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Edição Fantasmagórica

Rodeio em Marabá

Dia de Rodeio em Marabá. Festa na Amazônia. A celebração do gado na terra conquistada, como sonharam os nossos ditadores milicos nos hippies anos 1970.

Dia de Rodeio em Marabá. Festa na Amazônia, o novo Texas brasileiro. A celebração do gado na terra conquistada, como sonharam os nossos ditadores milicos nos hippies anos 1970. Para chegar até o local do rodeio, a feira agropecuária, levou quase duas horas. A estrada de acesso que corta Marabá, a PA-150, estava parada. Parecia que todo mundo tinha saído de suas casas para ir ao mesmo lugar. A concentração de picapes por metros quadrados era impressionante. O ambiente ao longo do caminho estava tomado por uma mistura de tecnobrega com sertanejo.

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Quem abriu as portas do rodeio, na primeira semana de julho, auge da seca, foi um simpático cowboy conhecido como Jimmy. "Yes, pode entrar com seus amigos gringos." Eu estava com os colegas da VICE norte-americana. Ele nos ajudou a furar a imensa fila—pega bem estar com um americano numa festa de rodeio no Texas amazônico. Jimmy é o responsável pela complexa organização do evento. Lojas de máquinas do campo, restaurantes variados, carnes expostas, muito churrasco e também trailers de sanduíches, algodão-doce, maçã do amor. Cerveja a rodo pra esquentar o clima do rodeio antes da festa de uma dupla sertaneja.

O mestre de cerimônias da festa é um ídolo reconhecido pela multidão que lota as arquibancadas. Arranca urros do crowd. Chama uma mulher pra tocar o berrante. Ela é baixa, e o berrante, desproporcional ao seu tamanho. Sai um som forte, e surpreende o ambiente sexista. O palhaço que anima se passa por um norte-americano. Faz piadas com o sotaque dos gringos. Pula em um boi de brinquedo. Usa sapatos longos que o tornam ainda mais ridículo quando caminha com dificuldade pela areia. Mirandinha, presidente do sindicato rural, faz um discurso agradecendo a presença de todos e comemorando o progresso que se instala na região.

Três jovens mulheres entram na pista. Desfilam seus saltos pela areia fofa. Princesas, rainhas – sangue azul numa terra cabocla. Mais urros nas arquibancadas. Sorriso maroto dos cowboys. Pai e filho de prestígio na região entram com a leva do alto escalão da pecuária marabaense na pista e acenam para o crowd. Mesmos gestos faciais, mesmo sorriso irônico e pré-moldado, mesmos traços retos na face, mesmo chapéu branco, mesmo jeans apertado, mesma camisa preta. Pai e filho cowboy amazônico é reprodução em um sentido amplo.

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Lá fora, tremulam as bandeiras do Brasil e do Pará. Nos bolsos das camisas quadriculadas muitos usam um broche em propaganda pela secessão do Estado, para que aqui deixe de ser o Pará, e se torne Carajás, como os antigos confederados texanos na guerra civil nos Estados Unidos.

A área VIP observa por cima de onde estão os bois, como imperadores em um coliseu. Do lado de fora, as minas usam jeans bem justos. O ar tem cheiro de carne assada. Todo homem usa chapéu de aba ou boné. Uma leva de fogos de artifício colore os céus da celebração e despeja pirotecnia como uma cascata de luz.

Os peões rezam. Ajoelham-se na areia, cabeça abaixada. Momento que traz um silêncio sacro para a grande igreja da arena. Louvam o deus católico. Os bois santos, personagem central do culto, aguardam reclusos.

Preso atrás das grades, impaciente, forte, grande, mal cabe no corredor de ferro. Uma massa de músculos. Olha impaciente, olhar lacônico, vê o agito à distância, sente a intensa movimentação, escuta muito barulho, som alto, dói o ouvido. Não resta nada a fazer, a não ser esperar a sua vez. Encosto em seu lombo, dou um tapinha, comento: "E ainda vão apertar o teu saco, e vai ter um cara em cima de ti enfiando esporas na tua costela. Foda, heim?!". Eu não quis ser irônico, só tentei dar uma força pro boi. "Mas tô contigo, joga o peão pra longe e te livra desses malas."

Indignado, com o saco apertado, não levou mais que poucos segundos para o boi jogar para longe os peões montados. E do centro das atenções, após performarem seus papéis sacros, os bois retornam para a adoração discreta nos currais.

Veja essa e outras aventuras amazônicas no Toxic Amazônia.