“Estou inteirinha lá”: uma entrevista com Sonia Braga sobre ‘Aquarius’

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“Estou inteirinha lá”: uma entrevista com Sonia Braga sobre ‘Aquarius’

Uma das maiores atrizes do cinema nacional fala do novo filme de Kleber Mendonça Filho e sua relação com o Brasil.

Sonia como Clara em "Aquarius". Foto por Victor Juca.

Long story short: conheci Sonia Braga lavando e secando pratos em Nova York. Na ocasião, estava na casa de Paula Lavigne, com quem trabalhei nos últimos três anos na Uns Produções e Filmes, e Sonia, amiga de Paula e Caetano Veloso, estava presente em um jantar no apartamento da empresária na cidade. Bela, toda vestida de preto, com uma longa trança presa e óculos de grau, Sonia havia ido para a cozinha e, como é de praxe na cidade, estava lá para lavar sua própria louça. Ali estava eu fazendo o mesmo e, entre a água corrente e o detergente, tivemos nosso primeiro contato.

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Muitos encontros depois (entre eles uma visita ao apartamento de Lou Reed e Laurie Anderson, após a morte do cantor), eu e Sonia acabamos nos aproximando e trocando e-mails, fotos e mensagens, sempre nos encontrando em Nova York a cada ida. Chegamos até a trabalhar juntos, quando Sonia fotografou os shows do Abraçaço, de Caetano, no BAM (Brooklyn Academy of Music). Ótima fotografa que é, Sonia fez alguns dos cliques mais bonitos de toda turnê.

Sonia e Caetano no backstage do BAM, em Nova York. Foto da própria atriz.

No fim de março de 2015, recebi o e-mail de um amigo, Marcelo Caetano, me contando que, como diretor de elenco do novo filme de Kleber Mendonça Filho, estava tentando contatar Sonia para o papel da protagonista Clara. Fiz a ponte entre os dois para que ela recebesse o roteiro, pelo qual se apaixonou instantaneamente, ou melhor, como ela descreve, que a fez entrar "em uma realidade paralela ao ler tudo aquilo".

O resto é história, críticas elogiosas, prêmios nos quatro cantos do mundo e o filme com mais força nos festivais internacionais atualmente (vide Cannes, onde o filme participou da competição e elenco e equipe fizeram um protesto no tapete vermelho, que ganhou proporções mundiais, denunciando o que acontecia na política brasileira naquele momento). Em Aquarius, Clara (Sonia Braga), vive uma mulher de 65 anos, viúva e mãe de 3 filhos, que vive em um edifício no Recife cujo espaço está na mira de uma construtora para um novo condomínio. Ao conseguir comprar todos os apartamentos exceto o dela, a empresa começa a fazer todo o tipo de assédio e ameaça a Clara.

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O longa que estreia no Brasil no próximo dia 1ºde setembro foi classificado como impróprio para menores de 18 anos. A classificação etária do filme foi contestada por sua distribuidora no Brasil, a Vitrine Filmes, já que o longa não ultrapassa o tempo de imagens de sexo e drogas para além do permitido para o público de 16 anos e sequer exibe o ato sexual em si. Outro fato que gerou controvérsia em torno do filme, então considerado principal candidato nacional ao Oscar, foi o posicionamento de Marcos Petrucelli, crítico que integra a comissão brasileira para escolha do filme que vai ao prêmio, ao falar em uma rede social que "vergonha é o mínimo que se pode dizer sobre o protesto" da equipe de Aquarius em Cannes.

Voltando no tempo e relembrando não só os últimos 18 meses, mas os últimos 30 anos que, segundo Sonia, a conduziram a esse papel justamente em seus 66 de vida, fiz um Skype de três horas com a atriz, falando sobre o longa, sua relação de trabalho no set e com Kleber, a ida aos EUA e a escassez de papeis contundentes para atrizes mais experientes. A doce tigresa, a eterna Gabriela, a letal mulher-aranha, a super Clara, fala mais na entrevista abaixo.

VICE: Como você está, Sonia?
Sonia Braga: De verdade ou só pra ter uma conversa social? (risos)

Sempre de verdade (risos).
Tino, é muito estranho tudo isso. Daquela noite em Nova York que estávamos juntos conversando sobre eu fazer o filme, até hoje… Tanto aconteceu!

