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Por Que Tantos Ciganos Estão Cometendo Suicídio?

Abusos de drogas, acesso restrito à assistência médica e o preconceito sofrido pelo povo cigano e nômade faz com que as taxas de suicídio entre eles sejam seis vezes maiores do que a da população geral do Reino Unido.
Jamie Clifton
London, GB

Há muito tempo que ciganos e povos nômades são marginalizados na Inglaterra. Suponho que essa seja uma das armadilhas em se colocar intencionalmente fora da sociedade dominante por centenas de anos. Mas uma mudança da legislação inglesa relacionada às comunidades nômades (significando que eles não têm mais lugares pré-aprovados pelo governo para se estabelecerem), tornou-os ainda mais segregados. Um relatório mostrou que nômades e ciganos têm a saúde significativamente em pior estado do que as outras minorias étnicas falantes de inglês residentes do Reino Unido. Eles também têm maior probabilidade de sofrer abortos, de ter bebês natimortos e de bebês e crianças mais velhas morrerem, já que o acesso deles à assistência médica — por não terem endereço fixo — é limitado. O quê, obviamente, é muito triste.

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Outro fato deprimente é que nos últimos cinco anos as taxas de abuso de drogas nessas duas comunidades cresceu exponencialmente e as taxas de suicídio deles são seis vezes maiores do que a da população geral do Reino Unido. Nômades e ciganos na Inglaterra já são comunidades muito fechadas, e imagino que fiquem ainda mais relutantes em falar quando se trata da morte de membros de suas famílias pelas próprias mãos, então, não há muita informação sobre os motivos de isso começar a acontecer subitamente. Para saber um pouco mais sobre essas questões de fontes internas, conversei com Shauna Leven da organização René Cassin.

Ex-moradores de Dale Farm.

VICE: Oi, Shauna. Você pode nos falar sobre essa estatística de que o suicídio entre as comunidades nômade e cigana são seis vezes mais altas do que entre a população geral do Reino Unido?
Shauna Leven: Primeiro, eu diria que essas estatísticas se aplicam aos ciganos Romani e nômades escoceses, galeses e irlandeses, não tanto à população Roma, que começou a migrar para cá mais recentemente. No entanto, eles também experimentam o mesmo tipo de discriminação na Europa. Infelizmente, é difícil mergulhar nessas especificidades porque o Serviço de Saúde Nacional não coleta estatísticas sobre questões de saúde desse grupo étnico como faz em outros grupos.

Por que não?
Não é parte do quadro do SSN inglês. Ciganos e nômades são reconhecidos como uma minoria étnica, mas a discrepância entre, digamos, a expectativa de vida dos nômades e a da população geral é ignorada. Se você visse o mesmo tipo de coisa acontecendo na comunidade muçulmana, por exemplo, era muito mais provável que eles estivessem realizando essas estatísticas. Nossa primeira recomendação para tentar resolver o problema é realizar mais pesquisas sobre o tópico, porque essa é a questão primária aqui.

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A primeira questão é o que está causando isso?
Sim – bom, altas taxas de suicídio são na verdade o resultado da convergência de fatores. Racismo contra ciganos e nômades é comumente referido como o último tipo aceitável de racismo aqui no Reino Unido. Pessoas educadas e socialmente conscientes frequentemente usam as palavras "gyp" ou "pikey" (gírias pejorativas para "cigano") ou coisas parecidas, e isso é só a ponta do icebergue. Isso mostra o nível de exclusão social no qual os nômades caem automaticamente só por serem nômades.

Mas por que isso atingiu esse pico repentino agora?
Ciganos e nômades são povos viajantes e, até algumas décadas atrás, o governo fornecia a eles lugares para estabelecer suas caravanas. Na década passada, o governo passou a responsabilidade de manter esses locais para as prefeituras – e as prefeituras são muito mais suscetíveis à pressão dos moradores, como devem ser. O resultado é que as comunidades nômades e ciganas não têm mais acesso a acomodações seguras com instalações apropriadas e não podem mais se cadastrar no Sistema de Saúde Nacional como residentes permanentes, o que significa que eles não têm mais acesso a coisas como exames de câncer de mama e de saúde mental.

