FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Revoltas no Sudão: Apagão na Internet e Manifestantes Mortos nas Ruas

Fotos e vídeos de jovens mortos com a hashtag #SudanRevolts fez o governo cortar a internet do país e afirmar que os manifestantes tinham sido mortos por outros cidadãos

Fotos cortesia de Girifna Media.

O Sudão está literalmente em chamas. Na última semana, o país teve muitos bloqueios em estradas, postos de gasolina incendiados e tiroteios em funerais de manifestantes mortos. Há também relatos de uso de balas de verdade e gás lacrimogêneo contra manifestantes em várias cidades do país até a tarde de sábado.

Fotos de adolescentes mortos chegaram ao Facebook e ao Twitter com a hashtag #SudanRevolts na segunda-feira retrasada. Vídeos no YouTube mostram claramente oficiais da segurança sudaneses abrindo fogo contra os manifestantes, o que fez o governo cortar a conexão de internet no país e afirmar que os manifestantes tinham sido mortos por outros cidadãos — não pelas forças de segurança. Organizações de direitos humanos do país relataram mais de 100 mortes até o sábado.

Publicidade

O Sudão é um país familiarizado com protestos. Ondas de manifestações vêm ocorrendo desde 2010 devido ao débito e à crise econômica. O último surto de protestos, durante julho de 2012, durou várias semanas. O governo tinha anunciado um aumento nos preços de bens básicos, que levou milhares de pessoas às ruas, onde foram recebidas com gás lacrimogêneo e balas de borracha. No entanto, desta vez é diferente.

O preço da gasolina dobrou em um ano e, como a gasolina controla todos os outros preços, os outros produtos também dobraram de valor. Ashraf El-Ga'aly, um blogueiro sudanês, explicou que os aumentos representam somente uma fração da razão do descontentamento dos cidadãos do Sudão. Em um país que continua em guerra civil, do qual 75% do orçamento vai para as forças militares e menos de 5% vai para a educação, a situação atingiu um ponto crítico com os fracassos políticos, econômicos e de segurança recentes. O governo sabe disso e está reprimindo as manifestações com mais brutalidade do que o normal.

Como já era de se esperar, quando o presidente Al Bashir anunciou o aumento nos preços do combustível e removeu subsídios no domingo passado, definindo medidas de austeridade para reduzir o déficit no orçamento, as pessoas imediatamente saíram às ruas.

Dando um tempo nas manifestações, Amjed Farid, blogueiro e ativista da Sudan Change Now, e Ashraf El-Ga'aly concordaram em falar comigo sobre o que desencadeou as manifestações e o que está acontecendo agora no Sudão.

Publicidade

VICE: Vamos começar com o que aconteceu ontem (sexta-feira). Ouvi dizer que o governo ameaçou cortar a internet, o que aconteceu?
Amjed: Na noite de ontem, o governo cometeu outro crime contra os manifestantes em Wad Madani e outras localidades. Durante os protestos noturnos, formados principalmente por jovens, o governo abriu fogo e matou cerca de 41 manifestantes em uma cidade, e recebemos a informação de que foram cinco mortos no sul de Cartum. Anteontem, 141 mortes foram informadas em diferentes áreas de Cartum por diferentes hospitais. Os médicos disseram que os ferimentos estavam na parte superior do corpo e na cabeça.

Como isso tudo começou?
Amjed: Todo ano, o governo aumenta o preço de tudo no Sudão e dá as mesmas razões para isso. Depois do anúncio no sábado retrasado, protestos começaram imediatamente no centro do Sudão e o governo usou força excessiva contra os manifestantes.

Ashraf: O governo e as pessoas já sabiam que essa decisão seria tomada há um mês. O governo sabia que as pessoas iam protestar contra essas decisões. Desde o primeiro dia de protestos, muitas pessoas estão sendo assassinadas, o que significa que isso foi planejado para matar pessoas. Em 2012, as pessoas protestaram por várias semanas, mas ninguém morreu. Agora, logo no primeiro dia, tivemos 40 assassinatos. Acredito que eles tenham planejado tudo.

Por que eles abriram fogo no primeiro dia de protestos?
Ashraf: O governo está muito frustrado porque as pessoas não vão aceitar as novas decisões desta vez. A vida vai se tornar impossível e as pessoas não vão aceitar. Então, acho que o governo está muito frustrado e não sabe o que fazer.

Publicidade

Os protestos no passado foram diferentes?
Ashraf: As forças policiais em geral usavam gás lacrimogêneo e prendiam algumas pessoas, mas agora eles estão atirando aleatoriamente e prendendo pessoas em suas casas. Essa brutalidade da polícia e das forças de segurança vai forçar mais pessoas a se reunirem para enfrentar isso. Eles bloquearam a internet pela primeira vez. Eles proibiram a publicação de vários jornais. Agora é diferente.

O que o governo está alegando?
Amjed: No começo, eles negaram as mortes, depois acusaram os manifestantes de matar essas pessoas. E, em seguida, disseram que os manifestantes estavam destruindo lugares públicos. Eles mudaram sua história três ou quatro vezes e cada oficial do governo conta uma mentira diferente sobre o que está acontecendo. O que está acontecendo é que oficiais de segurança uniformizados estão matando pessoas nas ruas.

