Por que dizer não pra seleção brasileira de futebol é tão mal visto?

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Por que dizer não pra seleção brasileira de futebol é tão mal visto?

O lateral-direito do Bayern de Munique, Rafinha, 30, conta os motivos de sua decisão e desmistifica a ideia de que é tudo uma questão de amor ao país.

Rafinha, campeão da Champions League de 2013, rejeitou a seleção no ano passado. "Eu não era a primeira, nem a segunda e nem a terceira opção." Foto: Divulgação

O Brasil tem uma síndrome patriótica muito aflorada com relação ao futebol. É quase um "ame-o ou deixe-o" ou um "torça ou não encha nosso saco". A equipe está mal das pernas, a CBF segue envolvida em inúmeros casos de corrupção e o estádio continua do mesmo jeito: lotado de gente que paga uma nota pra cantar que é brasileiro com muito orgulho, com muito amor. A visão de muitos torcedores com a seleção é tão míope que não é de surpreender que o manto, manchado pelo 7x1 e pelos escândalos, foi escolhido para as manifestações mais conservadoras em todo país. Some a essa devoção o complexo de vira-lata, aquele criado por Nelson Rodrigues após o Maracanazzo, em 1950, e chegamos a um ponto: pega muito mal quando um jogador de futebol brasileiro se recusa a vestir a camisa amarela. Diego Costa, atacante brasileiro que defende a seleção espanhola, é um caso recente de "desertor", termo que alguns torcedores e veículos de imprensa costumam destinar a esse tipo de atleta. Na Copa do Mundo de 2014, aquela do vexaminoso 7 x 1 pra Alemanha, o jogador teve que lidar com uma recepção pouco amistosa tanto nos treinos quanto nas partidas. Amauri, que optou pela Itália, passou por novela parecida. Num processo semelhante o lateral-direito Rafinha, 30, do Bayern de Munique, comunicou em setembro do ano passado que não gostaria de vestir a camisa do Brasil. A CBF chegou a afirmar que o atleta tinha interesse em jogar pela Alemanha, fato desmentido pelo jogador. A convocação foi para as duas primeiras partidas das eliminatórias da Copa de 2018 contra Chile e Venezuela. Em nota o jogador se explicou. "Não venho sendo chamado regularmente, não sou uma das principais opções em minha posição, considerando que há outros profissionais na minha frente."

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Alguns meses depois do mexerico, Rafinha aceitou falar com VICE Sports sobre os motivos reais de sua decisão e também por que, no fim das contas, sua recusa não foi uma questão de falta de patriotismo ou de amor ao país, e sim de respeito e profissionalismo.

O lateral-direito no alvo (sacou?) da imprensa e da opinião pública. Foto: Divulgação

Em 2013 tinha uma expectativa muito grande para que você disputasse a Copa. Na época até rolou um vídeo em que o Guardiola te perguntava se o Felipão tinha visto o jogo. O que mudou da expectativa em 2013 para a convocação em 2014?
Essa pergunta é um pouco complicada para eu responder. O meu objetivo, claro, era sempre poder defender a seleção brasileira, sempre estar participando e estar sendo convocado, mas isso não acontecia. Faz dez anos que estou na Alemanha, há cinco no Bayern de Munique e fiquei cinco no Schalke 04 sempre jogando em alto nível.

Mas você tinha esperança na convocação?
A esperança a gente sempre tem, mas eu me via não sendo aproveitado pela seleção brasileira como acho que deveria. Claro, respeitando os laterais que defendiam a seleção, que eram o Daniel [Alves] e o Maicon. Até esse ponto você aceita e continua trabalhando. Mas aí chegou um momento que esses jogadores não estavam mais sendo chamados, na reformulação depois da Copa do Mundo (2014), e eu ainda não era convocado. Você acha que estava preparado para disputar a Copa em 2014?
Sem dúvida. Com certeza eu tava e esse era o meu objetivo. Fui campeão de tudo em 2013, joguei 33 das 50 partidas do Bayern e tive participações em todas as decisões. Você ficou frustrado?
Não digo frustração, mas é claro que fica uma pontinha de lamento porque eu queria participar e não aconteceu. Paciência. Aí assumiu o Dunga. E você não foi convocado de novo, né?
É, novamente não fui convocado. Depois de um ano eles me chamaram pra partida contra o Chile e foi quando achei que eu não era a primeira, nem a segunda e nem a terceira opção da seleção brasileira. Optei para que eles me desligassem.

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Essa sua convocação em 2015 foi quando o Maicon já não fazia parte dos planos, o Daniel Alves estava machucado e o Danilo também machucado, é isso? Isso. Eles convocaram o menino que joga no Mônaco, o Fabinho, e não tinha ninguém ligado a seleção falando comigo em nenhum momento. A seleção brasileira não faz isso, ela é diferente das seleções europeias, não existe contato com os jogadores. E como eu não estava sendo convocado, senti que não estava nos planos.

