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As relações entre os EUA e Cuba dependem mais de Trump do que da morte de Fidel

São as decisões do novo presidente norte-americano que podem fazer retroceder a abertura cubana.

Fidel Castro em Havana em 2001. Foto por Adalberto Roque/AFP/Getty Images.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Desde o dia que entrou em Havana em 1959, depois de liderar uma guerrilha contra o ditador de Cuba apoiado pelos EUA Fulgencio Batista, Fidel Castro ocupou um grande espaço na política norte-americana. Em seus 49 anos no poder, o "Líder Máximo" se tornou um grande antagonista dos EUA durante a Guerra Fria. Seu regime gerou ondas de refugiados que remodelaram a demografia dos EUA. E seu país continua, improvavelmente, um dos últimos bastiões do comunismo no mundo.

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Então a morte de Castro na noite de sexta-feira (25) não foi apenas o falecimento de um dos líderes mais controversos e odiados do mundo, mas o fim de uma era. E apesar de todo o burburinho, a maioria dos sinais indicam que a morte de Fidel não vai ter um grande efeito prático em Cuba. Ainda assim, isso marca o primeiro grande evento de relações estrangeiras com que o presidente eleito Donald Trump vai ter que lidar — e isso pode resultar no novo "usuário do Twitter no comando" dos EUA desfazendo a normalização de relações entre as duas nações, iniciada quase dois anos atrás.

Fidel não estava realmente no comando de Cuba há uma década. Depois de cinco anos mostrando o enfraquecimento de sua saúde, em 2006 Fidel entregou o comando do regime temporariamente a Raúl Castro, seu irmão mais novo e ministro da defesa cubano — a transferência de poder só se tornou permanente em 2008.

O fator desconhecido no futuro político de Cuba não é a atual liderança da ilha, mas a nova presidência dos EUA.

"Durante os anos entre sua aposentadoria e morte, Fidel Castro continuou tendo uma influência considerável" nos assuntos do governo cubano, disse Brian Latell, professor da Universidade Internacional da Flórida, que inicialmente rastreou os Castros para a CIA e desde então escreveu vários livros sobre eles. Ele acrescenta que Raúl consultava regularmente o irmão nos últimos dez anos.

Mas Raúl sempre teve uma personalidade distinta — ele é conhecido por ser mais pragmático e administrativo, e menos ideologicamente intransigente e bombástico se comparado ao irmão. Especialmente nos últimos cinco anos, Raúl vem lentamente colocando em prática uma série de reformas que abriram a controlada economia cubana para alguns empreendimentos livres, permitiu mais debate público e acesso a viagens e tecnologias de comunicação, e tentou abordar a corrupção, o inchaço e o envelhecimento no aparato estatal — tudo isso supostamente por cima da vontade do irmão.

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"Concordando com a normalização das relações diplomáticas com os EUA — enquanto o embargo econômico continua valendo e Guantánamo ainda está sob bandeira norte-americana", diz Latell, "Raúl ignorou duas das exigências mais implacáveis de Fidel".

Latell e outros argumentam que Fidel pode ter atrasado algumas reformas de Raúl, com alguns meios de comunicação até esperando que a morte do Castro mais velho coloque um fim no estado comunista. Mas é mais provável que Raúl, que supostamente idolatra os modelos chinês e vietnamita de estado controlado e quase capitalista, coloque em prática uma experiência mais lenta de transição. Um participante ativo da ditadura do irmão, que se referia a si mesmo como "Raúl o Terrível" por seu papel em execuções políticas, Raúl não mostra sinais de que está alterando o curso em questões como o partido único, direitos humanos ou qualquer outra coisa a não ser uma leve abertura econômica.

Trump disse que seria linha-dura com Cuba, prometendo reverter as ações executivas de Barack Obama que aproximaram os países.

O fator desconhecido no futuro político de Cuba não é a atual liderança da ilha, mas a nova presidência dos EUA. Apesar dos executivos de sua empresa terem feito negócios com Cuba durante o embargo em 1998, e apesar de sua posição sobre Cuba não ficar clara nas primárias republicanas, durante a campanha presidencial Trump disse que seria linha-dura com Cuba, prometendo reverter as ações executivas de Barack Obama que aproximaram os países, a menos que o governo de Castro se abra mais para questões políticas e de direitos humanos. Trump também nomeou um grande lobista do embargo para sua equipe de transição, sugerindo que ele não seria receptivo aos desejos de empresas de terem mais acesso à ilha, apesar de sua plataforma pró-negócios.

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Confrontado mais uma vez com a questão cubana depois da morte de Fidel, Trump reiterou sua posição pró-embargo no Twitter, depois que aliados fizeram declarações mais claras e fortes na mesma linha durante o final de semana.

Otimistas anti-Castro esperam que, especialmente com Cuba perdendo aliados na América Latina (incluindo seu principal suporte econômico, a Venezuela), Raúl faça movimentos conciliatórios ou mesmo concessões para Trump, cujas palavras agora têm consequências.

"O presidente Trump não precisa mudar muitas regulamentações ou políticas para ter um impacto em Cuba", disse John Kavulich, do Conselho Econômico e de Negócios entre Cuba e EUA. "Bancos, empresas e governos vão temer o potencial [de uma renovação nas restrições] — e então isso se tornar uma realidade [econômica]."

Kavulich está entre aqueles que acreditam que Raúl provavelmente vai bater o pé contra Trump e se recusar a fazer concessões quando se trata dos direitos civis cubanos — seguindo seu histórico e mostrando sua legitimidade de Castro indo contra os EUA, o hobby favorito de Fidel — mesmo que isso tenha consequências econômicas negativas. Essa batalha de vontades provavelmente vai reverter anos de progresso diplomático.

"O governo de Cuba vai escolher o sofrimento de seus cidadãos porque acredita que de outra maneira estará se entregando aos EUA", disse Kavulich sobre a mentalidade diplomática geral da Cuba de Castro.

Mas muito disso depende das prioridades de Trump. Sua beligerância com Cuba pode refletir apenas o fato de que país está nas manchetes agora. Trump não fez de Cuba uma grande questão na campanha, e na época em que for empossado provavelmente terá coisas maiores com que se preocupar, permitindo que o status quo voe abaixo do radar. Mais uma vez, as relações entre EUA e Cuba dependem dos caprichos de um demagogo rancoroso com talento para manipular a mídia — só que agora, o demagogo está do lado norte-americano do Estreito da Flórida.

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Tradução: Marina Schnoor

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