A busca do melhor esgrimista do Brasil por sua primeira medalha olímpica

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A busca do melhor esgrimista do Brasil por sua primeira medalha olímpica

"Quem estiver melhor psicologicamente vai levar", diz Renzo Agresta.

O esgrimista Renzo Agresta, de 31 anos, é a estrela da tarde no Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo. Enquanto posa para imagens de divulgação, uma dúzia de crianças o acompanha com olhares curiosos. Paciente, ele tira foto com os mini-espadachins, com as mães dos pequenos atletas, com esgrimistas maiores, com o presidente do clube, com a nossa reportagem… Morando na Itália há 11 anos, Renzo passa quase sempre voando pelo Brasil – e toda vez é um grande evento. Dessa vez, ele nos contou, teve a sorte de comemorar seu aniversário no dia 27 de junho ao lado de amigos e parentes antes de dar o último gás para as Olimpíadas do Rio, a quarta de sua trajetória e, segundo ele, a mais especial.

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Em todas as outras vezes que disputou as Olimpíadas, Renzo ficou distante do pódio— perdeu sempre na segunda disputa. Agora, mais experiente, espera colher resultado melhor. "Treinei bem esse último período e, se eu conseguir jogar no nível que eu joguei no Pan [de Esgrima], sinto que posso lutar por uma medalha", disse. O Pan-Americano de Esgrima, realizado no Panamá em junho, foi sua última conquista. Ele ficou com a medalha de ouro na competição, feito que alcançou também em 2013, em Cartagena, na Colômbia. Para ele, é o incentivo que faltava para chegar com a cabeça boa na competição. Aproveitamos uma brecha na agenda dele para saber mais de suas expectativas para a competição. Bem-humorado, ele conversou com a gente enquanto tomava um suco de laranja e comia um sanduíche de peito de peru no pão integral. Se liga:

VICE SPORTS: Como você foi parar na esgrima, cara?
Renzo Agresta: Comecei com 12 anos no Clube Atlético Paulistano a convite de um amigo. O meu primeiro contato com a esgrima veio um pouco antes, na escolinha de esportes do clube, que você acaba girando em várias modalidades, mas foi um contato muito pequeno e na época eu não tive tanto interesse. Você também foi a convite de um amigo? Que louco. Falamos recentemente com o Thiago André, do atletismo, e ele só começou a correr por causa de um amigo. O Montanha, do lançamento de martelo, também começou a praticar a modalidade a convite de um brother. Caralho, quem são esses amigos de ouro?
Era um amigo meu do colégio e também sócio do Clube Paulistano. Eu estudava no Colégio Santo Américo. E quem teve a responsa de te fazer continuar na esgrima?
Quem tem esse mérito é o meu primeiro treinador, o Regis Trois. Ele conseguia me colocar a cada treino uma novidade, um desafio. Era como se fosse uma novela de suspense. Ele me ensinava um negócio, eu queria aprender outro e ele falava: "Volta amanhã". Devo muito a inteligência dele de criar essa curiosidade em mim. No começo, o treinador tem que ser muito habilidoso para entender o que a criança está buscando no esporte. A esgrima não é um esporte simples. Não é só chegar e praticar, né? Isso não afasta as crianças?
Acho que o que afasta a criança é você querer colocar de uma vez só a parte técnica. A parte técnica da esgrima é um pouco chata. Ela tenta mecanizar alguns movimentos que não são naturais do corpo, então é interessante que, no começo, não se tenha uma preocupação exagerada com a técnica, e sim com a parte lúdica, com o divertimento. Deve inserir as técnicas aos poucos. Nesse ponto meu treinador me entendeu muito bem. E ele viu que você tinha algum talento, né?
Eu acredito que sim porque depois de pouco tempo vi que ele se dedicava bastante a mim. E eu também fiquei muito preso ao esporte. Acho que foi uma troca bem interessante. A esgrima tem um lance muito competitivo. Como é isso?
Ele gera um instinto antigo que tem entre a gente que é o do duelo. A esgrima recria algo muito interno nosso que é a disputa, a sobrevivência. Antigamente os homens lutavam uns com os outros e um só sobrevivia. Isso é recriado de uma maneira mais esportiva. Isso é bem interessante. A máscara, a roupa que parece uma armadura, tudo isso traz um lance meio medieval também.
Isso, é lúdico. Tinha uma brincadeira que se chamava algo com castelo. A ideia era fazer dois grupos de crianças e você tinha que invadir o castelo do outro grupo com as espadinhas de plásticos. É um rouba-bandeira?
Isso, é um rouba-bandeira com esgrima. Essas coisas cativam a criança. Mano, como era fazer esgrima no país em que a grande maioria da molecada quer jogar bola?
Precisa ter personalidade. Você precisa saber que, independentemente da sua escolha, é legal você ser diferente, é legal procurar novos caminhos. Fico muito feliz de ter, com tão pouca idade, acreditado num esporte que me fez perseverar. Cada dia que passa fico mais feliz por ter tomado a decisão que tomei há quase 20 anos.

