Por Que Nunca Vou Parar de Tomar Prozac

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O GUIA VICE PARA SAÚDE MENTAL

Por Que Nunca Vou Parar de Tomar Prozac

Sou viciado? É possível. Será que um dia vou conseguir parar de tomar? Provavelmente não. Se eu me importo com isso? Nem um pouco. Viva la Prozac. Um brinde aos próximos 18 anos.

É quando as pessoas perguntam por que que você se sente mais impotente. Até culpado. Por que você está deprimido? O que aconteceu para fazer você ficar tão para baixo? Como se você já não se sentisse mal o bastante, agora você tem que racionalizar ou arranjar uma explicação para a sua depressão.

Não espanta que um dos sintomas da depressão seja a autodepreciação. É claro que você vai se odiar quando não tem porcaria de motivo nenhum para se sentir tão mal assim. E sim, só piora quando você sabe que tem gente passando fome e sem casa que tem uma justificativa de verdade para ficar triste. Você se dilacera por autocomiseração.

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Mas não tem nada de autocomiseração na depressão. É simplesmente um desequilíbrio químico no cérebro que faz você se sentir desesperadamente desolado e/ou apavorado com tudo a sua volta. Não precisa ter uma náusea existencial, uma teoria complexa costurada sobre a falta de propósito da vida. Não precisa que os eventos conspirem contra você. Não precisa perder o emprego. Embora tudo isso possa ajudar. Só precisa de lapso no cérebro. E quando você tem esse lapso, a vida perde toda a objetividade e para de fazer sentido.

Então, por exemplo, você não consegue levantar de manhã e se embrulha feito um enroladinho de salsicha no edredom e fica deitado no escuro para sempre. Ou você levanta e se vê chorando descontroladamente no supermercado sem motivo aparente. (Passei anos chorando toda vez que minha companheira e eu íamos ao mercado no sábado de manhã. Não sei o porquê – eu até gostava bastante de lá, mas uma hora ela decidiu que era mais fácil fazer as compras sozinha.) Ou você se vê brincando de desafio na estrada, costurando perigosamente entre os carros, na esperança de que aconteça o pior. Ou você nem ousa pegar o metrô por medo de se jogar nos trilhos – e sim, sei que isso seria muito egoísta e o impacto terrível que teria em todos que presenciassem a cena.

Em toda a minha vida adulta, minha ambição foi sentir algo que refletisse o mundo real: felicidade quando uma coisa boa acontece, tristeza por alguma coisa ruim.

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Ou você tem medo de olhar as pessoas nos olhos, porque pensa o tempo todo que vai se expor, mesmo quando não sabe direito que forma essa exposição tomará – de ser tapado, sabichão, insensível, sensível demais, de gostar de alguém, de não gostar de alguém, de não ter nada para dizer, qualquer coisa. Ou você fica tão paralisado pelo medo ou tão preso no próprio mundo que perde a capacidade de compreender o básico – alguém pode te perguntar as horas e você não conseguir responder, porque na sua cabeça você só consegue ouvir o metrônomo fazendo tec tec de um lado para o outro, o que sufoca todos os outros pensamentos.

Lembro de uma vez que estava de férias na Grécia com uma namorada. O fato de não termos dinheiro já não ajudou muito, então passamos nossas horas acordados e dormindo em uma praia de nudismo cercada de hedonistas narcisistas que não encontravam prazer maior em outra coisa que não neles mesmos. Todo dia eu torcia para chover. Não porque teríamos uma desculpa para ir embora da praia, mas porque eu teria um motivo para me sentir uma bosta. "Viemos até aqui para curtir os prazeres da carne na Grécia e agora está uma puta chuva. Droga. A vida é cruel." E em toda a minha vida adulta, essa foi a minha ambição – sentir algo que refletisse o mundo real: felicidade quando uma coisa boa acontece, tristeza por alguma coisa ruim.

E é a praga do depressivo ser negado essa empreitada aparentemente simples. A menos que se tome remédio.

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Resisti aos antidepressivos na adolescência e início da vida adulta. Provavelmente porque meu médico me mandou tomar antidepressivos quando, na verdade, eu tinha encefalite – inflamação do cérebro –, então nunca confiei muito no diagnóstico dos especialistas. Remédio era um sinal de fracasso, de loucura, a um passo do eletrochoque e não muito longe de uma lobotomia completa. Tudo menos remédio.

Então, aos dez anos de idade, fui mandado para uma consulta com uma psiquiatra hospitalar. Ela me pediu para falar sobre como eu me sentia e decidiu que eu tinha síndrome de Münchausen by proxy (link em português), e não encefalite, e a culpa toda era da coitada da minha mãe. No fim das contas, ela – a psiquiatra, não minha mãe – era maluca e tinha o costume de correr pelada pelo hospital quando o relógio batia meia-noite.

