala isolada de um hospital quando tinha só seis anos. Fiquei em confinamento solitário porque a pólio era uma doença muito temida na época. A única coisa com que eu podia contar era que minha avó e minha mãe me mandavam livros e revistas com muitas fotos, então, essa era a minha fuga – livros, revistas, uma combinação de literatura e imagens. As fotos entraram em minha vida de uma maneira real muito cedo. Em algum momento, ganhei uma câmera – provavelmente como qualquer outro garoto – mas também ganhei uma sala escura e percebi que podia fazer o que quisesse com aquilo.

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Rio de Janeiro, do livro (based on a true story).

De que fotógrafo você gostava especificamente naquela época?
Na verdade, comecei observando o trabalho dos artistas europeus. Eu não era muito interessado no trabalho de 99% dos fotógrafos norte-americanos, mas gostava muito da arte europeia – os impressionistas franceses, por exemplo, e os pintores italianos e holandeses. Todas essas pessoas me influenciaram muito no começo, na maneira como eu enxergava as coisas.

As pessoas de quem eu gostava eram aquelas capazes de fazer algo do nada – pintores, escritores e fotógrafos. No começo, eu olhava para as fotos e via que os fotógrafos esportivos precisavam de uma Olimpíada, que os fotógrafos de moda precisavam de modelos e que os fotógrafos de guerra precisavam de uma guerra. Cartier-Bresson, Robert Frank, Riboud e esses outros caras – eles não precisavam de nada; eles só olhavam pela janela ou iam até o jardim.

Em outras palavras, a vida cotidiana se tornou uma mina de ouro para esses artistas e eu gravitava em torno da ideia de que é possível pegar qualquer coisa que está perto de você e transformar isso em arte ou comunicação. Eu gostava da integridade do jornalismo, mas sempre estive mais interessado nas fotografias. Fotografias não precisam comunicar um grande conceito, elas podem apenas ser.

Como você cruzou com o tema do livro Tell It Like It Is?
Eu estava na faculdade e peguei um trabalho como fotógrafo na praia. Eramos seis ou sete caras tirando pequenas fotos plásticas das pessoas, e essa era uma ótima maneira de pegar um bronzeado e conhecer garotas. No entanto, fiquei me sentindo culpado por passar metade do verão levando esse estilo de vida hedonista; eu sentia que estava usando minha câmera para a coisa errada. Então, peguei meu carro e dirigi até Norfolk, Virgínia, que ficava a uns 26 quilômetros de distância, mas estava do outro lado do mundo culturalmente. Então, entrei no gueto e pensei: “Tenho que ajudar essas pessoas”.

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Eu queria mostrar como era a vida ali, porque as pessoas brancas que viviam em meu bairro, em Viginia Beach, não tinham ideia de como era isso. E, logo de cara, encontrei uma família e fiquei com eles. Dormi no sofá e fui para a escola com as crianças. Nenhum garoto branco tinha feito isso. Eu nem sabia o que fazer com minhas fotos, mas publiquei um pequeno livro com elas e vendi por dois dólares, peguei o dinheiro e dei para a igreja local, para comprar comida e roupas para o bairro. Há só quatro desses hoje, perdi a maioria deles quando fui para a pós-graduação. Eu não tinha ideia de que isso ia se tornar algo importante.

Páginas do livro Tell It Like It Is.

Você trabalhou para a Magnum num esquema de meio período em 1993, certo?
Sim, eu era mais velho quando me juntei a Magnum. Tive um flerte com a agência quando tinha uns 30 anos; eu tinha sido nomeado fotógrafo de revista do ano e eles entraram em contato comigo. Eu era casado e tinha dois filhos na época, e minha esposa – como a maioria delas – era bem mais prática do que eu. Ela disse para eu não pensar muito na Magnum, porque tinha outras coisas acontecendo na época. Eu tinha um trabalho fixo na National Geographic, que era a única revista que mandava você para um lugar para fotografar por semanas de uma vez. Então ela me convenceu que era melhor ficar na National Geographic. Ela não via a Magnum como uma boa maneira de sobreviver, então eu aceitei a decisão dela nesse caso.

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Mas conforme o tempo foi passando, a ideia de que a National Geographic era meu ápice me consumia. Eu não menosprezo a National Geographic, eles fazem o que fazem e são ótimos nisso, mas eu sabia que não estava vivendo todo meu potencial fotografando para eles. Então, passei por minha décima crise da meia-idade. Eu me divorciei e larguei o trabalho na National Geographic ao mesmo tempo.

E as coisas melhoraram para você?
É, eu saí e senti essa incrível explosão de energia. Fui para o Chile e comecei a trabalhar. Depois, fui para Oaxaca e comecei a construir o trabalho que se tornaria o livro Divided Soul. Acho que cinco anos depois de sair da Geographic, fui escolhido para um trabalho de meio período na Magnum em 1993.

Fui para o Vietnã, depois para Cuba, conheci os inimigos dos Estados Unidos, fui para a Líbia, fui para todos os lugares onde eles não têm uma embaixada e fiz todo tipo de coisa ao redor do mundo. A Magnum foi muito incrível, o que me deu uma sensação de liberdade e de validação.

