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Por que os Trabalhadores Japoneses Não Tiram Férias?

Além de não transarem (no sentido bíblico), os trabalhadores do Japão parecem não transar muito umas férias remuneradas também.

O Japão está prestes a obrigar seus trabalhadores a tirarem pelo menos cinco dias de férias pagas por ano, um acordo entre grupos de empregadores, que queriam três, e sindicatos, que pediam oito. O país inteiro parece concordar que é fundamental que os trabalhadores tirem suas férias garantidas legalmente, porque, além de não estarem transando, os japoneses estão se recusando a dar uma pausa na rotina – desencadeando, assim, uma crise econômica e de saúde.

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Sob a Lei Padrão de Trabalho do Japão, os empregados têm direito a pelo menos dez dias de licença paga por ano, com um dia extra por ano trabalhado até que o empregado atinja 20 dias. Em 2013, o empregado médio tinha direito a 18,5 dias de férias, mais 15 dias de feriados nacionais. Trata-se da segunda menor soma de tempo livre entre as nações mais ricas – atrás apenas dos EUA, com dez feriados nacionais e a inexistência de uma garantia (federal) de licença paga.

Talvez o mais surpreendente é que, em 2013, menos da metade dos japoneses usou seu período total de férias devido: o trabalhador médio tirou naquele ano apenas nove dos 18,5 dias de férias. E com um em cada seis deles não utilizando nenhum dos dias devidos de férias.

Para comparar, o trabalhador médio francês tem pelo menos 37 dias garantidos por lei de licença paga por ano, e ele usa 93% disso, número similar aos de outras nações europeias.

Essa situação no Japão vem de uma cultura de trabalho excessivo. Apesar de regulamentações que colocam um limite de oito horas de trabalho por dia e 40 horas por semana, uma mistura de pressão dos colegas e insegurança do trabalho numa economia estagnada faz os japoneses continuarem trabalhando por dezenas, quando não centenas, de horas extras (geralmente não remuneradas e não registradas) por mês. Pelo menos 22% dos trabalhadores se forçam a fazer 49 horas por semana. Enquanto na França esse percentual fica em 11%, na Coreia do Sul ele é maior, com uma taxa de 35% de horas extras.

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Yuu Wakebe, o oficial do Ministério da Saúde e do Trabalho que tem pressionado pela aprovação de novas leis de lazer como essa, admite, ironicamente, que também trabalha 100 horas extras por mês e que só tirou cinco dias de folga em 2014, um deles por doença.

"É um direito do trabalhador tirar férias pagas", disse Wakebe recentemente para a Associated Press, "mas trabalhar no Japão envolve bastante espírito voluntário".

Mas trabalhar ao ponto do absurdo não é necessariamente inerente à cultura japonesa. Alguns historiadores argumentam que, até o começo do século 20, os trabalhadores japoneses tinham um respeito saudável pelas horas de folga e pelos limites de trabalho – e eram até considerados preguiçosos por alguns estrangeiros. Mas, por muitas razões, o vício em trabalho hoje é generalizado e enraizado.

Muitas evidências apoiam a ideia de que trabalho em excesso não ajuda – podendo até atrapalhar – o lucro das empresas japonesas. Ficar no escritório para parecer que se está trabalhando, [na verdade](https://books.google.com.br/books?id=ULKsw68MhDAC&pg=PA132&lpg=PA132&dq=japan+overwork+lowers+productivity&source=bl&ots=lmxjUU3-gR&sig=L310bcOc4UUU69IugOAlmhaseM8&hl=en&sa=X&ei=Z0jVVNJgiaaDBNjYgJgM&redir_esc=y#v=onepage&q=japan overwork lowers productivity&f=false), derruba a produtividade; além disso, a queda na satisfação com o trabalho e o aumento da fadiga também diminuem a quantidade e a qualidade do trabalho feito nas horas passadas no escritório. E, de acordo com alguns analistas, a recusa dos cidadãos em tirar férias tem um impacto grave sobre a indústria do lazer, o que prejudica a economia nacional. Alguns também culpam o trabalho em excesso pela queda na taxa de natalidade da nação, o que pode estar agindo em conjunto com uma juventude cada vez mais assexuada para destruir o suprimento de mão de obra do país e inclinando a população para o lado da geriatria. Esse excesso de idosos, por sua vez, prenuncia um fardo impossível para o regime de bem-estar social do Japão.

