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Vice Blog

Sara Firth: “Por que Saí do Russia Today Depois da Queda do Voo MH17”

Quando um Boeing foi derrubado do céu na última quinta-feira, a jornalista Sara Firth se demitiu de sua posição como correspondente do Russia Today.

Foto do Twitter da Sara. 

Quando um Boeing foi derrubado na última quinta-feira, a jornalista Sara Firth se demitiu de sua posição como correspondente do Russia Today. No Twitter, ela procurou explicar a ação dizendo que ela estava “pela verdade” – uma declaração retuitada ad infinitum, enquanto sua caixa de entrada era inundada com pedidos para que ela elaborasse melhor o que a levou a esse ato público de revolta.

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Eu me encontrei com a Sara para saber o porquê de sua saída do RT.

VICE: O que aconteceu na redação do Russia Today na quinta-feira para que você decidisse se demitir?
Sara Firth: Nossa cobertura do desastre do voo MH17 foi a gota d'água para mim; um momento esclarecedor. Eu estava infeliz há muito tempo no RT. Eu não podia mais continuar.

Foi entrar e ver a degradação das notícias nas horas seguintes à queda do MH17 que me fez tomar essa decisão. Estávamos transmitindo o depoimento de uma testemunha que fazia acusações contra a Ucrânia, e tínhamos um correspondente no estúdio que tinha recebido ordens para produzir alguma coisa sobre um avião derrubado antes por culpa da Ucrânia. Eu mesma já tinha estado nessa posição, na qual você deve surgir com alguma informação obscura que implica algo que se encaixa na agenda do RT. E você pensa, bom, não é realmente mentir, mas isso não tem relação com o que está acontecendo e não deveria estar sendo trazido à tona no momento em que uma história desse tamanho acontece. Uma história muito sensível. É uma coisa abominável e indefensável.

Mas, com certeza, você já sabia que o RT tinha a reputação de ser pró-Rússia quando aceitou o emprego, não?
O Russia Today se vende como um canal que vai desafiar o viés ocidental mainstream. É um canal estatizado. Mas a ideia de que ele é um gênio do mal – que todo mundo tem o número do Putin na discagem rápida e que nos reunimos para discutir como derrubar outros governos – não é verdade. A rede está longe de ser um gênio do mal – ela é apenas incrivelmente incompetente.

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Informações cruciais são regularmente omitidas das histórias, e, muitas vezes, porque aqueles no comando não são capazes de identificar o que torna uma história forte. Não há interesse em verificar fatos e criar um jornalismo de valor e equilibrado. A principal agenda deles é fazer isso se encaixar na narrativa. Você é ativamente desencorajado a fazer perguntas – isso não é apreciado. Claro, isso é muitas vezes pior na mídia doméstica russa.

E você pode afirmar com certeza que seus sentimentos são compartilhados por muitas pessoas que trabalham no RT?
Não estamos trabalhando por trás de uma grande conspiração; quero deixar isso claro. Muitos repórteres abordam as histórias que lhes são atribuídas com honestidade em mente. O problema é que, no fim, você percebe que não importa o quanto você trabalhe, ou o quão válida seja a história que você está cobrindo, você continua trabalhando para um sistema global projetado para empurrar uma narrativa muito clara e tendenciosa. Tem muita gente dentro da organização tentando mudar isso, mas eu não conseguia mais trabalhar numa empresa que ignora os fatos repetidamente.

Isso aconteceu com os protestos Euromaidan?
A defesa deles é sempre que eles não estão “pulando para conclusões”, sugerindo que outras redes fazem isso quando consideram a Rússia responsável. Que todos estão apontando o dedo para a Rússia antes que os fatos estejam estabelecidos.

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Agora, não me entenda mal. Dedicar-se a um jornalismo equilibrado e fundamentado é uma coisa fantástica, mas isso não é o que eles estão fazendo. Especialmente com as últimas notícias. Quer dizer, qualquer um vê isso. Mas tenho que dizer que quando uma história como a do voo MH17 aparecia – e outras histórias do tipo quando eu estava lá – eu sentia um nó na garganta e sabia que meu emprego dependia da participação numa coisa que eu sabia que estava errada.

Mas como isso se manifesta realmente? Os editores dizem explicitamente que o RT não vai mencionar certos fatos?
Por exemplo, no último ano eles não atribuíam nenhuma história relacionada a Ucrânia a jornalistas que eles sabiam que fariam perguntas difíceis. Essa é a primeira técnica. Há uma estratégia clara que destaca histórias que eles não vão cobrir e há uma cultura de não perguntar o porquê.

Notícias atribuídas a pessoas como eu geralmente acontecem no Reino Unido, histórias que não têm nenhuma agenda russa real. Foi incrível cobrir a história do centro de detenção Yarl's Wood, que foi aprovada, aliás, porque se encaixava na linha contrária ao governo britânico do RT. Quando você está cobrindo histórias como essa, é fácil colocar outras questões de lado.

Você vê o caso do voo MH17 como um ponto sem volta para o Russia Today? Você não está simplesmente abandonando o navio para salvar sua própria empregabilidade?
Algumas pessoas saíram de lá discretamente. Fiz isso publicamente, o que é somente a ponta do icebergue. O RT tem sangrado uma equipe talentosa há tempos e uma reviravolta levaria anos.

Eu escolhi trabalhar lá, eu sabia o que estava fazendo e assumo total responsabilidade por isso. Mas olha, é uma grande organização que me ofereceu oportunidades fantásticas quanto eu ainda era muito jovem. Uma coisa que posso dizer é que eles pegam pessoas jovens e determinadas e dão a elas muita liberdade para cobrir histórias sub-relatadas, algo que elas não teriam em outras redes.

Há ótimos jornalistas lá que estão lutando pela verdade. Esta não é exclusividade de certos canais – às vezes, ela pode acontecer no RT – mas a grande agenda sempre vai achar um jeito de encaixá-la de volta numa narrativa tendenciosa – e, às vezes, constrangedora, desrespeitosa e perigosa.

@NROlah

Tradução: Marina Schnoor