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Música

Sobre Ouvir "New Slaves" Com Brancos

Minha reação é melhor resumida pelo meu tuíte, agora deletado: “'New Slaves' é 27 vezes melhor se você é negro”.

Perdi a projeção do Kanye na Rodeo Drive. A exibição de “New Slaves” aconteceu 20 minutos antes do agendado, provavelmente numa tentativa da equipe do ‘Ye de confundir a presença crescente da polícia nas locações listadas, e isso deixou muita gente de fora.

Fui à última exibição, eu estava do outro lado da rua da loja da Chanel, esperando para testemunhar o Kanye “rasgar a porra toda”, sem saber que tinha perdido, juntamente com outros vinte fãs de rap desapontados que chegaram lá na hora certa. Aqueles que chegaram cedo venceram. Uma sensação de MP (Medo de Perder) permeou a multidão de “atrasados” na famosa rua de lojas de luxo em Beverly Hills.

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Ainda bem que a internet existe e eu já tinha ouvido a estreia de “New Slaves” online, assisti em tempo real enquanto vários eventos aconteciam em cidades como Nova York, Toronto e Chicago. Minha reação é melhor resumida pelo meu tuíte, agora deletado: “'New Slaves' é 27 vezes melhor se você é negro”. Sou um neurótico que deleta tuítes quando eles flopam, mas o fato dessa declaração não ter recebido resposta é muito revelador. Todo mundo gosta de falar sobre como o Kanye prefere ser um escroto a ser um engolidor (“rather be a dick than a swallower”, na letra original), mas parece que a verdadeira mensagem da música se perdeu na histeria geral que cercou o retorno de Yeezy à música.

Vamos ser claros: esse disco é explicitamente racial. E não tem como compreender completamente o impacto disso a não ser que você seja negro. Há um certo reconhecimento tácito resultante de se ser um negro ouvindo “New Slaves” com outra outra pessoa negra.

Esses dias eu estava trabalhando até tarde, me distraindo ocasionalmente com as redes sociais para acompanhar a estreia mundial. Chamei a única outra pessoa que tinha ficado no escritório, outro cara negro, para contar sobre o evento e compartilhar alguns trechos. A resposta dele: “Esse homem está pregando!” Dava quase pra ver a energia se transferindo entre nós quando o Kanye canta: “My mama was raised in the era when clean water was only served to the fairer skin” [“Minha mãe foi criada numa era quando água limpar só era servida para a pele mais clara”]. Sem precisar falar nada, eu sabia que o trecho tinha causado uma impressão similar em nós dois.

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Mais tarde naquela noite, ouvi “New Slaves” com uma universitária branca de Oklahoma. A reação dela: “Adorei.” E claro – é um música ótima. Minha preocupação é: Mas você entendeu? Isso vai mudar seu jeito privilegiado inerente de pensar? No dia seguinte, ouvimos “New Slaves” com uma das amigas dela, outra mina branca de irmandade de Oklahoma, e senti a frustração rastejando em mim ao mesmo tempo em que ela soltava seus risinhos abafados.

“They wasn't satisfied unless I picked the cotton myself” [Eles não estavam satisfeitos a menos que eu mesmo colhesse o algodão] e “you know that niggas don't read” [você sabe que crioulos não leem] não são frases engraçadinhas de um filme do Judd Apatow. Elas podem até ter uma ar de sagacidade e sarcasmo que levam ao humor, especialmente perto de uma referência a O Rei da Água, mas é um comentário sério sobre condição social, preconceito institucional (que não desaparece com a riqueza) e as relações globais entre as raças nos Estados Unidos. Ouvir “New Slaves” com gente branca é como ir assistir Django Livre. O Leonardo DiCaprio pode até falar algumas merdas ridículas sobre “crioulos”, mas isso não é um convite pra vocês branquelos cacarejarem no cinema. Espera-se que você tenha um certo nível de inteligência e tato para ter consciência da fantasia.

Não é que gente branca não consiga gostar de “New Slaves”, ou que sejam todas tão tansas que não podem compreender as implicações mais sérias desse disco. Mas há um perigo que reside na maneira como esse álbum será recebido – há uma consciência que se perde quando não há uma relação orgânica com o conteúdo, e esses efeitos são muito mais devastadores se você não possui um senso agudo de sensibilidade e educação para essas questões.

É uma noção compreensível. Dada a história de opressão do meu povo neste país, eu tenho uma empatia única para com os horrores do Holocausto, mas ainda assim não tenho a mesma perspectiva que meus amigos judeus. É como quando alguém que você conhece é traído, ou perde alguém da família. Você sabe que é uma experiência dolorosa, mas a não ser que você tenha passado pela mesma coisa, é difícil entender plenamente, não importa o quanto você veja que a pessoa está sofrendo.

Odeio ser o cara que puxa a carta da raça, mas também não tenho medo de ser esse cara. Enquanto “New Slaves” dá as suas voltas, quero apenas que a população geral mostre consciência do objetivo da música que vem tão naturalmente para mim e para outras pessoas negras. Eu sei o que é “broke nigga racism” [racismo de crioulo pobre] porque já estive na Louis Vuitton em Mônaco e os filhos da puta me mandaram não tocar em nada se não fosse comprar alguma coisa. Eu sei que eles estão “trying to lock niggas up” [prender os crioulos] porque quando tirei minha carteira de motorista no colegial, minha mão ficou tão preocupada com a minha habilidade de não ser espancado se fosse parado por policiais quanto com eu esquecer de colocar o cinto.

Então, se você é branco, não estou pedindo pra você organizar uma leitura das letras de “New Slaves” na NAACP, só estou pedindo pra fazer um esforço pra estar consciente dos eventos, históricos e atuais, que inspiraram os conteúdos da músicas. É mais do que um rap divertido pra nós. Depois da apresentação de sábado passado no Saturday Night Live, outro escritor negro me mandou uma mensagem: “Kanye realmente pintou o elefante na sala de vermelho, preto e verde”. Não aja como se você não pudesse ver as cores.

Ernest Baker é um escritor que vive atualmente em Los Angeles. Ele está no Twitter: @ernestbaker_