Manifestantes Estão Morrendo nas Ruas de Kiev

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Manifestantes Estão Morrendo nas Ruas de Kiev

Os protestos contra o governo na Ucrânia deram uma guinada sangrenta e já contabilizam cinco mortes. Manifestantes e policiais continuam a se enfrentar nas ruas tomadas por gás lacrimogêneo e fumaça.

Os protestos contra o governo em Kiev deram uma guinada sangrenta ontem, enquanto manifestantes e policiais continuam a se enfrentar nas ruas tomadas por gás lacrimogêneo e fumaça da capital ucraniana. Ontem de manhã, a BBC ucraniana publicou um vídeo de um homem caído na neve. Ao anoitecer, quatro outras mortes foram relatadas. Ironicamente, as notícias das mortes — as primeiras do período de turbulência que começou dois meses atrás — vieram no Dia da União Nacional do país.

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“Acho que isso é o começo de uma guerra civil”, disse Yaroslav Hrytsak, um conhecido historiador de Lviv, na noite de quarta-feira. Os combates nas ruas continuam ao redor da Rua Hrushchevskoho de Kiev, onde os manifestantes enfrentam a tropa de choque com coquetéis molotov. Além disso, os manifestantes construíram uma catapulta enorme, que mais parece um acessório de um sítio medieval do que de um protesto em 2014, que visa impulsionar o país democrático em direção à União Europeia.

Quem são os civis envolvidos nos combates? A mídia atribuiu os primeiros sinais de violência nos protestos do Euromaidan a “provocadores”, pessoas que não têm necessariamente motivos políticos para agir com violência. Mais recentemente, um grupo de extrema-direita chamado Setor Direita (Pravy Sektor) — mais extremo que o nacionalista Partido da Liberdade — tem sido associado às batalhas contra a tropa de choque. No entanto, como o Financial Times informou, a questão é mais complicada; muitas pessoas em Kiev estão insatisfeitas e os coquetéis molotov não são monopólio da extrema-direita.

Enquanto o número de feridos sobe para 300, a polícia está visando os jornalistas novamente — um fato que parecer ter escapado a um ousado repórter da TV polonesa, que decidiu caminhar até os policiais da tropa de choque e fazer algumas perguntas pertinentes, como: “Por que vocês estão fazendo isso?”. Dmytro Barkar, um dos repórteres da Radio Svoboda, que foi espancado e preso pela tropa de choque, disse que os policiais arrancaram seu capacete — que dizia “IMPRENSA” — e o espancaram com cassetetes. Enquanto era arrastado para a van da polícia, ele conseguiu dizer: “todo policial que encontro me cumprimenta com um soco”.

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Enquanto isso, a procura era por outro jornalista, Igor Lutsenko, sequestrado na manhã de terça-feira. Ele apareceu mais tarde naquele dia, e descreveu como seu sequestradores o levaram para a floresta e deixaram claro que iam matá-lo. Yuri Verbytsky, um ativista do Euromaidan que tinha sido levado com ele, só foi encontrado no dia seguinte — morto.

Outros repórteres decidiram recuar. Na terça, Vitali Portnikov, um conhecido jornalista ucraniano, fugiu do país depois de diversas ameaças. Naquele dia, ele recebeu uma visita dos titushky — os capangas do governo. “Três homens estão tocando a campainha. Eles entraram na varanda sem usar o interfone”, ele tuitou, acrescentando, seis horas depois, que estava bem.

A atitude das autoridades ucranianas diante da imprensa pode ser resumida pelo vídeo a seguir, que mostra um policial arrebentando as lentes da câmera que o filmava:

As notícias das primeiras mortes foram um choque, dado os até então dois meses de protestos relativamente pacíficos. O homem fotografado caído na neve foi identificado depois como Serhiy Nihoyan, um jovem de 20 anos cujos pais se mudaram para os Estados Unidos. Ele se juntou aos protestos no dia 8 de dezembro, vindo de sua cidade natal, Dnipropetrovsk, no oeste da Ucrânia. Esse vídeo mostra o rapaz recitando “O Cáucaso”, um poema do famoso poeta ucraniano Taras Shevchenko — com as barricadas da Praça da Independência de Kiev ao fundo.

