Apanhamos da PM no #NãoVaiTerCopa: chave de pescoço é o novo gás lacrimogêneo

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Apanhamos da PM no #NãoVaiTerCopa: chave de pescoço é o novo gás lacrimogêneo

Ontem, a PM de São Paulo apresentou seus soldados praticantes de artes marciais, cercou os manifestantes e prendeu 230 pessoas, inclusive jornalistas. O lance foi tenso e, ah, nós apanhamos.

Com um efetivo megalomaníaco, a Polícia Militar amparou o segundo grande ato contra a Copa que rolou no centro da cidade de São Paulo. No protesto de ontem, convocado por múltiplos núcleos, principalmente de estudantes, finalmente pudemos ver a atuação dos policiais antiterrorismo, que demostraram suas habilidades marciais dando chave de pescoço até em jornalistas. O que é até suave, se levarmos em consideração que na Rússia, a galera toma chicotada. Na Praça da República, onde o ato começou, um acampamento formado por ativistas permanece até hoje (domingo).

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Segundo a PM, mil pessoas estiveram presente. Dessas, 230 foram presas, incluindo jornalistas, que, novamente, não receberam o perdão da polícia e apanharam também. Os presos foram divididos em ônibus e levados para delegacias diferentes, provavelmente, para dispersar a atenção da mídia e evitar a vigília de manifestantes.

Da concentração na República, a passeata ameaçou subir a Consolação, mas acabou rumando pelas ruazinhas do centro. Perguntamos para os articuladores qual seria o trajeto, mas eles disseram ser surpresa. Às vezes, quem estava na linha de frente pedia para que todos virassem à direita para, em seguida, mudar o curso de forma abrupta para a esquerda, confundindo manifestantes e jornalistas, e atrapalhando a escolta de policiais que seguia ao lado do grupo.

A concentração começou por volta das 17h e seguiu uma meia hora depois como um bloco de Carnaval. Assim como em muitos outros atos, o grupo se divide em alas. A primeira é o bloco da imprensa. Jornalistas, fotógrafos e trabalhadores do audiovisual em geral que esbarram nos coleguinhas para conseguir os melhores takes de tudo. Todos devidamente equipados: capacete, máscara, óculos, crachá, colete de imprensa. Em seguida, a ala dos seguradores de faixa destemidos. Ali, você pode ver um punk, um estudante de ciências sociais da USP, etc. Eles não usam equipamento de proteção. Raça, apenas. Atrás dos seguradores, os black blocs. Na sequência, estudantes engajados com direito a bateria. Ao fundo, seguidores de todas as espécies.

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Como a grande imprensa adora dizer, a manifestação começou pacífica. E assim foi, até que em frente ao Metrô Anhagabaú, a polícia tomou atitudes que até agora permanecem como uma incógnita para quem presenciou a cena. No primeiro distúrbio, em frente à Rua 7 de Abril, soldados da PM cercavam e agiam de forma truculenta com alguns manifestantes. Foi aí que começou a acuação por parte dos policiais contra quem estava no protesto, então, corremos sem conseguir ver quem estava sendo agredido de fato, até que nossa fotógrafa Alice Martins apanhou de cassetete, o que provocou ferimentos em seu braço. O fotógrafo e videomaker Felipe Larozza, também da nossa equipe, teve seu crachá de imprensa rasgado quando um policial o segurou de maneira truculenta pela camiseta, fazendo com que ele ficasse detido na calçada até quem um amigo o identificasse como jornalista.

No corre-corre, mascarados que estavam atrás dos seguradores de faixa correram em direção aos nichos onde policiais acuavam manifestantes. Mas quem correu foi encurralado por uma mitose realizada ao vivo pela polícia, que montou uma espécie de célula em volta dos manifestantes (ou um quadradinho de oito?). Estar dentro dessa redoma, que parecia um kettling errado, não era privilégio: quem tentava entrar ou sair do cerco – fosse manifestante ou jornalista – apanhava. Quem não apanhava, degustava as habilidades marciais dos tais policiais treinados para combater terrorismo em manifestação, sendo expulso, empurrado, arrastado ou envolto numa pouco carinhosa chave de pescoço. Enquanto o show de horror rolava solto, os dois lados da calçada estavam apinhados de pessoas sentadas com as mãos para trás, esperando a revista. Uma linha de policiais militares fechava os dois lados da rua abrindo somente para a chegada dos ônibus.

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Pessoas que estavam trancadas em comércios, quando tentavam sair, eram empurradas de volta para o interior do estabelecimento por policiais que não poupavam chutes. Um homem perguntou "Não posso nem atravessar para buscar minha mulher que está aqui do lado? Vou apanhar?", ao que um policial respondeu "Fique à vontade".

A polícia aumentava o espaço exponencialmente, atirando bombas de gás para espalhar a multidão e ganhar terreno. Víamos pessoas curvadas e desmaiadas sendo colocadas nos ônibus da Força Tática, ou mesmo no chão, sem qualquer ajuda, enquanto policiais gritavam e perguntavam: "Mais algum policial ferido?".

Só vimos quebra-quebra depois da ação da PM. Acompanhamos os black blocs pelas ruas do centro, que de tão escuras mais pareciam becos.

Os Advogados Ativistas – os únicos que conseguiam estabelecer diálogo com certa autonomia no meio dos cercados –, foram logo expulsos, também com chave de pescoço. Um deles, alegando que seu celular fora tomado, e outro, mostrando os documentos rasgados. "Fui arrancado de lá de dentro porque estavam cometendo ilegalidades, e eu estava denunciando isso. Tem gente ali sofrendo, desmaiada, não deixam nem advogado acompanhar", lamentou um dos rapazes.

Os jornalistas saíam arrastados ou calmamente, como uma equipe da Gazeta, que conseguiu sair andando e segurando o guarda-chuva sobre o equipamento. Todos os advogados já tinham sido expulsos, e os policiais começaram a atirar balas de borracha e bombas de gás para afastar as pessoas, deixando quem ainda estava sentado e isolado no cerco fora de vista.

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Todas as ruas estavam sendo bloqueadas. Enquanto conversávamos com outros jornalistas em um bar ainda aberto e com clientes, encontramos mais policiais fazendo guarda. Eles pareciam calmos e conversavam com um senhor que alegava ter recebido bombas e apanhado no momento da confusão, mesmo sem participar do protesto. Enquanto os soldados tentavam pedir desculpas ou entender sua história, a Choque veio por outra rua e pegou todo mundo de surpresa, atirando mais bombas e fazendo o gás entrar no bar. Não conseguimos ver a reação dos PMs que conversavam com o senhor.

A Tropa de Choque soltava rajadas de duas ou três bombas, com o intervalo de cinco minutos entre cada, e avançou alguns metros até tomar a rua Coronel Xavier de Toledo, de ponta a ponta, com seu cordão de isolamento. Um garoto roubou o celular de uma mulher, que saiu gritando com mais umas pessoas atrás dele, mas não conseguiram recuperar o aparelho. Os policiais, claro, nem se moveram, e continuaram a administrar o trânsito com a chegada de cerca de umas 10 vans da Força Tática.

Voltamos na direção da Praça da República, não antes de sermos revistados e conseguir passar por uma barreira na rua, o que só aconteceu porque somos todos jornalistas. Passamos de boa e fomos liberados com um sorriso, ao som de "Mas sabia que a culpa de tudo isso é de vocês? Eles só montam essa palhaçada porque vocês dão ibope".

Na Praça da República, a ocupação ainda rolava, com menos cartazes e menos gente, mas uma pessoa do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular) montava guarda enquanto fazia stream da situação do lugar, que estava tranquila. Lá estava o QG do grupo, que atende feridos e realiza primeiro-socorros de forma voluntária em manifestações. "O clima hoje está super tenso", disse o Alexandre, integrante do GAPP.

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Como estávamos numa equipe de seis pessoas, nós nos dividimos. Parte da trupe subiu a Paulista, perguntando a todos os policiais – mais ou menos oito homens a cada um quilômetro – por onde tinha passado o protesto e em qual direção. "Não vimos ninguém passar. Não estão aqui, não." Perguntamos, então, "Por que vocês estão aqui?". Nenhuma resposta, rostos confusos. Outra parte do grupo se dirigiu ao 78º DP, nos Jardins, onde 27 pessoas foram presas, sendo duas menores de idade. Igor Leone, um dos Advogados Ativistas, diz que entre as acusações constam resistência, desacato, desobediência e lesão corporal – esta última, por conta de uma policial que quebrou o braço.

Um black bloc nos contou "em off" que quando saiu de casa, havia policiais o esperando na porta que alertaram: "Estamos vendo tudo o que você faz". Verdade ou não, sinais de perseguição ainda são notados. Os Advogados Ativistas disseram para a VICE que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), instituição que não oferece nenhum tipo de suporte a eles, colocou um membro da Comissão de Segurança Pública em cada delegacia para investigar se o trabalho voluntário realizado pelo grupo não se encaixa na infração de "captação de clientela".

Perguntamos a vários soldados da polícia quem era o responsável pelo efetivo do dia. Eles nos indicaram o sargento, que por sua vez, disse que não falaria com a imprensa. "Fale com o coronel." Perguntamos qual era o nome do coronel. "Eu não sei." Nisso, um policial ao lado perguntou se tínhamos cadastro. Cadastro para cobrir manifestações? "Todos os veículos hoje estão cadastrados. Se você tivesse feito o cadastro, teria essas informações." Oi? Perguntamos a alguns jornalistas que estavam ao redor e todos desconheciam a tal prática. Parece mentira, mas nós gravamos isso em vídeo.

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O policiamento ostensivo demonstra cada vez mais sua fragilidade e ineficiência para lidar com manifestantes e mesmo jornalistas. A PM diz não ter estratégia. Ou seja, intimar manifestantes habituais a depor no mesmo horário do ato e espalhar os detidos do protesto pelas delegacias da cidade não é estratégia. Ontem foi um dia que meteu medo. Nós estávamos com medo de simplesmente fazer nosso trampo, que é acompanhar a manifestação. Medo de apanhar, medo de tomar bala, medo de ser preso. Não à toa, pessoas de nossa equipe apanharam. Quem estava na rua, fosse manifestante, jornalista ou civil, teve medo. Dizem que viver em São Paulo é perigoso. É mesmo, pra caralho – se você é negro, pobre, morador da periferia. E se você é manifestante ou jornalista.

Estaremos nos próximos atos, marujos. E amanhã tem um vídeo.

ATUALIZAÇÃO: CUMPRIMOS A PROMESSA, ASSISTA AQUI AO VÍDEO.

Siga a Débora Lopes (@deboralopes) e o Eduardo Pininga (@5dollarshoes) no Twitter, e a Alice Martins no Instagram (martinsalicea).

Foto: Alice Martins/ VICE

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