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Por Dentro do Julgamento de um Suposto Estuprador duma Escola de Elite da Nova Inglaterra

Por três dias seguidos, uma garota de 16 anos se sentou no banco das testemunhas em Nova Hampshire, EUA, para descrever uma tradição de décadas da prestigiosa St. Paul's School de Concord que ela diz ter resultado em seu estupro.

Por três dias seguidos, uma garota de 16 anos se sentou no banco das testemunhas em Nova Hampshire, EUA, para descrever uma tradição de décadas da prestigiosa St. Paul's School de Concord que ela diz ter resultado em seu estupro.

"Eu disse 'Não, não, não, deixe isso fora'", ela contou ao tribunal sobre sua suposta luta para manter o acusado, Owen Labrie, então com 18 anos, longe de sua vagina sem parecer "uma vaca" para um dos "garotos mais populares do campus".

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A mídia concordou em manter a identidade da vítima em sigilo, um procedimento padrão em casos de abuso sexual. A suposta vítima se sentou diante do tribunal lotado de jornalistas, amigos e familiares, assim como de amigos e familiares do acusado, enquanto era questionada em detalhes explícitos sobre os eventos cercando o suposto estupro em maio de 2014.

Labrie, na maior parte do tempo, ficou de cabeça baixa.

O escândalo num colégio interno de elite com ex-alunos famosos, como o secretário de Estado, John Kerry, o ex-diretor do FBI Robert Muller III e dezenas de membros do Congresso, atraiu a atenção da mídia, especialmente depois da história de "Estupro no Campus" da revista Rolling Stone no ano passado e a discussão atual sobre abuso sexual e como isso é coberto pela imprensa norte-americana.

É preciso apontar que Labrie não estava convidando a garota para um encontro típico – nisso, os dois lados concordam. Numa linguagem que seu advogado frisa ser inspirada em poesia do século 19, Labrie convidou a caloura para se juntar a ele numa "saudação sênior".

A saudação sênior é um jogo sexual antigo na St. Paul. A premissa é simples: no final de cada ano escolar, os formandos tentam sair com estudantes mais jovens; em alguns casos, eles tentam se envolver com o maior número possível de calouras. Apesar dos detalhes da "saudação sênior" serem específicos da St. Paul, outros colégios internos já enfrentaram, no passado, o escrutínio sobre a cultura sexual em seus campi. Em 2012, o Daily Beast escreveu sobre um colégio interno na Califórnia cujos estudantes homens realizavam uma "liga das vadias" na qual os participantes ganhavam pontos baseados em seus encontros sexuais com estudantes designadas.

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Os internatos da Nova Inglaterra têm sido abalados por escândalos sexuais nos últimos anos. Em 2005, cinco jogadores de hóquei da Milton Academy de Massachusetts foram expulsos. Os atletas foram encontrados no vestiário recebendo sexo oral de uma garota de 15 anos, segundo o Boston Globe. Em 2004, 15 garotas da St. Paul foram suspensas por realizar um trote sexual com calouras.

A diretoria da St. Paul disse muito pouco sobre a tradição. Uma declaração no site da escola atesta: "Alegações sobre nossa cultura não são emblemáticas da nossa escola e dos nossos valores, das nossas regras e das pessoas que representam nosso corpo de alunos, professores e funcionários".

O caso começou, segundo a garota, com um e-mail de Labrie que ela chamou de "pretensioso".

"O pensamento do seu nome na minha caixa de entrada me faz corar", escreveu Labrie, um magro jogador de futebol de 1,80 metro que pretendia se matricular em Harvard antes de o caso emergir. Isso foi apenas alguns dias antes da formatura: ele comentou que era "agridoce" pensar que os dois logo seguiriam caminhos diversos. O texto do e-mail foi mostrado para o júri e lido em voz alta para os presentes no tribunal.

Mas nem tudo estava perdido, ele explicou. Apesar de os dois só terem conversado de passagem, ele era amigo da irmã mais velha dela e eles ainda tinham algum tempo para se conhecerem melhor.

Inicialmente, a caloura achou que o convite de Labrie tinha "segundas intenções", a garota destacou. Porém, quando ela recusou, ele respondeu com outro e-mail floreado, parte dele escrito em francês, e ela mudou de ideia, dizendo ao júri que teve medo de ter sido rude. Quando um dos amigos dele a abordou e garantiu que Labrie não queria lhe fazer mal, ela decidiu se encontrar com ele.

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"Que ótima mudança", escreveu Labrie em resposta.

Através de "intervenção divina", palavras escritas por ele para a suposta vítima, Labrie conseguiu as chaves para o telhado de um prédio do campus com uma vista. "Quero te convidar para subir comigo esses degraus escondidos."

Algum tempo depois do encontro, preocupado que outros estudantes pudessem saber do que houve entre eles, o acusado escreveu para ela novamente, negando que eles tivessem feito sexo. "Quando um garoto realmente tirar sua virgindade, espero que seja uma experiência dourada", ele reiterou.

As mensagens entre Labrie e a suposta vítima às vezes são confusas. Apesar de insistir que eles nunca transaram, o acusado, horas depois do suposto estupro, lhe escreveu garantindo que tinha usado camisinha.

"Você toma pílula?", Labrie devolveu essa pergunta ao ser questionado se tinha usado proteção.

"Não."

"Graças a Deus, eu coloquei uma no meio", ele comentou.

