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Por que meu celular de flip é melhor que o seu smartphone

Dar um passo para trás para dar dois passos para frente.
Screenshot do clipe "Hello" de Adele.

Dois meses atrás, passei para a operadora de celular mais barata do mercado. Isso porque eu tinha esquecido meu smartphone chic num táxi. Ainda assim, vi nisso uma oportunidade, já que eu estava de saco cheio de ter um smartphone. Me tornei um cara grosso e desatento, entrando nas redes sociais de 15 em 15 minutos como um tique nervoso. E também tinha a questão da cobrança extra pelo uso do pacote de dados que vinha todo mês. Entrei na lojinha anunciando "pré-pago" com uma missão: hora de me desconectar — eu queria um celular de flip. Mas assim que cheguei ao balcão, o canto da sereia da modernidade começou a me tentar. As telas retesadas e luminosas dos mais novos Motorolas, Samsungs e iPhones ronronavam sedutoras com seus aplicativos: Instagram, Twitter, Google Maps, Spotify, conectividade, modernidade.

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Quando fui atendido, minha força de vontade já tinha desmoronado. O agora era irresistível. Pedi os celulares mais espertos que eles estavam dispostos a me dar sem ter que dar entrada.

"Claro. Vamos acrescentar isso na sua conta", disse o atendente simpático. "Só tenho que fazer uma rápida verificação de crédito e pronto."

Engoli seco. "Claro, sem problema. É pra isso que serve, né? Meu crédito, quer dizer. Pode verificar, meu bom amigo."

"Bom, Jordan, infelizmente você vai ter que dar entrada pelo celular. Fica US$240 [cerca de R$ 850], mas você recebe um desconto de US$80 daqui uns dois meses."

"Hum. Tá, sabe de uma coisa, quanto é aquele celular de flip ali?"

E foi assim que aprendi a tênue linha entre ter força de vontade e não ter limite suficiente no banco.

Depois de dois meses nessa vida de celular flip, estou feliz que as coisas aconteceram desse jeito. Gosto de verdade do meu celular flip. Por exemplo, ele é tão vergonhoso que seria difícil esquecê-lo num táxi. (Mas não impossível — obrigado, taxistas honestos de Ottawa, no Canadá.) Segundo, posso realmente usar isso como celular. Sempre achei complicado usar meus smartphones como telefone. Meu braço ficava cansado durante as chamadas mais longas. Várias vezes minha bochecha desligou uma ligação sem que eu percebesse. Terceiro, sendo um puta viciado em toda a inveja e narcisismo das redes sociais , é bom ser obrigado a se desconectar quando você sai de casa. Além disso, a emoção de ter 20 notificações no Facebook quando você volta para casa é eletrizante. (Até você perceber que só são lembretes de aniversário e convites para eventos, e a cruel realidade da sua existência solitária no universo te esbofetear na cara.)

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Essas são as únicas diferenças. Meu lindo celular de flip é mais fácil de lembrar, mais leve e mais fácil de usar como um telefone, e mesmo sendo bom não poder entrar no Facebook enquanto espero da fila do banco ou num café, não quero fazer parecer que recebi algum tipo de iluminação espiritual por não poder mais tocar numa tela de vidro com o dedão. Minha mente continua sendo a confusão moderna de dúvidas e ansiedades. A única natureza com que ando comungando é a natureza do terror absoluto que paira sobre nós.

Mas é estranho. Quando estou no ônibus e todo mundo ao redor começa a tirar o celular do bolso, não consigo evitar tirar o meu também. Aí percebo que a única coisa que posso fazer no meu celular é ver os despertadores que ativei. Vejo a luz branca suave pela minha visão periférica, e não consigo deixar de querer mergulhar no meu próprio brilho de dados. É tipo um bocejo, aparentemente contagioso porque ver alguém tomando uma lufada de oxigênio lembra o seu cérebro que talvez você também esteja querem um pouco disso. Só que em vez de oxigênio, ver um celular lembra seu cérebro de que ele quer… o que exatamente? Interação nas redes sociais? Estímulo? Isolamento em público?

Mais estranho ainda é a reação das pessoas ao verem meu celular de flip. A mais comum é zoeira — um "Esse é seu celular?" incrédulo, como se eu tivesse puxado uma lata com um fio amarrado que se estende até a outra sala — seguida por insinuações de que sou um traficante e esse é meu celular descartável. Obrigado por nada, David Simon.

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Depois das piadinhas e escárnio vem a segunda reação mais comum: generosidade. O número de iPhones e Androids de segunda mão que me ofereceram poderia encher uma pequena galeria de arte — eles estariam todos colados no formato de uma grande orelha numa obra intitulada Está Me Ouvindo Agora. A preocupação é realmente emocionante. As pessoas reagem à visão do meu celular de flip como se o governo tivesse prometido dobrar cada doação feita pela minha causa. "Tenho um celular extra em casa, você pode ficar com ele se quiser", sussurram gentilmente, como se eu fosse o moleque envergonhado que aparece no recreio com um saco de papel com quatro salsichas cruas.

Essas três reações — colocar a mão no bolso para pegar um smartphone que não está lá, a zoeira, a caridade — revelam o verdadeiro fascínio do smartphone. Meus colegas e amigos que fizeram piada e tentaram me ajudar não conseguiam imaginar que eu não queria um smartphone. Só podia ser um erro ou azar eu não ter o que se tornou um cérebro exterior para muitas pessoas. O que aconteceu foi que a tecnologia se tornou tão onipresente que isso parou de ser visto como um gadget e virou praticamente um apêndice. O smartphone não precisa mais se provar; sua onipresença é toda a prova de que precisávamos. Meu celular de flip é uma transgressão , então só pode ser um engano; isso não faz sentido — ninguém ia querer uma coisa dessas.

O que me assusta que é o que acontece quando uma tecnologia transcendental é esperada como norma. Paramos de questionar isso. Sua tecnologia e capacidades se tornaram tirânicas. O valor disso foi instilado na sociedade, que deve atender e se ajustar a isso. Para o smartphone, esses valores incluem velocidade, comunicação, conveniência, vigilância e prazer. Quando as coisas não se aderem a esses valores, elas são vistas como escória do passado em vez de alternativas, como a eliminação cruel dos taxistas pelo mundo inteiro ilustra bem.

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O smartphone é a chave para um mundo paralelo de corridas mais baratas, transas casuais e GIFs hilários. É um mundo no qual você pode entrar sempre que estiver num banheiro úmido ou numa fila chata. É uma sala bonita infinita que, infelizmente, também obscurece as mentiras do lado de fora. As pessoas que estão fora disso, seja por escolha ou por acaso, também são apagadas. Elas não importam porque não podem ser vistas; elas precisam ser ajudadas a entrar nesse mundo, e se recusarem, elas devem ser zombadas e extirpadas.

Por isso vou continuar usando meu celular de flip. Isso é uma pedra no sapato do futuro. Um lembrete que ainda existe gente que fica fora da autoestrada da conveniência a que um iPhone dá acesso.

E principalmente, vou continuar usando isso porque agora só pago 25 paus de conta todo mês.

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