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E hoje faz um ano que começaram as filmagens, né? (a entrevista foi feita em 4 de agosto)
Um ano que ligamos as câmeras. Um ano do primeiro "ação". Um ano! É muito louco. Já fomos pra Cannes, o filme já vai estrear no Brasil… E eu estava tão bem, dedicada à nova carreira, estudando intensivamente, carregando minha câmera, fazendo longas caminhadas…

Então, começando pelo início: o roteiro. Quais foram os elementos de Aquarius que te atraíram, não só na personagem de Clara, mas como todo?
Não dá pra separar. Acho que esse é o único filme da minha vida no qual minha presença é 99,9% dele (só não faço parte do flashback). Nunca tive um filme com um papel principal de verdade. Mesmo Dona Flor e Seus Dois Maridos, e outros longas que fiz, era muito dividido o protagonismo. Talvez um ou outro que eu tenha sido a chave da trama. O que aconteceu nesse caso é que existia uma mentalidade das pessoas, que caberia em 1500, ou 1990, de que "ah, a Sonia deixou o Brasil, saiu do Brasil", como se não fosse possível se comunicar comigo. Maior prova do absurdo disso é que o Marcelo falou com você, você falou comigo e em dois minutos eu estava lendo o roteiro de Aquarius. Hoje em dia, qualquer processo é mais rápido, por SMS, tudo é mais fácil.

Mas sobre sua ida para os Estados Unidos…
Quando eu vim pros Estados Unidos, eu fui ficando… Aliás, eu fui ficando porque me convidaram pra trabalhos aqui. Se tivessem me convidado pra ir pra China, eu teria ido pra China. Eu não tenho cachorro, nem gato, nem passarinho, nem namorado, que eu saiba (pausa)… Não, não tenho, nem marido (risos). Então eu sou assim, faço o que quero quando quero. O que aconteceu nos EUA foi que a indústria percebeu minha presença aqui e começou a me chamar. A primeira pessoa que me chamou foi o Bill Cosby. Eu não falava uma palavra em inglês e ele não estava nem aí. Me chamou pra fazer o programa e pronto. Eu ficava com o autor, ensaiando foneticamente, e fiz. Dois episódios. Em seguida, vou pra Cannes e de lá o Robert Redford me chama, volto de novo, faço um filme com ele, termino, vou ao Brasil para mais um longa americano, Lar Sobre Parador. E quando fiz o filme com o Robert (Redford), fiquei muito amiga dele e da equipe. Não tinha namoro nem nada, só uma amizade forte. Eles me ligavam, e falavam para eu voltar aos Estados Unidos, ir para Sundance. Então peguei o avião e fui embora.

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"Você vai vivendo a vida e quando está pronta, alguém te chama para trabalhar."

E dessa vez, você ficou por aí?
Fui convidada para fazer um filme com o Clint (Eastwood), e acabei ficando… Eu sempre pensei que não queria ser produtora. Queria ser atriz. O trabalho do ator é viver a vida. Estar na vida, presente, sabendo do que está acontecendo. Eu não sou acadêmica, então essa é forma que sei ser atriz: você vai vivendo a vida e quando está pronta, alguém te chama para trabalhar.

E como você seguiu se relacionando com o Brasil?
Então, aí surgiu o Facebook. E o Facebook melhorou muito minha vida, porque eu comecei a ter uma relação direta com as pessoas. E quando teve a reprise de Dancin' Days, eu senti que deveria fazer o que era necessário: processar a Globo e o canal Viva. Me disseram para não fazer isso, deixar pra lá, ou "por que você vai brigar com a Globo?". Eu respondia que não estava brigando, eu estava processando, o que é diferente. Um processo é um diálogo, eu estou dizendo a eles que, ao meu ver, eu tenho esse e esse direito. Se eles disserem que não, é necessário que provem de alguma maneira. E acabou existindo uma sentença dizendo que não, que eu não tinha os direitos. E eu não recorri, mesmo achando que tenho os direitos. Mas eu queria mesmo era saber se a justiça brasileira entendia nesse caso que, já que o artigo 13o da lei 6533 foi julgada pelo STF e estava em vigor (lei da qual fiz parte ativamente), o trabalhador brasileiro (artistas e técnicos) tem seu direito pelo artigo que está ali. É uma lei. E os direitos autorais conexos entram nisso.

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Seu processo foi um statement, uma declaração da sua opinião?
Exatamente. Por um lado, ninguém nunca poderá dizer que não reclamei. Por outro, sou eu ali afirmando o que acredito, dizendo que acho sim que tenho esse direito.

Sonia e Kleber nos bastidores das filmagens de 'Aquarius'.