Então eles estão sendo forçados à transição permanente em vez da possibilidade de se acomodar em lugares antes de decidirem se querem ficar ali ou não?
Sim, exatamente. Está fora do controle deles e acho que essa é uma chave para entender a ansiedade e a depressão da comunidade. Quer dizer, não sou uma profissional de saúde mental, mas todo mundo sabe que a pressão constante de ser despejado, de ter que tirar os filhos da escola ou de ser ativamente discriminado vai, por fim, causar ansiedade. No entanto, é importante entender que não há uma única causa – existe todo um sistema de discriminação e exclusão que levou a situação a esse ponto.

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Então você acha que as causas são externas? Há alguma questão interna que pode ter levado a mais suicídios? Como mais pessoas se assumindo gays ou querendo viver um estilo de vida mais predominante e sendo rejeitadas pela comunidade ou algo assim?
Acho que – na maior parte – é algo externo. As comunidades cigana e nômade são muito focadas culturalmente, então, essa é uma das razões por que não ter acomodações seguras é tão traumático para essas pessoas, porque isso significa que suas famílias estão separadas. Pelo que sei, não há nenhum estudo sobre ciganos ou nômades que se assumem gays e se isso estaria afetando as taxas de suicídio, mas acho que começamos a olhar para as implicações de casamentos desfeitos em episódios de autoflagelação e suicídio. Esse é um fenômeno muito recente na comunidade – separações de casais ainda é algo novo, então, isso pode explicar por que alguns lidam com isso dessa maneira.

Roseanna Doherty, a estrela de uma série de documentários sobre os ciganos do Reino Unido, que recentemente tentou suicídio.

Você acha que o fato de esses casais da comunidade estarem começando a se divorciar pode ter algo a ver com suicídio?
Isso pode ser um fator, sim. Mas acredito, pessoalmente, que os fatores mais importantes são aqueles relacionados à exclusão social: ter problemas para arranjar emprego, ser discriminado pela sociedade e pela grande mídia, e ter sua família forçada a uma situação de insegurança com frequência. Minha organização aborda os ciganos e nômades englobando a experiência histórica judia e o passado das duas comunidades são bem similares – os ciganos ficavam com os judeus nos campos de concentração. Mas desde então, os judeus ganharam mobilidade e os nômades vêm perdendo mobilidade. Não há sequer o conhecimento generalizado de quantos ciganos foram mortos durante o Holocausto.

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Sim, verdade. Isso é meio que varrido para baixo do tapete.
Exatamente. Há um site muito interessante chamado Jewify.org onde você coloca um link para uma notícia sobre ciganos ou nômades e ele troca as palavras cigano, nômade ou Roma pela palavra judeu. E, então, você vê como essas matérias soam quando as palavras são trocadas – e você pode fazer a mesma coisa com palavras como "negro" e "muçulmano" – e é muito confrontador. Isso faz você perceber como é socialmente inaceitável usar essas palavras do que jeito que são usadas hoje.

Manifestantes protestam por justiça para os Roma.

Sim. E sobre o aumento do abuso de substâncias ilícitas – você sabe algo a respeito? Porque, novamente, ninguém parece estar pesquisando muito sobre isso.
Não, você está certo. Mas não tenho, infelizmente, nenhuma estatística e não sei se há realmente alguma estatística sobre isso. Ouvi informalmente razões para isso estar acontecendo e é pela mesma razão que os suicídios: estresse devido a todos esses fatores externos. E também pelo fato de que muitos não conseguem trabalhar, então, começam a usar drogas recreativamente para passar o tempo e acabam se viciando.

Na sua opinião, quais são os passos a tomar para começar a resolver isso?
Tudo volta para a questão da "discriminação aceitável" contra ciganos e nômades no Reino Unido e em toda a Europa. Ainda parece OK dizer e fazer coisas discriminatórias, e a maioria das pessoas sequer percebe que nossas próprias leis de planejamento são discriminatórias. Essas pessoas são forçadas a ter uma endereço permanente e dizem que elas precisam de um para ter acesso ao que o estado oferece. Em uma pesquisa que vi recentemente, numa escala de um a dez – sendo dez extremamente confortável e um extremamente desconfortável – ter um vizinho deficiente recebia um nove, ter um vizinho homossexual oito e ter um vizinho Roma recebia um seis. Então, sim, as pessoas não percebem, mas a discriminação é chocante e maciçamente impregnada.

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Siga o Jamie no Twitter: @jamie_clifton

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