​Qual é a possibilidade de um pronome neutro para pessoas trans na língua portuguesa?
Colagem: Pedro Nekoi/ VICE

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Mês da Diversidade

​Qual é a possibilidade de um pronome neutro para pessoas trans na língua portuguesa?

Suécia e EUA já foram além dos pronomes 'ele' e 'ela'. E aqui no Brasil?

Achar que você sabe a identidade de gênero só de olhar para alguém não é mais uma realidade. Linguistas e acadêmicos pelo mundo já estão movendo as letras de lugar para que o uso dos pronomes seja algo confortável na vida de pessoas transgênero (que não se identificam com o sexo biológico) e não-binárias (que não se identificam como homens nem mulheres). Atualmente, "ele" e "ela" não suprem as necessidades de todos – se é que em algum momento o fez.

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Recentemente, o grupo teatral AfroReggae lançou o projeto Dicionário de Gêneros. Para o levantamento da plataforma, foram identificados mais de 60 gêneros entre brasileiros e brasileiras (não fosse coincidentemente tão genérico defini-los assim, no feminino e masculino).

Em abril deste ano, a Suécia deu um passo a frente na questão linguística e oficializou um novo pronome para falar de alguém sem revelar sua identidade de gênero, o "hen".

Em abril deste ano, a Suécia deu um passo a frente na questão linguística e oficializou um novo pronome para falar de alguém sem revelar sua identidade de gênero. "Han" (ele) e "hon" (ela) continuam no dicionário sueco, agora acompanhados por "hen". O novo pronome funciona também para se referir a alguém de identidade de gênero desconhecida – ou até mesmo quando a informação é "irrelevante" para o contexto.

A escola de artes e ciências da universidade de Harvard, nos EUA, permite que os alunos insiram em seus registros acadêmicos se se identificam como homens, mulheres ou transgêneros, especificando por qual pronome preferem ser chamados. Por lá, os pronomes "they" (em português, "eles") e "ze" (sem tradução) já têm sido usados como uma opção neutra. Tanto que a American Dialect Society, entidade que estuda e analisa a língua inglesa nos EUA, definiu "they", no singular, como a palavra do ano de 2015.

No Brasil, a questão ainda caminha a passos curtos. Para Clarice Pinheiro, docente do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a discussão já existe. "Mas nada que signifique um debate concreto porque a nossa sociedade é extremamente machista", pontua. Ela cita como exemplo a portaria baixada por Dilma Rousseff (PT) quando se tornou presidente pela primeira vez, em 2011, para que fosse chamada de "presidenta". "A grande mídia correu alvoroçada para achar os mais variados linguistas em todos os confins do Brasil para dizer que aquela mudança era um absurdo, feria a norma", relembra a docente.

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Para a brasileira Carmen Rosa Caldas-Coulthard, pós-doutora em língua inglesa pela University of Strathclyde, Escócia, e editora do periódico internacional Gender and Language (Gênero e Linguagem), o assunto entrou na arena do debate há alguns anos. "As feministas linguistas anglo-saxãs começaram a questionar já na década de 70 a questão de como a linguagem não só reflete mas também constitui as relações sociais", afirma a especialista. "A linguagem não é apenas um luxo intelectual, mas uma parte essencial na luta pela libertação das mulheres e das minorias."

"A linguagem não é apenas um luxo intelectual, mas uma parte essencial na luta pela libertação das mulheres e das minorias", pontua a brasileira Carmen Rosa Caldas-Coulthard, pós-doutora em língua inglesa pela University of Strathclyde, Escócia.

De acordo com Caldas-Coulthard, as línguas latinas, por terem a característica gramatical que classifica coisas e pessoas em categorias masculinas e femininas, são especialmente problemáticas. "O uso genérico sempre foi feito tendo como base o masculino." Por isso nos referimos a um grupo de homens e mulheres como "eles".

"No Brasil e em português especialmente, temos trabalhado muito para incluir mulheres e minoras de gênero em textos e formas alternativas têm sido propostas, que apontam para a desigualdade de representação", explica a linguista. É o caso do símbolo "@", utilizado para todos os gêneros no plural. Por exemplo: "Prezad@s" no lugar de "Prezados" ou "Prezadas". A letra "X" também cumpre a mesma função. Por exemplo: "Falei com todxs que estavam lá" em vez de "falei com todos que estavam lá", no masculino.

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"As propostas acima podem ser usadas para pessoas trans, mas esta questão ainda está muito incipiente", revela a profissional. A docente Clarice Pinheiro também faz uma observação pontual: "São construções que não são oralizadas e tampouco são aceitas na academia, ou mesmo mantidas de ponto a ponto em um texto".

Para algumas pessoas, nomeclaturas, definições e pronomes podem soar descenessárias, mas, para entender o cerne da questão, é preciso ir a fundo na realidade da comunidade T (travestis, transexuais e transgêneros), que convive diariamente com tais dificuldades.

No Brasil, em 2014 surgiu a Wiki Identidades, plataforma colaborativa em português que reúne um vasto acervo sobre identidade de gênero.

Para a docente Clarice, essas criações e adaptações linguísticas são necessárias para tornar visível quem sempre se sentiu invisível perante a sociedade. "Será uma excelente contribuição para a nossa língua e para a nossa cultura porque dá lugar de existência e reconhecimento para todas e todos, incluso para aquelas e aqueles que não querem estar entre aquelas e aqueles", pondera.

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