E sobre as filmagens de Aquarius, como foram?
Minha relação com o cinema brasileiro é outra realidade. Como não atingiu ainda o nível que merece, muitos trabalhadores se esforçam para que isso aconteça. E como é cinema independente, é diferente também. Eram 12 horas de filmagens por dia, seis dias por semana, e um dia de folga. Eu sabia que eu não ia descansar. No dia de folga, eu ensaiava pra semana inteira, e ainda tinha que aprender uns acordes de música, ou aprender a dirigir que eu não sei, e tinha que estar viva e bem também. Então eu não saí nenhum dia, nem pra jantar, mesmo com a insistência da equipe, enquanto eu estive no Recife. Eu não podia ficar doente, porque sabia que ninguém poderia filmar em meu lugar. A única coisa que fazia na folga era ir ao acupunturista. Foi a primeira vez na vida que tive uma assistente (a linda, gatíssima, Karina Nobre), foi a primeira vez na minha vida que eu deleguei, pra ficar só na personagem. Quando começamos a rodar, aos poucos comecei a fazer parte da equipe como sempre quis, porque eu chegava com eles, e ia embora com eles.

E você sente o filme como um novo laço com o Brasil?
O que aconteceu é que eu tinha perdido esse canal direto com o público. Eu sempre gostei de fazer TV aberta por isso, porque eu sabia que nem sempre o telespectador tinha grana para ir ao cinema ou ao teatro. Sempre pensei nisso ao fazer minhas cenas, no público do outro lado. Eu detestava, na minha época, ouvir de atores "ah eu faço TV por dinheiro, eu gosto mesmo é de fazer teatro". Hoje as coisas mudaram.

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E você sente que esse canal está aberto novamente?
Eu perdi esse canal e quis entender o que estava acontecendo. Percebi que eu agora tinha uma pequena plataforma chamada Facebook (na época aberta, hoje mais restrita depois do protesto de Cannes, infelizmente) e decidi que ia ficar em Nova York, onde fui fazer outras coisas, como estudar fotografia, que amo. E foi quando fotografei o show do Caetano no BAM, que tirei aquela foto no espelho com ele no camarim, senti que era minha foto. Eu no espelho, com minha câmera, fotografando ele… Aquela foto foi mágica. Eu era muito tímida em relação a fotografia e foi a Paula Lavigne que me ajudou com isso. Eu sempre fotografei, mas era muito tímida, precisava talvez de alguém que me mandasse fazer isso, sem medo. E acho que o resultado está neste clique do espelho. Considero a foto com Caetano a minha primeira foto. E foi. O primeiro clique com a minha câmera profissional.

"Eu sinto que pertenço ao Brasil hoje de uma maneira muito maior."

E seus pais, Sonia?
A última vez que recebi um toque foi quando cheguei do colégio com meu boletim, aos nove anos, e entreguei pra Zezé, minha mãe, que me disse: "Filha, daqui pra diante, esse boletim é seu, a mamãe não pode mais tomar conta disso". Ela trabalhava 24h por dia, porque ela tinha sete filhos pra sustentar e meu pai não tinha "o direito" de ter morrido. Vim descobrir isso mais tarde (risos). Por isso gosto quando recebo ordens. Gosto de ter alguém me dizendo a hora de dormir, acordar, almoçar, jantar… Se depender de mim, eu não almoço. Vou dormir a hora que quero e acordo a hora que quero. Ninguém manda em mim. Mas eu estou exatamente nesse momento de me transformar pra ser feliz. Porque eu sou criativa, posso produzir… Mas me sinto mais das artes visuais do que atriz. Você viu o que eu fiz em Cannes?

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O véu vermelho?
Isso. Então, eu fiz uma instalação ao vivo. Aquilo foi um movimento artístico. Foi uma Lygia Clark que surgiu em mim e mexeu naquele véu. Eu sou mais desse ramo. Eu não precisava ter feito aquilo em Cannes. Mas por que não também? Com tantos fotógrafos… Eu não faço teatro porque não gosto tanto de falar ao vivo, com tanta gente. Mas 300 pessoas com câmeras, eu adoro! Porque todos estão trabalhando e um diverte o outro.

Mas voltando ao processo do filme…
Então, eu estava nesse movimento, de estar bem aqui, de ser feliz, de ser fotógrafa… Quando você me manda o e-mail falando que o Marcelo estava me procurando, pra fazer o filme novo do Kleber. E você me mandou o link pra assistir O Som Ao Redor e foi muito louco ver o filme. Deixei tudo pronto, água perto, fui ao banheiro antes, e dei play. E aí senti algo forte e pensava "o que é isso?", "o que acabou de acontecer nesse tempo que vi o filme?". Senti que entrei em outra dimensão, que fui levada pra outro lugar. Uma realidade desconhecida. Aí chegou o roteiro e comecei a ler. De repente, no meio, eu parei, porque percebi que tinha lido até a metade e nem tinha respirado. Comecei a andar pela casa, meio suando frio, e voltei e li até o fim. Imediatamente após ler, respondi ao Marcelo que queria fazer, mas eu tinha um problema de datas com uma série que eu tinha assinado, e estava agoniada, pensando em tudo. Aí eu entendi tudo que estava acontecendo.