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“Uma vez, o diretor armênio [Sergei] Paradzhanov fez um filme que se tornou o símbolo dos ucranianos”, tuitou Svyatoslav Vakarchuk, vocalista do Okean Elzy, uma popular banda ucraniana. Ele estava se referindo ao filme Os Cavalos de Fogo, de 1964, que se tornou um símbolo da resistência cultural ucraniana contra o domínio soviético. “Hoje, o armênio [Serhiy] Nihoyan deu sua vida, que se torna um símbolo da Ucrânia.”

Até o anoitecer, o número de vítimas fatais tinha subido para cinco; relatos afirmavam que um homem foi baleado e que outro caiu para a morte. Com tantas fotos de policiais mirando suas armas contra os manifestantes, a pergunta é se eles começaram a usar balas de verdade em vez das de borracha. Oleg Musiy, o coordenador dos serviços médicos nos protestos, disse ao Kyiv Post que “é impossível” que o ferimento fatal de Nikoyan tenha sido causado por balas de borracha. No domingo, o Ministério do Interior disse que, apesar de a polícia ter permissão para usar armas de fogo, nenhuma foi usada nos protestos, mas fotos nas redes sociais mostraram uma grande variedade de estilhaços de aparência mortal.

“Claro, nós nos arrependemos do que houve, apesar de não termos nada a ver com isso, e pedimos para que as pessoas não sucumbam a provocações”, disse o primeiro-ministro ucraniano Mykola Azarov, enquanto negava o uso de armas letais numa reunião do governo na segunda-feira. Ele diz que não há provas para acusar os policiais, já que aqueles presentes na Rua Hrushevskoho não portavam armas de fogo.

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Assim que a onda fatal de violência começou no domingo, uma batalha pela fidelidade da tropa de choque tem sido travada nas ruas. Uma manifestante foi fotografada segurando um cartaz informando que se oferecia para casar com o oficial da Berkut que ousasse passar para o lado dos manifestantes. Enquanto isso, um banqueiro de 30 anos, que aparentemente é muito rico, prometeu pagar um salário por seis meses para que policiais “parassem de bater nas pessoas”. Os policiais teriam medo da demissão caso não seguissem as ordens, e esses seis meses de salário dariam tempo para que eles procurassem outro emprego, segundo o banqueiro.

Na quarta-feira, os três líderes da oposição ucraniana — Vitali Klitschko, Arseniy Yatsenyuk e Oleh Tyahnybok — finalmente se encontraram com Yanukovych. A reunião durou mais de três horas, mas parece não ter dado muito resultado. “Viktor Yanukovich, você tem 24 horas”, alertou Arseniy Yatseniuk, o líder do Pátria, o maior partido de oposição da Ucrânia, naquela noite. “Tome uma decisão. Eu já tomei a minha.” Cerca de 60 mil pessoas — um comparecimento notável para um comício no meio da semana — se reuniram na Praça da Independência, onde um minuto de silêncio foi realizado em memória das vítimas.

Apesar de todo o drama, a reação internacional tem sido lenta. Ontem [quarta-feira], o Departamento de Estado norte-americano anunciou que “os Estados Unidos vão revogar os vistos de várias pessoas responsáveis pela violência e vamos considerar outras ações em resposta ao uso de violência por qualquer um dos lados”. A União Europeia não concordou com tais medidas, apesar de alguns políticos exigirem sanções. Enquanto isso, há informações de que o convite feito a Mykola Azarov para participar do Fórum Econômico Mundial, que acontece agora na Suíça, foi retirado.

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Depois de cinco dias de conflito, Kiev está passando por um momento de calma, com um cessar-fogo anunciado por Vitali Klitschko, ex-campeão dos pesos-pesados e líder do partido UDAR (“soco”), que deve durar até às 20 horas do fuso local. A oposição deve encontrar Yanukovych para mais negociações. Mas a situação em Kiev está longe de ficar estável.

Siga a Annabelle no Twitter: @AB_Chapman