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Realizar uma Parada do Orgulho Gay na Ucrânia Não É Bolinho

A Ucrânia foi o primeiro país da ex-União Soviética a legalizar a homossexualidade, o que é louvável, claro, mas difícil de entender dada a história recente. Ano passado, a primeira parada do orgulho gay de Kiev foi cancelada meia hora antes de começar.

Fotos por Ivan Chernichkin.

A Ucrânia foi o primeiro país da ex-União Soviética a legalizar a homossexualidade, o que é louvável, claro, mas difícil de entender dada a história recente. Ano passado, a primeira parada do orgulho gay de Kiev foi cancelada meia hora antes de começar porque a polícia — que já não estava muito empolgada com o evento — informou aos organizadores que não poderia protegê-los das centenas de hooligans de extrema-direita que marchavam em rota de colisão com eles. Momentos depois, um dos organizadores levou uma bomba de gás lacrimogêneo na cara, jogada por uma turba de encrenqueiros bem na frente de um monte de jornalistas. Muitos dos organizadores da parada vêm recebendo ameaças desde então.

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Apesar do cenário desanimador, desta vez o equipe do orgulho gay de Kiev achou que seria uma boa ideia não apenas realizar a parada, mas também marchar até o centro da cidade no “Dia de Kiev”, um festival municipal de orientação familiar. Como esperado, isso levou um número significativo de cidadãos horrorizados a interpor recursos contra a marcha, criando assim um pesadelo logístico para as autoridades que prontamente proibiram qualquer manifestação, gay ou não. Mais uma vez, a Parada do Orgulho de Kiev foi relegada à periferia da cidade e sua exata localização foi mantida quase em total segredo para não atrair problemas. Ou pelo menos era esse o plano.

Na manhã do dia 25 de maio, pediu-se aos jornalistas para comparecer do lado de fora de uma estação do metrô, registrar suas credenciais e esperar o transporte para a parada. Fizemos como foi pedido e minutos depois estávamos todos espremidos num ônibus que não saía do lugar, cercados por organizadores que não diziam aonde estávamos indo. Ficamos nesse estado por quase uma hora, fumando impacientemente e filmando uns aos outros, até que o motorista recebeu uma ligação. Antes que nos déssemos conta, estávamos acelerando pela rodovia.

Vinte minutos depois, olhamos pela janela do ônibus e vimos uma multidão furiosa empunhando cruzes, uma coluna de policiais das forças especiais correndo na direção dessas pessoas e veículos da polícia estacionados até onde a vista alcançava — tudo ao redor da Avenida da Vitória. Claramente, a parada já não era mais segredo.

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Trancado para fora do ônibus, atravessei a linha policial para encontrar um grupo de 50 ativistas LGBT calmamente parados em formação, cabeças levantadas, bandeiras de arco-íris tremulando ao vento. Alguns metros mais a frente, a tropa de choque estava de braços dados para manter distante um monte de cristãos ortodoxos. Pense na cena como uma manifestação da Igreja Batista de Westboro com bem mais gente e um toque eslavo: cânticos, cartazes comparando homossexualidade à pedofilia e uma babushka de lenço na cabeça, segurando uma foto de um santo, tremendo e chorando porque Kiev estava prestes a afundar nas chamas infernais por culpa dos gays.

Andei um pouco mais e encontrei Roman sentado debaixo de uma árvore. Como um jovem padre da Igreja Ortodoxa Ucraniana, ele parecia um personagem amigável e inteligente, apesar de eventualmente seu discurso desembocar em: “Um gato macho e outro gato macho não podem produzir gatinhos. Por que não temos uma manifestação dizendo que gatinhos deveriam ser adotados por gatos machos?”.

Roman basicamente expôs um medo compartilhado por muitos de seus compatriotas — que a ostentação, assim como o orgulho gay, seja forçada na Ucrânia por poderes ocidentais europeus para diluir a moral e a cultura da nação. Ou, como Mikhail Chechetov, membro do parlamento pelo Partido das Regiões, expressou mais francamente: “Não queremos entrar na Europa pela bunda”. Sendo assim, o grande número de visitantes LGBT da Alemanha e Escandinávia em meio aos participantes da marcha não ajudou muito. Mas como poderíamos remediar esse mal? De acordo com Roman, o governo não vai ajudar porque “40% do parlamento é gay”.