Rio de Janeiro, do livro (based on a true story)

Seu assistente me mandou uma cópia muito linda do (based on a true story) e eu gostei muito. Parece que muito do seu trabalho cobre a cultura hispânica.
É, bom, a cultura hispânica é parte disso. É mais a migração da Península Ibérica para as Américas, o que inclui a África Ocidental. Você está lidando com quatro culturas aqui: Espanha, Portugal, África Ocidental e os indígenas que estavam aqui antes. Essa foi uma aventura de 25 anos que me levou para todos os lugares das Américas, depois para todos os lugares da Península Ibérica e depois para a África Ocidental.

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Demos muito duro para construir esse livro e não poupamos despesas para construí-lo fisicamente, não foi fácil. Eu sempre me interessei em fazer objetos de arte e objetos artesanais. Se não fosse fotógrafo, eu provavelmente seria ceramista ou algo assim. E gostei muito da fisicalidade disso. Agora, acho que autografar o livro vale a pena – bom, não vale a pena assinar alguma coisa se isso for parar na banca da esquina [risos]. No mercado, acho que vendi um desses por $1.200 (quase R$2.700) outro dia – muito caro mesmo.

Como é essa sensação? Só por curiosidade.
É muito boa, porque não sou do tipo empresário. É bom saber que fiz algo sozinho; não tenho uma grande revista por trás de mim, não tenho uma grande companhia por trás de mim, tenho só a mim mesmo. E não poupamos despesas. Não economizamos em nenhum lugar, como a maioria dos editores costuma fazer. Eu não dava a mínima para o dinheiro porque o lucro que fiz daquele livro foi para distribuir esse outro. Olha, ao mesmo tempo em que fiz isso, imprimimos outra versão do livro no mesmo papel, mas sem algumas das firulas, e demos isso de graça. Acabei de voltar do Rio, onde demos 2.500 cópias do livro de graça nos lugares onde fotografamos – nas favelas do Rio.

Foi muito divertido. Isso definiu toda uma maneira de pensar para os projetos que quero fazer no futuro e me deu uma sensação real de independência – nenhuma grande riqueza apoiando a gente, só o apoio da atitude mesmo, entende o que eu digo?

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Do livro Divided Soul.

E o que você está pensando para o futuro?
Trabalhar com outras pessoas. Isso é o principal. Dou duro por mim mesmo, claro – eu tomo conta do David Alan Harvey, mas passo muito tempo trabalhando com outros fotógrafos. Passei muito tempo orientando e sempre tenho oficinas acontecendo em meu loft.

Honestamente, é muito louvável que você – uma cara que já trabalhou tanto tempo e poderia facilmente se aposentar e relaxar – tenha tomado o papel de curador, editor e mentor.
É, sou um cara ocupado. A questão é… é engraçado – na verdade, tenho ensinado esse tempo todo. Comecei a ensinar fotografia quando era um estudante de pós-graduação, com 22 anos – eu sempre fiz isso. Sempre me senti sortudo e abençoado que as coisas tenham dado certo para mim. Trabalhei muito por isso e mereço, mas mesmo que você mereça, às vezes ainda é preciso ter a sorte de não ser atropelado por um ônibus ou algo assim. Sempre me senti sortudo, então sempre me pareceu que, bem, por que não passar isso adiante?

Bom, você tem um carma bom esperando por você.
As pessoas a quem você ensina te dão energia. É muito bom sair um pouco de você mesmo. Sabe, você fica tão focado em suas próprias coisas que é muito fácil se queimar em si mesmo, por assim dizer. Dessa maneira, você tem que aprender sobre o jeito de novos fotógrafos e se empolgar com o trabalho deles. Isso é estimulante por si mesmo. É como se você pensasse: “OK, agora vou fazer as minhas coisas”. Aí, quando você fica de saco cheio de si mesmo, o que acontece muito comigo, é só focar em outra pessoa. Você não fica se consumindo.

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Claro. Não há nada mais inspirador para mim do que ver o trabalho de outros fotógrafos.
Com certeza. Alguns fotógrafos me perguntam: “Por que você está distribuindo tudo isso?” Eu não vejo assim. Eu me sinto confiante no que sei. Sempre tive sucesso no colégio e na faculdade, e consegui um bom trabalho num jornal logo que saí da faculdade – nunca senti a necessidade de competir com os outros. Então, sempre fui capaz de passar muita energia de volta para as outras pessoas.

A vida é uma questão de como você olha para as coisas. É tudo atitude e filosofia, mais do que realidade, porque a realidade de todo mundo é meio que a mesma, todo munto tem problemas ou vantagens. Então trabalho com meus colegas estudantes e digo para eles como pensar sobre isso. Essa foi minha coisa principal – eu faço isso desde sempre.

Clique nas páginas a seguir para ver mais fotos de David Alan Harvey.

Páginas do livro Tell It Like It Is.

Rio de Janeiro, foto do livro (based on a true story).

Do livro Divided Soul.

Rio de Janeiro, do livro (based on a true story).

Rio de Janeiro, do livro (based on a true story).

Do livro Divided Soul.

Rio de Janeiro, do livro (based on a true story).

Do livro Tell It Like It Is.

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Anteriormente Dominic Nahr É Mestre em Fotografar o Lado Sombrio do Ser Humano

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