Ashraf: É um hábito do governo difamar os manifestantes. Quando eu era estudante na Universidade de Cartum, costumávamos protestar contra a intervenção das forças de segurança nas eleições da união dos estudantes. Nossos protestos costumavam acontecer somente dentro e nos arredores do campus, mas o governo nos chamava de vândalos. As pessoas até pensavam que não éramos estudantes universitários.

Vocês conheciam alguma das vítimas?
Amjed: Sim, um jovem membro de nossa organização que tinha começado uma iniciativa pública para ajudar as pessoas afetadas pelas inundações no Sudão mês passado. Ele tinha 22 anos. Ele foi baleado e morto na noite passada, durante uma marcha que estava levando outro jovem morto em protestos até o cemitério. Foi uma tragédia para todos os ativistas do Sudão. Há muitas histórias assim pelo país. Todo mundo tem uma tragédia pessoal agora.

Publicidade

Há mais manifestantes tão jovens sendo mortos?
Amjed: Muitos dos mortos tinham 22, 25, 17, 15 anos; crianças também morreram — de 10 ou 12 anos. Mas pessoas mais velhas, de 40, 50 anos, também estão entre os mortos. Quase 200 pessoas foram mortas até agora, de várias áreas do país e de vários status sociais.

E quanto aos relatos de manifestantes vandalizando ou incendiando prédios?
Ashraf: Não existem partidos de oposição e líderes nos eventos, então, as manifestações não são organizadas. Tudo isso levou a essas sabotagens e revoltas. Admito que tem muita gente tirando vantagem das manifestações para saquear. Acho que se as pessoas tivessem alguém para organizar esses atos e manifestações, líderes para dirigir suas ações, elas parariam com a destruição.

Amjed: Fala-se sobre postos de gasolinas sendo incendiados, mas quando isso acontece, há só um punhado de pessoas envolvidas, não centenas ou milhares de pessoas como nas manifestações principais.

Ashraf: Também ouvi acusações de que policiais estão começando esses atos violentos. Ontem, manifestantes encontraram três policiais tentando arrombar um caixa eletrônico em Cartum. Os manifestantes os detiveram e publicaram seus nomes e números de identidade.

Amjed: O governo também tem agentes de segurança que se infiltram nas manifestações e fazem isso. É uma tática do governo para estigmatizar os protestos e dizer que os manifestantes estão destruindo o país. Isso não é verdade.

Publicidade

A faixa diz: “Para salvar nosso país, sacrificamos mais de 100 mártires”.

Como as medidas de austeridade afetam a vida dos cidadãos?
Ashraf: Um galão de combustível (cerca de 3,8 litros) custa 21 libras (mais de R$10). Em 2011, isso custava 12 libras.

Amjed: Eles dobraram o preço da gasolina, então, dobraram os preços dos bens comuns também. Ninguém está conseguindo comprar combustível — não só os pobres. A crise econômica está acontecendo porque grande parte do orçamento anual vai para a segurança e as forças armadas. Por causa dessas despesas, o governo não está fornecendo nenhum serviço social ao povo. Eles querem que paguemos esses impostos do nosso bolso, querem que a gente tire a comida da boca dos nossos filhos para pagar o preço pela corrupção e a guerra irresponsável em Darfur. Eles querem que paguemos para matar pessoas. É uma crise muito difícil. Eles criaram essa loucura e querem que a gente pague por isso.

Então, não é somente a questão das medidas de austeridade?
Ashraf: É uma combinação de falhas contínuas. Começamos a importar a maior parte dos vegetais e frutas que consumimos, mesmo tendo grandes áreas disponíveis para o plantio. O governo taxa pesadamente os fazendeiros e muitos deles precisaram de empréstimos do banco agrícola. Agora, muitos fazendeiros estão na cadeia por não conseguirem pagar suas dívidas com o banco.

Também é uma questão de segurança. Pelos últimos 25 anos, o presidente vem dizendo que 77% do orçamento nacional vai para propósitos de segurança e que só 5% vai para a educação e a saúde. E deixa eu te dizer uma coisa: quando estávamos na guerra civil mais longa da África, eles disseram que iam acabar a guerra com o sul e trazer a paz. No entanto, em 2012, eles começaram outra guerra civil em Darfur e outros estados, então, estamos numa guerra civil atualmente. A força aérea israelense atacou Cartum e Porto Sudão nove vezes desde 2008. Da última vez, eles atacaram uma fábrica em Cartum em setembro de 2012. A fábrica ficava numa área residencial. Assim, as pessoas não podem se sentir seguras, mesmo pagando 77% da renda nacional em segurança? Não temos educação, não temos saúde e nossos cidadãos não se sentem seguros.

Publicidade

Quais são suas exigências?
Amjed: No começo, isso acontecia por causa da crise econômica. Agora que nosso sangue foi derramado nas ruas, queremos que esse governo saia, esse governo precisa ir, ele precisa ser deposto porque nos matou. Exigimos liberdade em nosso país. Merecemos isso. Merecemos justiça por nosso sangue. Exigimos um governo responsável que possa nos guiar durante esse período difícil.

Vocês esperam que os protestos terminem em breve?
Amjed: Espero que as pessoas continuem nas ruas até que as exigências sejam atendidas.
Ashraf: É um momento crítico. Ninguém aguenta mais isso.

@rrrakia

Mais sobre o Sudão:

Os Soldados Esquecidos do Sudão