Alguns anos mais tarde, tomado por uma depressão de fato (muitos sobreviventes de encefalite sofrem com depressão por uma série de motivos – porque mexeram muito com o cérebro, porque ficaram com alguma deficiência ou porque têm dificuldades na vida depois), fui a outro psiquiatra. Ele se divertiu muito me fazendo falar sobre o que me fazia sentir mal, e se achou muito esperto quando sugeriu que a minha depressão poderia ter alguma coisa a ver com o que eu tinha passado. Eu não sabia o que estava fazendo lá, escutando um homem absorver a história da minha vida e chegar a uma conclusão que eu já sabia. Eu não queria compreensão, nem empatia – queria ajuda. Além disso, ele era estranho. Um sujeito bacana, mas totalmente maluco. Tinha sobrepeso, então fez uma cirurgia para fechar a boca. Não adiantou. Então ele fez uma redução de estômago que acabou o matando. Eu tinha que sentar na sala com as janelas abertas, porque o estômago dele ficou tão destruído na operação que ele peidava a consulta inteira.

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Não muito tempo depois, tentei de novo tomar remédios. Eles me deixavam catatônico. Pílulas de zumbi. Enquanto antes eu só queria dormir o dia todo, os medicamentos me fizeram dormir de fato. Claro, você não vai se sentir tão mal se estiver completamente alheio, mas isso não é lá muita vida. Parei de tomar.

A transformação foi assombrosa. Não virei uma pessoa radiante, mas parei de chorar o tempo todo. O metrônomo parou de ticar, eu conseguia dizer as horas para as pessoas e virei uma coisa próxima a um ser humano funcional.

Na década seguinte, mais ou menos, sobrevivi sem analista nem remédio. Eu chorava para tudo na vida, me cobria no enroladinho de salsicha de edredom e conseguia mais ou menos levar. Tudo na vida estava indo bem – eu tinha o emprego dos sonhos no The Guardian, uma companheira maravilhosa, filhos, amigos – e mesmo assim, me sentia uma bosta.

Os depressivos têm a tendência de se atrair. Você sente o cheiro deles a um quilômetro de distância. E provavelmente foi isso que me atraiu à minha melhor amiga, a Fiona. A Fiona era secretária da editoria de artes no Guardian, mas ela entendia tudo muito melhor que os críticos que falavam com ela depois que ela via as coisas e chupinhavam as melhores frases dela. A Fiona era uma depressiva clássica que não tinha motivo nenhum para estar triste. Era inteligente, bonita, amada, única. Mas nada disso a ajudava a enfrentar a vida e ela se matou.

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Alguns meses depois, surtei. Eu sabia que tinha a ver com a Fiona e foi inevitável. Fui a uma médica e disse que era suicida e queria alguma coisa para fazer eu me sentir melhor o mais rápido possível. Ela me encaminhou para o hospital psiquiátrico, que não me prendeu, mas me colocou para tomar antidepressivos. O Prozac era relativamente novo nos anos 90. O REM compôs Shiny Happy People sobre isso – e esse era o medo que se tinha, de que era uma forma frívola de joelhaço químico. Juraram que eu ficaria mal por algumas semanas (fiquei), mas que deveria persistir.

A transformação foi assombrosa. Não virei uma pessoa radiante, mas parei de chorar o tempo todo. O metrônomo parou de ticar, eu conseguia dizer as horas para as pessoas e virei uma coisa próxima a um ser humano funcional. Diane, minha companheira, era contra antidepressivos porque viu o efeito que os anteriores tinham tido em mim, mas agora insistia para que eu continuasse com esse.

Li sobre como teve gente que ficou louca e matou sob o efeito de Prozac e fiquei preocupado. Mas nunca senti vontade de matar ninguém. Li que dificultava a ejaculação (verdade, mas é bom ter um desafio) e que você perde as emoções (ainda tenho muitas, mas não choro com tanta facilidade como chorava no mercado). Tentei parar de tomar algumas vezes, mas fiquei péssimo. Questionei se isso era a minha depressão ou se eu tinha ficado viciado em Prozac. Talvez seja as duas coisas. No fim das contas, parei de me preocupar.

Se torna a vida vivível, quem se importa se sou viciado? Lá se vão 18 anos com a dádiva verde e branca cilíndrica de Deus. Já é muito tempo tomando? Provavelmente. Sou viciado? É possível. Será que um dia vou conseguir parar de tomar? Provavelmente não. Se eu me importo com isso? Nem um pouco. Viva la Prozac. Um brinde aos próximos 18 anos.

@shattenstone

Tradução: Aline Scátola