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Conforme a conversa continuou e mulheres começavam a se juntar à nossa volta oferecendo ícones de santos, Roman começou a perder o fio da meada e a fazer uma rapsódia sobre os perigos de um governo mundial. Voltei para a marcha só para descobrir que ela estava agora completamente ofuscada pela presença da polícia, da mídia e de manifestantes. As coisas começaram a esquentar; os gritos dos participantes da marcha e as tentativas de progresso eram interrompidas por fanáticos religiosos que tinham conseguido se infiltrar na parada disfarçados como parte da imprensa. Eles gritavam e tentavam rasgar as faixas, sendo rapidamente afastados por policiais corpulentos. Eu estava falando com um ativista sobre suas esperanças de uma parada segura quando um rojão atravessou a multidão e explodiu bem aos nossos pés, nos deixando momentaneamente surdos.

Trezentos metros à frente de onde tinha começado, a marcha estancou. O Orgulho Gay ucraniano tinha durado quase uma hora e atravessado um caminho do comprimento de uma piscina. O pequeno grupo de ativistas LGBT foi pastoreado às pressas de volta para os ônibus em meio a um acotovelamento da mídia reservado apenas para a saída de assassinos seriais do tribunal. Me disseram que a jornada de volta não seria direta, eles teriam que trocar de transporte várias vezes e trocar de roupas para se livrar de qualquer perseguidor fascista.

Enquanto seus objetos da ira eram levados embora, os vários grupos de descontentes foram deixados a esmo, procurando por um propósito.

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Espreitando debaixo de uma ponte ao lado dos portões do parque, um grupo de jovens aparentemente bêbados estava sendo revistado por outra falange policial. Eles estavam usando máscaras cirúrgicas (“para proteger da gripe”, explicou um dos líderes), o que os identificou como partidários do Svoboda, o partido ultranacionalista ucraniano que ocupa 38 cadeiras no parlamento. Mas a festa só começou mesmo quando apareceram os cossacos (uma comunidade militarista que defende fielmente o Império Russo), vestidos com roupas camufladas, balançando cordas e empunhando imagens do Czar Nicolau II. Uma onda de simpatizantes rapidamente se juntou a eles e não demorou muito para que a turba mostrasse sua face homofóbica. Quando perguntei a um dos cossacos sobre acusações que os ligavam a ataques contra gays, ele sorriu e me disse: “Os gays são nossas crianças, e nós nos preocupamos com eles. Então, quando eles se comportam mal, precisam de um tapinha amigável”.

Foi nesse momento que a legião de policiais voltou para seus veículos e foi embora, deixando nós, a mídia, cercados por caras sorridentes que com certeza estavam loucos para dar alguns “tapinhas amigáveis”. Percebemos que boa parte da massa reunida ali não sabia ou não ligava para a diferença entre jornalistas estrangeiros e turistas gays, então demos o fora discretamente.

Em retrospectiva, teria sido bom ver mais ucranianos presentes na marcha, já que o grande número de visitantes LGBT da Alemanha e Escandinávia só serviu para alimentar as suspeitas dos manifestantes de que tudo não passava de uma conspiração sinistra da Comunidade Europeia. Mas um clima de medo permeia a comunidade local; não há figuras abertamente gays na vida pública da Ucrânia e garantias jurídicas contra crimes de ódio e discriminação (ou de qualquer tipo) ainda estão em estágio embrionário. Uma legislação que visa proibir a promoção de “propaganda homossexual” é debatida atualmente no parlamento.

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Ninguém poderá argumentar que o 25 de maio vai entrar para a história como um dia de vitória para os ativistas dos direitos civis ucranianos. A Revolução Colorida vai ter que esperar um pouco, mas tudo tem que começar de algum lugar.

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