É Possível Superar um Estupro? Como Está a Vida da Jovem Que Sofreu Violência Sexual Dentro da Escola
Ilustração por Juliana Lucato.

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É Possível Superar um Estupro? Como Está a Vida da Jovem Que Sofreu Violência Sexual Dentro da Escola

Como a jovem abusada dentro de uma Escola Estadual na Zona Sul de São Paulo tem lidado com o trauma recente.

Há 14 dias com sonolência, dores no corpo, inchaço e muitas dores no abdômen, além de náuseas, vômito frequente, queda dos cabelos e sangramento, uma jovem de 12 anos sofre os efeitos colaterais do coquetel antiaids, que ainda vai durar mais duas semanas. Fora de casa, sente medo das pessoas; em casa, tem medo de ficar sozinha. Pediu desculpas à mãe, teve vergonha de olhar para o pai e não quer falar com ninguém fora do círculo familiar. Ela é uma das milhares de adolescentes que dão entrada em hospitais como vítimas de estupro anualmente. Em 2014, só o Hospital Pérola Byington registrou 2.486 casos de abuso sexual, uma média de 6,8 vítimas por dia. Em 45, 8% dos casos, os pacientes são crianças de até 11 anos. "Jamais eu imaginaria que eu iria encontrar uma situação dessa, uma notícia dessa. Você acha que sua filha tá passando mal, chega ao hospital e descobre que ela foi estuprada por três dentro da escola. Foi horrível", conta a mãe da menor, que pediu para não ser identificada.

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Evangélica, a família se apega à religião para superar o trauma. "Não é fácil. Eu me esforço pra não ficar lembrando nem pensando nessas coisas, senão a gente, que é mãe, enlouquece mesmo, mas Deus tá me dando força, porque eu preciso cuidar dela, preciso resolver as coisas. Eu tô de pé, me fortalecendo, mas é muito triste saber que ela passou aquele apuro todo", finaliza.

A menina da 7ª série do Ensino Fundamental saiu da sala de aula para tomar água. Foi abordada por um adolescente de 16 anos: após aplicar um mata-leão, ele a arrastou para o banheiro masculino. Lá, outros dois rapazes de 15 anos a aguardavam. Eles trancaram a porta. Um tampava sua boca e, com uma gravata, a asfixiava, outro segurava seus braços e o terceiro a estuprava. Eles se revezaram por cerca de 50 intermináveis minutos até que os três a penetrassem numa situação tão surreal e horrível que deixa pequeno um episódio de Law & Order Special Victims Unit. Desolada, a garota correu até um inspetor para pedir ajuda, mas esse funcionário não lhe deu crédito e ela desmaiou ali mesmo no pátio. A escola não chamou a polícia, o que atrasou o processo de investigação, mas pediu socorro médico.

"Ela está totalmente decepcionada com a vida, se encontra em um quadro de depressão profunda. Está traumatizada pelo que aconteceu. Ela se sente culpada. Ela tem vergonha da mãe, tem vergonha de sair de casa. Ela tem medo de atender telefone. Acabaram com a vida dessa menina", afirma Yasmin Chehade, advogada da família da vítima. Para ampliar a cena de terror, a jovem recebeu três ligações com ameaças. Não há como mensurar o estrago que esse crime vai causar no futuro dessa garota e de sua família, mas uma coisa dá para ter certeza: já deu muito ruim.

"É preciso fazer com que ela elabore essa situação de violência como um acontecimento de sua biografia e que isso não comprometa o seu desenvolvimento saudável como uma moça que necessariamente terá de ser aproximada das experiências do seu próprio corpo e depois do desenvolvimento de uma relação com o outro e o desenvolvimento psicossexual", explica o professor do departamento de psicologia social da PUC-SP, Helio Deliberador. O psicólogo acrescenta: "A pessoa pode ficar com uma hipertrofia do medo da relação com o outro, da desconfiança. Fica com a ideia de que o mundo é hostil ao eu. E isso pode formar uma fobia social, uma exacerbação do sentimento de medo e uma restrição da espacialidade e dos relacionamentos".

Para o doutor Deliberado, esse processo é lento e exige acompanhamento profissional – e, em alguns casos, intervenção medicamentosa para ajudar a elaborar o trauma. Ele finaliza: "No primeiro momento, há uma dificuldade de se aproximar. Sintoma de medo: há a generalização de que todo gesto que envolve a sexualidade seja de natureza violenta. É preciso desvincular a sexualidade humana saudável da violência como um gesto de carinho, de cuidado, um gesto amoroso, e não destrutivo e traumático como aconteceu".

O dia 12 de maio ficará para sempre marcado na história dessa família e será uma mancha permanente para a Escola Estadual Leonor Quadros, no Jardim Miriam, Zona Sul de São Paulo. Dos três suspeitos, dois confessaram o crime; no entanto, o terceiro continua foragido. Nenhum deles ainda está internado na Fundação Casa. "Já foi pedida a internação deles, vai ser marcada a audiência e, até o presente momento, eu não tenho informações de que eles foram internados", revela a advogada. Em nota oficial, a Secretaria Estadual de Educação afirma: "A Diretoria Regional de Ensino informa que acionou imediatamente os pais dos estudantes envolvidos, o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e da Juventude. Um boletim de ocorrência foi registrado para que a polícia investigue o caso. Tanto a direção da escola quanto a diretoria regional de ensino estão acompanhando o atendimento e prestando todo apoio à jovem e [à] sua família. A administração regional colabora com a investigação policial e abriu uma apuração preliminar para averiguar a conduta da direção". E, na mesma nota, levanta a imagem do professor-mediador. "A escola conta com a figura do professor-mediador, profissional capacitado com técnicas de justiça restaurativa, prevenção e mediação de conflito, que também acompanha o caso. A unidade possui sete agentes de organização escolar responsáveis por zelar pelo bem-estar dos alunos e pela estrutura física da unidade de ensino, além de auxiliar na manutenção da disciplina geral". Tem se tornado comum a Secretaria Estadual de Educação citar em suas respostas esse funcionário; porém, num caso de estupro dentro de um colégio, mencioná-lo não parece ser a coisa mais sensata. Se um servidor foi contratado por suas técnicas de "justiça restaurativa, prevenção e mediação de conflito" e não prevê, restaura ou media um caso desses, ele, no mínimo, falhou. Uma pessoa admitida para "zelar pelo bem-estar dos alunos e pela estrutura física da unidade de ensino" não zelar pelo bem-estar da aluna significa que ela falhou duplamente.