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Touché. Foto: Guilherme Santana/VICE

Você é aqui de São Paulo, né? O sotaque não nega.
Sim, nasci aqui em São Paulo. Morava no Jardins.

E como são os seus pais?
Meu pai nasceu na Itália em 1938, na época da Segunda Guerra, ele veio para o Brasil depois de alguns anos com os outros. Era uma família de nove irmãos em busca de condições melhores. É o clássico imigrante italiano que veio pro Brasil no começo do século passado.
Sim, e eu acho interessante que a história do meu pai influencia muito a minha história. Do mesmo jeito que ele veio pro Brasil em busca de condições melhores eu fiz o caminho oposto buscando condições melhores na Itália pra treinar. Ele faleceu em 2013, mas teve muita influência na minha perseverança e no meu sacrifício. E a sua mãe?
Ela é aqui de São Paulo, advogada. Também foi uma pessoa muito importante na minha carreira. Ela sempre me apoiou muito nas minhas decisões e me apoia até hoje. Ela é minha fã número um. Isso foi fundamental. Eles me apoiaram muito financeiramente também. No começo eu não tinha patrocínio nenhum. Fui pra minha primeira Olimpíada, em 2004, sem patrocínio nenhum. Sério? Você foi bem novo na primeira, né?
Sim, eu me classifiquei com 18 e fui com 19 anos. Você tirou muita força desse lance da sua família.
Sim, meus pais foram fundamentais. Os atletas tiram força de alguns motivos. Alguns vêm de condições piores e têm muita vontade de vencer e mudar de condição, temos exemplos mais comuns nos jogadores de futebol, no boxe, no atletismo, em inúmeros esportes olímpicos. Isso que você me fala reforça a ideia de que poderíamos ter ainda mais atletas de alto rendimento. Em várias modalidades temos talentos.
Sim, eu ainda acredito que o Brasil será um grande celeiro de atletas. Na minha própria trajetória vi a evolução do esporte no país. Hoje em dia tenho apoio do Clube Pinheiros, sou atleta militar, sou apoiado pela Petrobrás, pela PBT Fencing, tenho a Bolsa Pódio. Vi toda essa evolução e hoje em dia me dedico integralmente ao esporte. Sem dúvida melhorou a condição, mas ainda precisa melhorar muito pelo potencial que temos. É muito importante que o atleta se dedique exclusivamente ao esporte para render, né?
Sim, não tem jeito. Numa Olimpíada não tem amador. O amador não chega, e se tiver, um ou outro, ele não briga por medalha. Onde estão os melhores esgrimistas do mundo hoje?
Na minha modalidade, que é o sabre, são os russos, os italianos e os coreanos. Isso se eu tivesse que falar só três. A esgrima é muito difundida, mas esses três países se destacam. E qual é a diferença de modalidade?
No sabre você pode tocar de ponta e de lado da cintura pra cima. No florete você só pode tocar de ponta no tronco e com a espada só pode tocar de ponta, mas no corpo inteiro. E por que você escolheu o sabre?
Foi engraçado: mais uma vez tem influência desse meu amigo. O nome dele é Francesco Pallavicini. Ele me falou. "Meu vô fazia sabre, vamo fazer?" Sério que você escolheu sua modalidade assim?
Sim, foi assim mesmo. E onde está o Francesco hoje?
Ele parou a esgrima depois de dois anos. A gente perdeu um pouco o contato, mas tenho muito carinho por ele por ter feito esse convite. Esse convite mudou a minha vida.