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"O Kleber criou da minha vida um filme de suspense do qual você é resgatado no último momento."

Tudo o quê?
Comecei a ler o roteiro e foi como se eu, uma pessoa que tinha engolido tudo isso que contei antes, que soquei inseguranças em mim até dizer chega, que não tinha mais um canal no meu país, senti que tudo tinha mudado. Minha teoria é que tudo que aconteceu antes foi pra que as coisas acontecessem como aconteceram depois. O Kleber, quando me mandou o roteiro, ele me conhecia… Ele deu, para cada momento da minha vida, em 30 e tantos anos, uma palavra. Conforme eu ia lendo, tudo ia fazendo sentido. E pensar que eu ia poder dizer aquelas palavras, e que finalmente eu tinha encontrado uma plataforma. Sentia que o roteiro, que começa nos anos 1980 (no momento que venho pros EUA), dava sentido pra tudo que eu tinha vivido. Não foi uma oportunidade que o Kleber me deu, mas ele me resgatou, quase que num ato político. O Kleber criou da minha vida um filme de suspense do qual você é resgatado no último momento. Eu sinto que pertenço ao Brasil hoje de uma maneira muito maior.

O que você sente que há de Clara em você e de você em Clara?
É engraçado. Tinha momentos, mesmo depois das filmagens, que o Kleber me falava: "Muito estranho, não sei se agora você é Clara ou Sonia". Elas são muito coladas, apesar de diferentes origens, mas quando nos encontramos, viramos uma coisa só. Eu usei uma metáfora para um jornalista que eu e Clara somos água, talvez uma o mar e outra as cachoeiras. E quando se encontram, vira um tsunami, que é uma força incontrolável. A água tem esse poder, a não ser que seja água parada. Expliquei isso a uma outra jornalista e entendi muita coisa. Eu me sentia restrita. Eu ia sair de uma maneira ou outra, mas pra tomar esse impulso assim, com essa força, chegou a Clara, o Kleber, o filme.

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E como foi sua relação de trabalho com o Kleber e como ela transpassou pro filme?
Eu sempre tive pânico de ler, de decorar papel. Eu não sei ensaiar. Eu falava "Kleber, tenho problema com ensaio" e ele respondia "Não, Sonia, é relax". Começou o processo de ensaio e percebi que nunca na vida tinha ensaiado de verdade. Foi como comer e se alimentar a vida toda, mas sem nunca ter o paladar. E um dia você come uma torta de chocolate e descobre esse sentido. E foi isso que eu senti. No começo eu tinha angústias terríveis com os ensaios, mas quando foi passando, percebi que desenvolvi o desejo por aquilo que estava experimentando. Eu queria seguir ensaiando mesmo após o fim! Só que aí começaram as filmagens, e eu amo set de filmagens. Quero dormir e acordar ali, com aquelas bermudas cheias de fita crepe penduradas (risos). E com o início das filmagens, com o Kleber já dirigindo, me senti de novo com a mesma sensação de ultra dimensão de quando vi O Som Ao Redor. Quando estávamos no set, haviam atores, maravilhosos por sinal, mas misturados com eles, gente de teatro que nunca havia feito cinema, não atores, etc. E eu não sabia distinguir quem era quem. Tudo isso que o Kleber faz o torna muito especial. Além de ser uma das pessoas mais inteligentes, incríveis e engraçadas que já conheci na minha vida. Ele se comunica pelo silêncio, é impressionante, apesar de ser tão articulado. Ele consegue organizar todos os pensamentos com clareza e riqueza de detalhes quando fala. O Kleber é um grande observador. E seu trabalho é resultado disso. Em sua equipe, todos têm seu lugar e sabem se destacar em seus momentos, com respeito. É uma engrenagem onde tudo funciona muito bem, de forma entrosada e tranquila.