A defesa alega que as mensagens da garota são tão confusas quanto as do acusado. Sua versão se complica com mensagens aparentemente simpáticas que ela escreveu para Labrie depois do encontro deles. Ela respondeu a uma mensagem dele dizendo "Você também não é ruim". Em outras vezes, ela terminava as frases com "hahaha". A garota afirmou que isso foi um último esforço para se proteger de uma possível retaliação e convencê-la de que ela ainda tinha algum controle.

Labrie se diz inocente das dez acusações de abuso sexual contra ele. Apesar de admitir que levou a garota para o telhado do prédio do campus e, depois, para uma sala de instalação elétrica dentro dele, seu advogado ratifica que o encontro foi consensual e nega que ele fez sexo com a garota.

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Durante o julgamento, a suposta vítima foi questionada seguidamente sobre os eventos daquela noite e como, quando – e com que convicção – disse "não". Ela contou que, apesar de vários pedidos, Labrie seguiu com o ataque. Ela também afirma que ele "mastigou" os seios dela e arranhou o interior de sua vagina, a abrindo com os dedos e depois cuspindo nela quando viu que a garota não estava lubrificada o suficiente para a penetração.

A suposta vítima falou que a diretoria tem consciência da tradição no campus.

Advogados têm debatido sobre o que é geralmente esperado numa "saudação sênior". O advogado da defesa, J.W. Carney (importante profissional de Boston, ele já defendeu o notório gângster James "Whitey" Bulger em 2013), argumenta que os calouros participam de boa vontade da tradição e esperam alguma forma de interação sexual com os formandos.

O Concord Monitor informou que, numa tentativa de pagar pelo advogado de Boston, Labrie pediu ajuda financeira de outros estudantes, ex-alunos e professores da St. Paul, citando falta de fundos. Segundo o Monitor, o pedido de Labrie continha o seguinte: "Minha família e eu estamos desesperadamente sem tempo nem recursos".

Carney perguntou à vítima se, antes de sair para o encontro, ela teria dito a uma amiga: "Provavelmente, vou deixá-lo enfiar os dedos em mim e, no máximo, vou chupá-lo".

No banco das testemunhas, a garota respondeu que não, ressaltando que esperava, no máximo, que eles fossem se beijar.

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Enquanto isso, a promotora local Catherine Ruffle reiterou que Labrie falava sobre "massacrar" mulheres que concordassem em saudá-lo. Ela disse que ele se referia aos meses de primavera como "Slaypril e Slay". Ruffle também afirmou que ele homenageava o "Slaymaster", um atleta vencedor da saudação sênior no passado, cujo nome real está no mural do campus. A promotora acrescentou que Labrie tocava o nome do Slaymaster toda vez que passava pelo mural.

Supostamente, os estudantes registravam seus "pontos" da saudação sênior com caneta atrás de uma máquina de lavar do campus. E Ruffle contou que Labrie tinha sua lista pessoal de alvos, com o nome da suposta vítima no topo, em letras maiúsculas.

Se condenado, Labrie pode pegar 20 anos de prisão. Mas seu destino vai acabar dependendo de um caso da palavra dela contra a dele ou em que adolescente o júri vai acreditar mais. O painel de 11 homens e três mulheres terá de tomar sua decisão baseada no testemunho da vítima, em evidências de abrasão vaginal e nas mensagens que os adolescentes trocaram antes e depois do suposto crime.

De acordo com a lei de Nova Hampshire, a garota era muito jovem para dar consentimento legal para qualquer forma de penetração, embora especialistas acompanhando o caso digam que pode não haver provas suficientes a fim de convencer um júri majoritariamente masculino da culpa de Labrie – e sem que reste qualquer sombra de dúvida.

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Provar a culpa em casos de estupro cuja vítima já conhecia o perpetrador não é tarefa fácil.

"Os jurados querem mais: eles querem uma confissão, DNA, testemunhas oculares", explica Justin Shepherd, um advogado de Nova Hampshire que atuou em casos de estupro, seja como promotor ou advogado de defesa.

"É tudo uma questão de como a suposta vítima chegou até o estuprador", acrescenta Jonathan Shapiro, veterano advogado de defesa. Em sua declaração de abertura, Carney argumentou que, como Labrie admite que os dois tiveram contato naquela noite, a prova do DNA pode ser desprezível. E os dois estavam sozinhos na ocasião. Como o júri vai interpretar o testemunho da vítima, ainda é um mistério.

Quando interrogada por Carney, a suposta vítima alternava emoções que iam do desafio às lágrimas. Assim que o advogado leu suas declarações anteriores para a polícia, as quais, segundo ele, contradizem suas acusações, a garota o interrompeu e insistiu que ele também lesse quando ela dizia coisas como "tipo" e "hum".

"'Hum' muda o significado de uma frase?", ele perguntou.

"Sim, eu estava incerta", ela respondeu.

O interrogatório só ficou mais controverso. Ele perguntou se ela depilava a vagina e se enrolava o cabelo quando mentia.

No entanto, quando Carney questionou por que as memórias dela do suposto estupro eram tão "nebulosas", seu comportamento equilibrado desmoronou.

"Eu fui estuprada!", ela soluçou. "Fui violada de várias maneiras."

Labrie deve subir ao banco das testemunhas nesta semana.

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Tradução: Marina Schnoor