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Máscara na cara e florete na mão. Foto: Guilherme Santana/VICE

Que estrutura temos na esgrima aqui no Brasil? O que falta pra sua modalidade?
A estrutura da esgrima no Brasil, infelizmente, é muito baseada em clubes privados, como é o caso do Pinheiros. Faltam lugares públicos que possam oferecer o esporte, falta ter mais profissionais qualificados e mais divulgação. Se você tiver os locais, as pessoas qualificadas e a divulgação, vai crescer. É um esporte caro? Como é para você começar a praticar?
A maioria dos lugares te fornece os equipamentos no começo e pouco a pouco você vai comprando. Não é um esporte caro. Se você for ver, as coisas da esgrima duram muito. O primeiro investimento talvez seja grande, de uns dois mil reais, e você pode ir comprando aos poucos, mas ao longo do tempo você não precisa comprar coisas por muitos anos. O salto com vara acaba sendo mais caro então…
Tem essa ideia de que a esgrima é um esporte caro, elitista. Na verdade é acessível. Na seleção tem gente de todas as camadas sociais, não é um esporte só de gente rica. É interessante desmistificar essa ideia. Mas isso acontece em outros esportes também. As pessoas acabam perdendo essa referências de esporte elitista com exemplos práticos, como rolou com o Guga [Gustavo Kuerten] no tênis. Acho que o que falta para a esgrima hoje no Brasil é passar na TV, ter cobertura da imprensa, ter campeonatos acessíveis, estar mais no cotidiano das pessoas.
Sem dúvida. É muito mais um elitismo midiático do que social.

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E quais são as dificuldades para sobreviver da esgrima, defender a esgrima, viver da esgrima?
Hoje eu consigo me dedicar integralmente ao esporte e estou muito feliz com isso, mas tem muita gente que tá lutando pra chegar nesse nível.

Desde quando você consegue viver só da esgrima?
Olha, que eu não preciso mais de ajuda dos meus pais ou algo assim, acho que desde 2009.

Porra, você já tinha disputado duas Olimpíadas.
É, pois é. Em 2008 eu comecei a ganhar alguma coisinha, mas no final de 2008 e começo de 2009 entrei para o Exército, passei a ter o apoio do Pinheiros, o apoio da Petrobrás. Foi só aí que eu caminhei com as minhas pernas.

E você mora na Itália há muito tempo, como era isso?
É, até 2008 eu só tinha o Bolsa Pódio, a grana ajudava, mas não era suficiente, até porque eu gastava lá em euros. Mas o mais difícil mesmo de estar em outro país, é ficar longe da família, longe da namorada, longe dos amigos.

Você moraria aqui?
Eu gostaria de morar no Brasil, o meu sonho é conseguir um treinamento de alto nível no Brasil sem necessidade de sair.

Por que você não consegue?
Principalmente porque falta atleta de alto nível pra treinar. Essa é a principal questão. Por exemplo, a estrutura do Pinheiros é excelente, a parte física eu até acho melhor que na Itália. Tenho toda uma assistência aqui no Pinheiros: fisioterapia, psicologia, nutrição, tudo que eu preciso, mas a parte essencial que é a esgrima, principalmente o jogar, não tem.

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Você já pensou em desistir em algum momento?
Desistir de verdade, não. Tem alguns momentos, claro, em que você está mais e outros menos motivado, mas nunca pensei em desistir.

Treino leve. Foto: Guilherme Santana/VICE

E como é uma rotina sua de treino?
Eu acordo, tomo café da manhã e tal. Vou pro meu primeiro treino, com parte física e aula de esgrima e o segundo treino é jogo. De segunda a sexta dá uma média de cinco a seis horas por dia. Além disso, fim de semana tem muita competição. Ah, ainda tem algumas coisas, uma que chamamos de escola de passos, que treina movimentação e outros treinos técnicos e ainda faço por conta análise de vídeos tanto os dos adversários quanto os meus.

Qual a parte mais forte do seu jogo?
Acho que é a estratégia. Alguns são mais físicos, outros mais técnicos, eu acho que sou mais da estratégia.

Você estuda muito seus adversários pelo jeito.
Mais do que conhecer o adversário, eu me conheço. Isso é fundamental. Conhecer a si mesmo é não mentir sobre quem você é. É importante saber quais são seus pontos fortes, seus pontos fracos e não ter medo de admitir pra você mesmo verdadeiramente os seus pontos fracos. Aí você pode trabalhá-los, aí que você pode melhorar.