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E Cannes?
Quarenta pessoas do filme foram a Cannes, e todos se esforçaram muito pra ir, pra estar ali, com o Kleber e a equipe. Por isso tenho vontade de chorar quando ouço os comentários de que fomos pagos pelo MinC para ir. Uma pessoa que inventa algo assim se afastou tanto da cidadania que considera a sua corrupção no outro, com seus valores de venda. Porque ela só faria se fosse comprada! Ficava pensando "Será que Trump deu uma passadinha pelo Brasil antes?". A questão da moralidade, tudo anda muito estranho… O Bolsorano, esses gurus deles, é tudo muito assustador. Mas Cannes foi muito forte, especialmente com o momento político que estava acontecendo no Brasil.

E o protesto, como foi?
Estava se conversando sobre como fazer, naquele dia. E eu já estava me maquiando pra botar o vestido e sair. E vieram me chamar, porque iriam fazer os cartazes. Como eu não tinha como descer, eu disse que estaria com eles. Quando cheguei no tapete vermelho, perguntei ao Kleber quando iriam levantar os papeis. E ele me disse que tínhamos que pensar no melhor momento, para ser no melhor lugar, com a melhor visibilidade. Thierry Fremaux, que elegantemente me encaminhava pros lugares, me avisou que precisávamos entrar no teatro e subi com ele. Só que nesse momento, vi que estavam fazendo o protesto. Aí pedi pra ele me voltar (saltos altíssimos) e entrei entre Emilie e Maeve, levantando os dois cartazes com elas. O que muita gente não sabe é que parte da equipe do filme já estava dentro do teatro, e tudo que acontece no tapete vermelho, é exibido na sala. Então, no momento que transmitiram o protesto lá fora, os integrantes do filme também levantaram seus A4 dentro do cinema, em uma ação conjunta.

Já conversamos que são raros os papeis pra atrizes experientes no cinema, exceto talvez no de autor.
Sempre tentei passar a ideia de que quando estamos fazendo um trabalho em cinema, não é uma personagem de livro, que não existe. É uma pessoa viva, respirando, é alguém vivendo ali. Ou seja, enquanto o ator estiver vivo, ele pode trabalhar, atuar. O que existe de ruim pro ator é o que existe de bom. Por exemplo, o atletismo mostra cientificamente que um é melhor que o outro. Existe uma conta pra definir, um meio de julgar. Mas em cinema, na arte, não existe. A vida profissional do atleta é curta, mas pro ator o tempo da profissão é o tempo que durar sua vida. O fato é que não só não existirem bons e grandes papeis pra pessoas mais velhas, mas sim que esses vão pras mesmas pessoas. Se a Meryl (Streep) continuar fazendo todos os papeis de mulheres mais velhas, inclusive latinas, claro que todos os anos ela concorre ao Oscar, mas muitas atrizes ficam sem trabalhar.

"Esse tempo de afastamento, que não foi intencional de minha parte, acaba com minha volta com Aquarius. Eu estou inteirinha lá."

E de certa forma, você acha que isso elimina a diversidade no entretenimento?
É, e eu realmente acho importante essa mescla, eu gosto desse melting pot. Quem fez isso pela primeira vez na TV foi o J.J. Abrams, no Alias, no qual ele colocava gente de todas as raças: entrava russo, saia português, apareciam brasileiros, mexicanos… Tinha de tudo e cada um falava na sua língua.

E depois ele retoma isso em Lost, em proporções maiores ainda.
Exatamente. Por que todo mundo tem que falar inglês na TV dos EUA? Na verdade, os americanos não têm problemas com estrangeiros no entretenimento, desde que sejam da Austrália ou da Inglaterra, falando inglês. Com hispânicos também não há problemas, contanto que sejam da Espanha: Antonio Banderas, Javier Bardem, Penélope Cruz, Pedro Almodóvar… Os hispânicos que realmente criaram um momento no cinema daqui são espanhóis. Os mexicanos, mais os diretores e alguns atores e atrizes, também conseguiram certo sucesso aqui. Mas é só, o resto do mundo e da América Latina é quase inexistente. Há alguns casos, como o de Fernanda Montenegro que chegou a concorrer ao Oscar, mas não há permanência.

Em que momento está a Sonia, após o filme e tudo que conversamos?
O que eu mais queria mesmo é que todas as pessoas que passaram no meu caminho, de qualquer forma, assistissem ao filme. De verdade. Seria o meu reencontrar imediatamente com essas pessoas que sempre confiaram em mim, em meus papeis, seja em Gabriela, em Dancin' Days, em Dona Flor…… Essa plateia que sempre me apoiou no meu trabalho. Nesse momento, o filme é o único canal que eu tenho, por isso é tão importante para mim. Esse tempo de afastamento, que não foi intencional de minha parte, acaba com minha volta com Aquarius. Eu estou inteirinha lá.

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