Mas em algum momento a CBF falou com você sobre isso? Eles deixaram claro que você estava sendo convocado porque tinha dois jogadores machucados?
Não, não. Ninguém me falou isso, mas, assim, acho que não precisa falar, né. Pô, eu tô jogando no Bayern de Munique, titular há três anos com o Guardiola, fomos campeão de tudo, tô sempre jogando, tenho quase 200 partidas pelo clube em cinco anos. Acho que não tenho que falar nada, tenho que jogar só e cabe à comissão me convocar ou não. Mas por que você achou melhor pedir sua desconvocação?
Pô, se eu sou a quarta opção não tem como achar que tô disputando vaga. Quem disputa vaga é o primeiro e o segundo, o terceiro tá ali para o acaso de um dos dois não estiverem bem. Na quarta opção fica difícil você competir. Tem que, Deus o livre e guarde, acontecer problema com dois pra ir o terceiro e você ter alguma chance. E não é o que no momento eu tava pensando não. E você acha que tem chance de defender a seleção alemã? Ainda mais agora que o Lahm não deve jogar mais.
Cara, eu vou ser sincero. Eu não penso em seleção da Alemanha, não, e não tô pensando na seleção brasileira também. Tô pensando aqui no meu clube mesmo, que é o Bayern de Munique, que é quem me paga, que investe em mim. E você tem uma história muito legal aí.
Com certeza. Tenho que me dedicar aqui, estou prestes a renovar o meu contrato mais uma vez, então acho que tenho que me concentrar aqui mesmo e fazer meu trabalho. Se a seleção brasileira achar que devo ser convocado ou se eu for parte dos trabalhos na seleção alemã, isso é coisa para pensar futuramente. No momento não tô com o pensamento em seleção, não. Aqui no Brasil tem muito esse hábito de criticarem os jogadores que tomam a decisão de não defender a seleção brasileira. Como você lida com isso?
Cada um tem sua opinião, né. Respeito a opinião de todos, mas não concordo. Não sou obrigado a concordar. Quando eu não estava sendo convocado para a seleção, ninguém me pedia na seleção. Não vi um meio de comunicação falar "o Rafinha tem que ser convocado". A partir do momento que eu sou convocado e acho que não devo ir, acho que as pessoas têm que respeitar a minha opinião. Negar a a pátria, isso não existe. É conversa de torcedor, de quem não acompanha o meu dia a dia.

Você fez isso pensando na sua carreira?
Sim, a carreira de jogador de futebol é muito curta. Tenho que ir pro lado que está indo bem. É muito curto. Daqui uns anos isso tudo vai acabar, eu vou baixar de nível, vou jogar em clubes menores, vou voltar pra terminar a minha carreira. Tenho que pensar agora que tô no auge da minha carreira em continuar onde está indo bem pra mim, onde eu sou prioridade. Penso dessa forma e muitos jogadores pensam assim também só que não expõem dessa forma. Acaba que só eu sou criticado.

No papel de brasileiro que joga na Alemanha há muito tempo, como você enxerga o futebol alemão e o futebol brasileiro? Por que parece tão distante um do outro?
Cara, não vejo só a distância. O Brasil pôs na cabeça que precisa de uma reformulação, já é ótimo. Já é um ponto positivo pra nós, o primeiro passo foi dado. Tá começando a fazer essa tal reformulação? Tá. Tem novos jogadores aparecendo, estão depositando confiança em outros atletas e não só no Neymar. Não podemos ser dependentes do Neymar. Ele é um grande jogador, vai ser futuramente com certeza um dos melhores do mundo, mas não podemos nos apoiar nele.

E o que precisa?
Tem que dividir a responsabilidade, aparecer outros jogadores. Foi isso que a Alemanha fez. Eles dividiram o peso pra todo o elenco e não só pra um ou dois. Esse é o diferencial, por isso hoje a Alemanha faz sucesso em todos os campeonatos que participa, tanto é que ganhou a Copa do Mundo. É isso aí. O Brasil precisa dividir a responsabilidade e tem que ser conjunto. Não dá pra bater na mesma tecla do que era o Brasil em 2000, quando tínhamos ali Ronaldinho, Ronaldo, Rivaldo. Em 90 Romário, Bebeto, Denílson, esses jogadores que decidiam pra gente. Hoje em dia o futebol mudou muito, eu falo isso tendo a experiência de jogar 10 anos na Europa, sei o que estou falando. O conjunto tem que ser forte para que alguns jogadores se destaquem individualmente. Tenho certeza que com o tempo o Brasil vai colher bons frutos. Se você pudesse resumir o porquê não quis defender a seleção brasileira, o que diria?
Pedi a desconvocação porque eu não estava sendo convocado e não me sinto parte daqueles jogadores que estão ali. Não tem como eu falar uma frase ou uma palavra. Em um ano e meio que o Dunga está na seleção, ele não me convocou nenhuma vez. Respeito o Dunga, ele me deu a primeira chance na seleção brasileira. Respeito os jogadores que estão sendo chamados. Respeito, mas tenho minhas qualidades e acho que deveria ser convocado.