Você falou da estratégia como sua força. Mas você se destaca mais pelo ataque ou pela defesa?
Varia muito sabia? Tinha época que eu acreditava que estava melhor no ataque, outras vezes na defesa, tem épocas que estou melhor no meio de pista. Não tenho uma característica muito forte. Talvez se você perguntar para os meus adversários na Itália eles digam que a minha defesa e melhor que o meu ataque. Talvez eles estejam certos, mas eu pessoalmente acredito que tenha uma uniformidade no meu jogo.

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Isso é muito bom, não?
Sim, se você tem alguma parte do jogo em que não está tão bem, você acaba ficando mais exposto taticamente porque o adversário repara e vai tentar levar o jogo para aquela parte.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Pra uma pessoa ser boa na esgrima o que ela precisa ter?
Reflexo, troca de direção rápida, velocidade de pensamento. Se você tiver isso, acho que você tá com bastante vantagem. E o que tem que aprender na marra?
Tem a eterna luta pra automatizar alguns movimentos. Na hora do jogo eles precisam ser instintivos.

A altura pode influenciar muito?
Pode, mas não é fundamental. A esgrima é um esporte muito democrático. Você pode compensar a altura com agilidade. O gordinho pode ganhar do magrinho porque ele compensa com a inteligência. Isso é o legal da esgrima.

Você se dá muito bem nos Pan-Americanos. O que tem essa competição?
Eu me dou. Acho que meu nível técnico é alto em comparação ao nível técnico da América. Chego com uma boa vantagem. No mesmo nível que eu tenho hoje tem os americanos e um canadense. Todo o resto da América, tecnicamente, está um degrau abaixo da gente, isso facilita.

Em que lugar do ranking mundial você tá hoje?
Eu vou entrar nas Olimpíadas em 17º.

É a sua melhor colocação?
Acho que em 2012 entrei melhor.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Se não fosse o Francesco, você imagina o que estaria fazendo?
Eu sou formado em administração, me formei na Itália. Acho que estaria fazendo algo relacionado a isso.

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Estar em outro país ajuda a focar mais?
Ajuda, principalmente em época de Olimpíada. A esgrima é um esporte que não tem muita atenção da mídia, mas neste momento ela acaba sendo muito procurada. É bom ficar um pouco longe. Por mais que eu goste de dar entrevista, acaba atrapalhando um pouco do dia a dia, do treinamento. Isso é bom. Ficar num lugar focado no esporte é bom, mas é importante ter equilíbrio pra não bitolar muito.

Qual foi o seu melhor duelo até hoje?
Já ganhei do campeão mundial, um coreano, em 2012.

Na esgrima qual é o equivalente a um golaço, uma enterrada?
Uma parada e resposta.

Como que é isso?
É quando o adversário te ataca e você espera até o último momento se defendendo e toca ele. É uma ação, no sabre, que te dá muita confiança.

O que você tirou de aprendizado em sua primeira Olimpíada em 2004?
Eu fui sem pressão. Foi uma Olimpíada que foi muito bacana. Eu acabei perdendo pro primeiro do mundo na segunda rodada. Apesar disso, joguei muito bem, foi uma experiência muito bacana, aproveitei muito. Essa será sua quarta vez. Você é um cara experiente na competição.
É bem legal. Cada Olimpíada é uma história nova. Eu até tenho curiosidade de saber quantos atletas brasileiros foram pra quatro Olimpíadas.

Qual é a singularidade de disputar uma Olimpíada?
Com certeza a experiência ajuda, mas é um tipo de evento que nem toda experiência do mundo vai fazer com que você esteja pronto pra tudo o que vai acontecer. Ela é uma competição rápida, né?
Sim, é um dia só. É uma competição que favorece muito quem tem o controle psicológico alto, quem consegue ficar frio em momento de muito estresse, quem consegue pensar mais rápido. É importante trabalhar a calma e, neste caso do Brasil, usar a energia da torcida pra se motivar.

Qual a expectativa pro Rio?
Estou muito bem, principalmente agora que acabei de ser campeão Pan-Americano. Estou numa fase boa. Treinei bem esse último período e, se eu conseguir jogar no nível que joguei no Pan, sinto que posso lutar por uma medalha. Agora é focar pra treinar bem esse último mês, manter esse tipo de treinamento que estou fazendo e ficar tranquilo no dia 10.

Chega uma hora que a treta tá mais na cabeça do que no corpo?
Sem dúvida. Dia 10 quem estiver melhor psicologicamente vai levar.