Ressuscitando a História Gay do Holocausto

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Ressuscitando a História Gay do Holocausto

A exposição impressionante e devastadora de Pacifico Silano explora um período muitas vezes esquecido da história LGBTT: a perseguição – e massacre – de homens gays na Alemanha Nazista.

Aryan Ideal, por Pacifico Silano.

A exposição impressionante e devastadora Against Nature, de Pacifico Silano, que aconteceu na ClampArt de Nova York em fevereiro, explora um período muitas vezes esquecido da história LGBTT: a perseguição – e massacre – de homens gays na Alemanha Nazista. O título é uma referência ao infame romance de Joris-Karl Huysmans, além de uma frase do Parágrafo 175 do Código Criminal Alemão, que considerava a homossexualidade ilegal e a igualava ao bestialismo.

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A exposição explora a mesma veia da série fotográfica anterior de Silano, Male Fantasy Icon, que examinava as comunidades gays dizimadas pela epidemia de HIV/AIDS através da figura de Al Parker, um ator pornô gay dos anos 70 que morreu de complicações da doença. Em Against Nature, Silano usa fontes de arquivo da Segunda Guerra Mundial e dos primórdios do movimento naturista alemão não só para afirmar a importância de se lembrar das vítimas gays do Holocausto, mas também para explorar o homoeroticismo latente da visão nazista do macho ariano. Com um esquema de cores enganosamente simples de vermelho, branco e preto, Silano justapõe fotografias parcialmente obscurecidas de homens e flores ao estilo Robert Mapplethorpe, criando uma declaração poderosa de perda, identidade e memória histórica.

Six Faces.

Falei com Silano sobre como ele se interessou pela história dos gays sob o jugo da Alemanha Nazista, o processo por trás de suas fotografias e o que ele vê como o significativo nesses arquivos para a história LGBTQ.

VICE: Against Nature examina a raramente discutida história dos homens gays durante o nazismo. O que te inspirou a começar esse projeto e investigar isso?
Pacifico Silano: Eu estava em Amsterdã em 2012 e pude visitar o Homomonument, que é o primeiro memorial público do mundo dedicado aos gays e às lésbicas mortos pelos nazistas durante o Holocausto. Era algo que eu conhecia muito pouco – provavelmente porque minhas aulas de história na escola ignoraram completamente a subjugação das pessoas LGBTQ. Foi difícil não ser afetado naquele dia; então, decidi que aquilo seria meu próximo projeto.

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Uma grande parte do trabalho veio de material de arquivo relacionado àquela era. Como foi seu processo e onde você encontrou a fonte dos materiais?
Levou um tempo para fazer o projeto decolar, parcialmente porque eu não tinha certeza de como abordar as fotografias. Acabei colocando toda minha atenção em achar fontes de material. Passei muito tempo na internet adquirindo fotografias e negativos encontrados relacionados ao período. Também fiz uma pesquisa considerável em bibliotecas físicas. Eu estava pensando muito na ideia "do arquivo" e em como eu queria que esse projeto funcionasse; então, a biblioteca pareceu um lugar ideal para encontrar inspiração. Passar horas e horas em silêncio definitivamente influenciou a maneira como produzi muitas dessas imagens.

A instalação de Against Nature, na ClampArt.

Muitas das obras consistem inteiramente das cores vermelha, branca e preta. Por que você escolheu usar essas cores?
Usei essas cores específicas em referência à propaganda nazista da Segunda Guerra Mundial. Eles usavam essa combinação de cores para espalhar o ódio e a intolerância no mundo; e, criando obras com esse tema, estou subvertendo essa associação. Foi uma decisão muito importante que tomei logo no começo e que realmente me desafiou criativamente, mas ajudou no enquadramento conceitual do projeto.

German Officer.

O título da exposição se refere ao Código Criminal Alemão e ao romance altamente estético do século 19 de Huysmans. Com esses dois significados aparentemente opostos, por que você escolheu esse título?
Durante a fase de pesquisa desse projeto, cruzei com esse movimento naturista, que ocorreu na Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial. Era uma celebração do corpo nu, que era abraçado sem vergonha, e isso incluía muitos diários fotográficos de nus masculinos posando a céu aberto. Obviamente, isso teve um final abrupto com o reich de Hitler, mas foi um ponto fundamental para mim no projeto.