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O trabalho em excesso também está contribuindo para uma crise nacional de saúde, em que milhares de pessoas estão, literalmente, trabalhando até morrer. Isso é conhecido como karoshi, um termo que entrou para o léxico japonês com a explosão econômica dos anos 70. Nos EUA, o termo mais próximo seria workaholism, mas, mesmo que a palavra seja popular desde 1968, o país não tem uma definição precisa dela e nem reconhece oficialmente a doença, ao contrário dos japoneses em relação ao karoshi. Por volta de 2000, histórias de trabalhadores se enforcando depois de trabalhar 17 horas por dia ou desmaiando por desidratação em seus turnos começaram a surgir na mídia – especialmente depois que o primeiro-ministro japonês, Keizo Obuchi, teve um derrame naquele ano atribuído ao karoshi –, indicando uma crise de saúde pública.

Em 2011, 10 mil dos 30 mil suicídios anuais no Japão foram creditados ao karoshi; no ano seguinte, relatórios sugeriam que mais de 5% dos derrames e ataques cardíacos entre cidadãos abaixo dos 60 anos também foram causados pela doença. Em 2013, 1.409 cidadãos pediram (e 436 receberam) compensações trabalhistas por doença mental provocada por karoshi, enquanto 784 requereram (com 133 recebendo) indenizações por transtornos cerebrais e cardíacos a ele relacionados. Mas muitos casos assim nunca são registrados, principalmente devido ao estigma social e aos pesados encargos de provas exigidos aos requerentes. Estimativas sugerem que mais de 10% dos trabalhadores japoneses fazem acima de 60 horas de trabalho por semana em condições similares às de vítimas reconhecidas de karoshi, colocando sua saúde e até suas vidas em risco.

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E a lei dos cinco dias obrigatórios de férias não é a primeira tentativa do governo de abordar os problemas econômicos e de saúde da epidemia de trabalho em excesso. No começo dos anos 2000, oficiais facilitaram o reconhecimento e os pedidos de indenização ou tratamento por karoshi. Alguns casos famosos – como a indenização de meio milhão de dólares concedida à família de um funcionário de restaurante que trabalhou 190 horas por mês por três anos – trouxeram o problema ao conhecimento do grande público, facilitando o diálogo e a busca por ajuda. O Ministério da Saúde e do Trabalho também vem emitindo conselhos oficiais sobre a questão, como a recomendação, divulgada no ano passado, de que os empregados devem tirar sonecas de 30 minutos durante a tarde para relaxar.

Em 2014, os legisladores aprovaram o Ato de Promoção de Medidas de Prevenção do Karoshi, que entrou em vigor no final do ano. O ato, que será revisado em 2017 dependendo dos resultados, destina recursos para o estudo do karoshi, além de financiamentos para aconselhamento e grupos de apoio como reuniões de Viciados em Trabalho Anônimos, uma linha direta nacional para karoshi e um Mês de Conscientização do Karoshi (novembro).

Mas é possível obrigar alguém a relaxar? No começo de janeiro, surgiram relatos de que o governo quer coagir as pessoas a tirarem pelo menos 70% de suas licenças pagas garantidas até 2020. Mesmo antes da discussão sobre a nova lei de férias obrigatórias, oficiais começaram a alinhar feriados nacionais e finais de semana. E, no meio de agosto de 2016, a nação vai acrescentar o 16º feriado nacional ao seu calendário – o aparentemente arbitrário Dia da Montanha. Sim, um dia para a celebração das montanhas do país, apenas outra desculpa para obrigar os escritórios a fecharem e os trabalhadores, a relaxarem.

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Infelizmente, é pouco provável que o governo consiga forçar os japoneses a pegarem leve no trabalho. Na Holanda, por exemplo, apesar das férias abundantes, mais de 3% da população sofre de "doença do lazer": a incapacidade de parar de se preocupar com o trabalho enquanto se está "relaxando", o que provoca reações físicas devido ao estresse. Enquanto a cultura de preocupação e pressão persistir no Japão, as pessoas podem ficar doentes durante suas folgas. O que significa que o governo poderá ter de enfrentar, em breve, uma nova epidemia psicossomática altamente irônica na nação.

Muitos países estão testemunhando um aumento das horas extras similar ao que é visto no Japão. Graças à insegurança pós-depressão, mais de 57% dos americanos estão deixando de utilizar seus dias de férias (o trabalhador normal tira cerca de 13 dias de licença paga por ano). E, em 2014, a mídia chinesa reportou mais de 600 mil mortes locais relacionadas à exaustão por excesso de trabalho.

Vamos torcer para que as férias obrigatórias e sonecas recomendadas do Japão se tornem um programa funcional. Talvez o resto do mundo precise de um modelo muito em breve.

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Tradução: Marina Schnoor