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Rudolph Herzog É o Mestre da Trívia Nuclear

Conversamos com o escritor, produtor e diretor Rudolph Herzog sobre como os governos conseguiram se safar depois de causar tantos prejuízos e a possibilidade de um mundo livre de armas nucleares.
Hannah Ewens
London, GB

A explosão de “Baker”, parte da Operação Crossroads, uma arma nuclear testada pelo exército americano no Atol de Bikini, Micronésia, 1946 (foto via).

A história da tecnologia nuclear não é feita apenas de impasses militares arrastados e catástrofes em usinas de energia – tem um monte de outras coisas deprimentes que você nunca ouviu falar. Você sabia, por exemplo, que John Wayne – além de outros 46 membros da equipe – morreu de câncer depois de filmar a notória produção B Sangue de Bárbaros num cânion contaminado, perto de uma área de testes nucleares de Nevada? Ou que cerca de 40 armas nucleares simplesmente desapareceram durante a Guerra Fria, algumas delas em áreas povoadas dos EUA?

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Rudolph Herzog – escritor, produtor e diretor (e filho do Werner) – lançou um livro listando algumas dessas histórias pouco conhecidas ano passado. E considerando a adaptação em documentário de A Short History of Nuclear Folly, que acabou de passar na TV na França e na Alemanha, achei que seria legal batermos um papo sobre isso. Por telefone, falamos sobre como os governos conseguiram se safar depois de causar tantos prejuízos e a possibilidade de um mundo livre de armas nucleares.

VICE: Oi, Rudolph. No começo do livro você diz que sua infância influenciou seu interesse pela história nuclear.
Rudolph Herzog: Sim, a ameaça nuclear estava sempre em nossas mentes. A Alemanha era implicitamente designada o campo de batalha nuclear número um, então, se houvesse um conflito nuclear, a Alemanha seria o primeiro país a ser atingido. Estávamos bem cientes disso. Lembro de ter assistido um desenho animado sobre um casal de idosos na Inglaterra durante uma guerra nuclear – eles sofriam de envenenamento por radiação e ficavam com manchas na pele –  e ter pensando “Caramba, isso pode acontecer com a gente a qualquer momento!”

As pessoas tinham bunkers nucleares no quintal. Lembro que o pai rico de um colega de escola mandou cavar um abrigo nuclear no jardim. Claro, nós não tínhamos nada assim. Mas sim, isso gerou meu interesse por essa história. É difícil imaginar isso hoje em dia, mas vou te dizer, era muito deprimente.

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Você chama a centrífuga – um equipamento de laboratório aparentemente inócuo – de a segunda invenção mais perigosa do mundo. Por quê?
Um dos maiores obstáculos para construir uma arma nuclear é o tipo de material que você vai usar. Por exemplo, é muito difícil extrair urânio enriquecido de urânio natural. Uma das únicas maneiras de fazer isso é com centrífugas. Eles usam cilindros que giram o minério a uma velocidade supersônica – como a máquina que lava sua roupa. Hoje em dia, centrífugas são usadas em vários países menores para fazer bombas de urânio enriquecido. Basicamente é permitido fazer essas “bombas de pobre”.

Uma sala de centrífugas numa usina de enriquecimento americana (foto via).

E o que os países maiores usam?
Uma coisa chamada SILEX, muito mais eficiente que as centrífugas, que usa lasers para isolar o isótopo. É algo menor e muito compacto, então é fácil esconder que você tem essa tecnologia. Não sabemos exatamente quanto isso está desenvolvido ou como o processo funciona exatamente, mas parece que está havendo um salto quântico nessa tecnologia, algo que vai tornar as centrífugas obsoletas.

Você também conta como os oceanos vêm sendo usados como lixão nuclear desde o começo do uso dessa tecnologia.
Descartar resíduos nucleares no mar era uma prática generalizada, infelizmente. As pessoas pensavam que assim podiam se livrar, ao menos superficialmente, do problema. Claro, isso se espalhou e se disseminou de outras maneiras e entrou na cadeia alimentar. Um efeito disso é que substância como o plutônio podem ter entrado na cadeia alimentar através de algas e peixes, e chegado até os humanos. Essa é uma grande possibilidade. Mas as pessoas não estavam dispostas a pensar tão longe assim naquela época.

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E agora isso deve afetar tudo a longo prazo.
Sim, infelizmente. Quando você colocar os resíduos lá embaixo, é quase impossível trazer de volta. Essa decisão foi tomada mesmo assim, para melhor ou para pior. Infelizmente, não há como saber quais serão os efeitos. Só podemos esperar que isso se deteriore. A meia-vida da radiação faz os resíduos se tornarem menos ativos com o tempo, mas estamos falando de longos períodos de tempo – milhares de anos.

Uma bomba nuclear sendo testada em Nevada em 1953 (foto via).

Os efeitos nas pessoas de Utah, por exemplo – depois que os EUA testaram bombas em Nevada e a nuvem flutuou para leste – foram desastroso.
Está cientificamente provado que certos tipos de câncer – nos ossos e no sangue, como a leucemia, por exemplo – são muito mais comuns nas partes de Utah que foram afetadas pela precipitação do que em qualquer outro lugar dos EUA. Essa mulher chamada Claudia, por exemplo, que aparece no meu filme. Ela não tinha nenhum caso de câncer na família, mas quando se mudaram para lá, eles começaram a apresentar essa grande aglomeração de câncer, que ela diz ser culpa dos testes nucleares. Muita gente tentou exigir indenização pelo que aconteceu. Claudia foi uma delas. Claro, dinheiro não vai trazer essas pessoas de volta à vida.

O que impede que mais seja feito sobre essa questão?
Parcialmente é uma coisa cultural. Essa área é habitada por mórmons. Geralmente eles são cidadãos obedientes à lei. Eles acreditam no estado. Acho que, para eles, o estado tem alguma legitimidade vinda de Deus. É muito difícil para essas pessoas enfrentar o estado.

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Obama diz que quer “um mundo livre de armas nucleares”. O que você acha disso?
É algo totalmente irreal. Mesmo não achando que vai haver uma nova Guerra Fria entre as potências, pequenos conflitos regionais sempre vão surgir. Eles estão estocando armas na Ásia atualmente. São países como o Paquistão, que talvez sejam menos maduros em seu entendimento de armas nucleares e que não aprenderam com a última Guerra Fria, com que devemos nos preocupar. Também não sabemos o que acontece na Coreia do Norte.

Devemos nos preocupar com como essas armas são armazenadas, mantidas e transportadas entre os estados. Há o perigo de terrorismo, mau uso das armas ou que elas disparem por acidente. Tudo isso não são só possibilidades, são coisas reais que podem mesmo acontecer.

Mas não há nada que poderia fazer o mundo se desarmar?
Não, é impossível. Talvez uma grande catástrofe, sabe, ou uma grande troca que fizesse todo o mundo recuar e abolir todas as armas nucleares. Mas francamente, não quero pensar nisso.

Nem eu. Obrigada, Rudolph.

@hannahrosewens

Tradução: Marina Schnoor