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Os nazistas removeram as palavras "contra a natureza" do Parágrafo 175 em 1935, um termo que é uma referência histórica à sodomia. Isso facilitou se condenar e prender supostos homossexuais. Um beijo entre pessoas do mesmo sexo, uma carta de amor ou mesmo dar as mãos podia fazer uma pessoa ser presa e condenada. Essas duas palavras perdidas do Código Criminal Alemão eram muito importantes. Se elas tivessem permanecido intactas, mais vidas teriam sido poupadas.

Floral in Red, Black and White.

Na exposição, você justapôs essas imagens de arquivo alteradas com naturezas mortas em preto e branco de flores, o que me lembrou das fotografias de flores de Mapplethorpe. Qual é a relação dessas flores na exposição como um todo?
Criei cada uma das naturezas mortas como um memorial para aqueles que caíram vítimas do Parágrafo 175 e do fascismo. Eu estava interessando no simbolismo óbvio das naturezas mortas florais e em como podemos ter algo tão belo na superfície e simultaneamente com um significado tão pesado.

Criando essas obras em particular, senti que era apropriado fazer referência a alguém como Robert Mapplethorpe, um pioneiro que tornou possível para pessoas como eu criarem livres de censura. Como um gay que também é um artista, é quase impossível não ser inspirado pelo trabalho dele. Robert Mapplethorpe era um veado incrível.

Achei interessante como você não só aborda as vítimas gays do Holocausto, como também representa o homoeroticismo do "Ubermensch" nazista em obras como The Aryan Ideal ou The German Officer. Por que era importante representar esses aspectos da história da Alemanha Nazista?
Eu queria dar agência às vítimas gays do Holocausto, algo que mesmo a história negligenciou por muitos anos, enquanto simultaneamente minava esses retratos machos e viris dos soldados nazistas os "gayzificando". Removendo suas identidades e os objetificando através de um olhar gay, os tornamos impotentes com base na ideologia de Hitler.

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Untitled

Vendo a exposição, não pude deixar de pensar em como as obras revelam uma relação atual e quase assustadora entre o passado e o presente. Muito do seu corpo de trabalho lida com relações em andamento – na maioria, referentes à cultura gay pré-HIV/AIDS. Por que olhar hoje para a história gay durante a Alemanha Nazista, particularmente através da arte?
Arte pode emocionar ou enfurecer as pessoas, mas acho que o melhor tipo de arte pode mudar nossa perspectiva sobre coisas que achávamos que sabíamos. É muito importante fazer essas histórias perdidas serem vistas e ouvidas. Foi só nos anos 80 que os homossexuais foram reconhecidos como vítimas do Holocausto, o que é loucura. Muitos dos meus amigos gays não sabiam que, quando a Segunda Guerra acabou, os homossexuais nos campos de concentração, em muitos casos, eram mandados para a prisão em vez de libertados. Não só eles não receberam as reparações para as vítimas como foram trancafiados. O Parágrafo 175 ainda os classificava como criminosos.

Com uma quantidade cada vez maior de arte baseada em arquivo que é relativa à história LGBTQ, como a exposição Ephemera As Evidence, da Visual AIDS de 2014, qual a importância do arquivo em relação à preservação da história gay?
Estou profundamente envolvido em histórias queer subjugadas – e, infelizmente, há muito disso por aí. Só posso fazer um trabalho sobre essas questões, porque isso está arraigado em mim.

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Obscured Salute

Acho que, por causa dos grandes passos que demos nos últimos anos, que ajudaram a nos legitimar no mainstream, podemos finalmente olhar para o passado da nossa cultura e tentar preservar isso. A dificuldade de se olhar para trás é perceber quanto foi perdido. E um exemplo óbvio são as pessoas incríveis e talentosas que morreram durante a crise da AIDS. Muitas coisas escrotas aconteceram, e não podemos ignorar isso. O arquivo nos oferece uma oportunidade de estudar quem fomos um dia, onde estivemos e, finalmente, quem esperamos ser.

Veja mais do trabalho de Pacifico Silano no site dele e compre sua edição da revista MATTE aqui.

Emily Colucci é uma escritora que vive em Nova York. Ela é cofundadora do Filthy Dreams, um blog que analisa a cultura através de lentes queer. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor