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Só os Cínicos Acham o Instagram uma Perda de Tempo

O Instagram não substitui momentos. É um xerox deles.

No mês passado, o Guardian publicou um texto sobre os perigos do Instagram. Nele, a autora falava da grande mentira que contamos quando filtramos nossas vidas e das postagens irreais de felicidade que isso cria, comparando o brilho ficcional que o aplicativo fornece com o de um programa de realidade roteirizada. Inclusive nós já falamos mal do Instagram também.

Venho notando isso acontecer mais e mais: a propagação do mal que faria o Instagram, um sentimento de que isso está fazendo as pessoas deixarem de viver. Mas sou da escola de pensamento – ligeiramente embaraçosa, quando vista de fora – da Geração Y: não acho que isso está estragando nossas vidas. Na verdade, acho que isso só melhorou a minha.

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Gosto muito mesmo do Instagram. O aplicativo é meu roman à clef. Neste exato momento, minha conta já chega a 1.779 postagens. Quando este texto for publicado – vai saber quantas? Parece que vai chover amanhã; então, se o céu estiver cinzento, isso provavelmente é um trabalho para o Sutro. Estou trabalhando em casa; então, posso experimentar um batom arriscado no meio da tarde, tirar um selfie e esperar o Amaro fazer sua mágica (ele perdoa tudo). Almoço rústico? Earlybird. Noite num bar escuro? X-pro II, foco circular no coquetel chique que vou comprar se conseguir pagar uma das minhas faturas. Foco circular no sorriso do meu amigo se for só uma cerveja.

Acho uma vergonha o Instagram ser sempre discutido em termos tão redutores. Estamos sempre ouvindo que as redes sociais estão nos tornando menos "presentes": que devíamos estar olhando o pôr do sol em vez de tirarmos uma foto disso. Que devíamos estar vendo o Prince cantar, não gravando o show no nosso celular para ver depois, na cama, rindo como um maníaco. Tentei tirar um milhão de fotos com uma câmera descartável em certo ponto da minha vida. Não sei como ter um equipamento de gravação moderno é tão diferente disso.

Experiência é uma coisa multifacetada. Carregamos memórias radicais de um evento, mas também nos agarramos a memórias das memórias: fotos, músicas, diários, tatuagens, anotações rabiscadas nos livros de exercício. Dizer que registrar a vida nega a vivência dela, em 2014, é bobagem. Fazer algumas fotos de uma história permite reter a memória disso por mais tempo.

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O Instagram não substitui momentos. É um xerox deles.

Os momentos podem ser escolhidos cuidadosamente, podem ser produzidos dentro de um centímetro de suas vidas pixeladas. Mas, com certeza, isso não é um conceito tão novo quanto realidade roteirizada. O Instagram é apenas o formato moderno disso. Apresentar uma curadoria da sua vida ao mundo não é uma invenção narcisista das pessoas de 20 e poucos anos que têm smartfones. As pessoas registram as versões mais interessantes de suas vidas há séculos e as compartilham com um público.

Van Gogh, por exemplo, estava sempre tentando mostrar para o mundo quão louco de pedra ele era, fazendo um autorretrato com o curativo na orelha assim que saiu do hospital. Ou os belos autorretratos da Frida Kahlo, sempre cercada de objetos selecionados que projetavam tudo que ela era. E quem acha que o Andy Warhol não ia pirar com o Instagram não entendeu o cara. Ele era obcecado com celebridade, com impacto máximo, com realidades produzidas. Ele ficaria 24 horas no Instagram.

"O Instagram não substitui momentos. É um xerox deles."

Fico muito, muito confortável selecionando as melhores partes da minha vida e as projetando para o mundo. Muito mesmo. Sim, você pode descrever isso como ostentação ou presunção, mas "ser real" é uma coisa que a minha geração acha preciosa demais. As coisas não precisam ser "reais" o tempo todo. Eu nem sei mais o que é "real". Se você deu uma boa olhada na sua vida recentemente, você sabe que tudo é um pouco real demais. Tanta gente da minha geração não consegue lidar com a realidade e está presa numa inércia de adultescência: com medo de tudo, menos de chapar. A ideia de que alguém como eu, uma pessoa de 20 e poucos anos, esteja vivendo uma realidade pintada, artificial e punheteira, porque gosta das fotos que tira do céu e as passa por um filtro do Instagram, parece só fazer sentido para um velho rabugento.

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Se quero uma dose de "realidade", vou assistir ao noticiário. Vejo meu extrato online, respirando fundo. Olho pela janela do meu apartamento (do tamanho de uma caixa de sapato) os novos prédios de flats que eu nunca, nunca vou poder alugar. Vou até o correio e ouço a mulher da minha rua reclamar, carregando os quatro filhos, dos muitos anos que está na fila para conseguir uma moradia que tenha mais de um quarto. Não que o Instagram – ou qualquer outra plataforma de rede social – não possa ter exemplos desses profundos problemas constitucionais. Isso é ridículo.

Hoje em dia, não consigo deixar de achar que um pouco de escapismo leve é saudável – isso é essencial para a sobrevivência. Não quero ser um mártir na fila do cemitério. E, mesmo se você usar o Instagram para rir de gente como eu, isso ainda é escapismo. Você ainda está usando o aplicativo para sentir um pouco de prazer.

Meu perfil favorito no Instagram, a melhor porta para o escapismo, atualmente, é o symmetrybreakfast (bio: "café da manhã simétrico para mim e o meu namorado"). Quando entro nessa página, criada por um cara de Hackney que tira fotos de cafés da manhã idênticos, não penso: "Ai, como eu queria que esse cara fosse um pouco mais realista. Que presunçoso. Eu queria que ele mostrasse as duas tigelas de Cornflakes empapado que eles comeram; depois, um vídeo rápido da ida ao banheiro depois do café e as marcas de cocô que ficaram na privada. Isso ia me deixar tão mais feliz".

Não. Eu acho a simetria gratificante. Eu sei que esse é precisamente o tipo de conta de que as pessoas riem e dizem ser uma puta perda de tempo. É o tipo de coisa fácil e lamentavelmente rotulada como idiota. Mas, na verdade, um arranjo exato de sementes de linhaça boiando num iogurte revolto me traz – e aos mais de 100 mil seguidores deles – uma tremenda paz. Da mesma maneira, ver uma conta dedicada a animais de estimação me faz sentir aconchegada. E se você não consegue achar graça num monte de fotos de um daschund gordo e grisalho que parece um tubarãozinho velho, então, tem alguma coisa errada com você.

Alguns meses atrás, tive um dia cinco estrelas na minha página no Instagram. Devo ter postado pelo menos umas dez fotos. Era um dia ensolarado, comprei um chapéu novo, comi uma salada gostosa e dei um passeio pela exposição do David Bailey na National Portrait Gallery. No final da exposição, estava minha foto favorita: Bailey e Dali em frente a um espelho, juntinhos,numa das primeiras selfies (não dá pra ser mais "real" que isso!), fazendo uma cara boba. No fundo, uma mulher está reclinada languidamente num sofá. Bailey segura a câmera com a mesma autoconsciência que você vê naquelas fotos de Instagram de quatro amigas sorrindo na frente do espelho, segurando seus iPhones e registrando a vida da maneira como elas a experimentam.

@dollyalderton

Tradução: Marina Schnoor