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VICE Sports

Spinning é o Esporte Oficial dos Subúrbios da África do Sul

Multidões se juntam para assistir a caras destemidos levantando nuvens de poeira, girando os carros em volta de um eixo e saindo de suas BMW em movimento.

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Lembra aquela parte do clipe " Baby's on Fire", do Die Antwoord, em que o cara da BMW faz tipo um zerinho em volta da Yolandi? Isso se chama spinning, um esporte a motor que está dominando as cidades da África do Sul.

Nos finais de semana em Soweto, uma cidade contígua a Joanesburgo, multidões se juntam em volta de pistas improvisadas em terrenos baldios para assistir a caras destemidos levantando nuvens de poeira, girando os carros em volta de um eixo e saindo de suas BMW 325is em movimento.

No vídeo acima, feito em colaboração com a Sure Motionsense, dá para ter uma ideia de como isso parece perigoso. Os caras se agarram nas portas e derrapam com os pés na poeira, enquanto os carros giram cantando pneu; quando o veículo vai perdendo velocidade, os caras voltam ao interior pela janela, ouvindo os aplausos do pessoal que está observando atrás das pilhas de pneus velhos.

Soweto é o único lugar onde esse tipo de esporte poderia ter surgido. Esse é o lugar mais famoso da África do Sul, lar de 850 mil pessoas divididas em cerca de 30 áreas residenciais. Os tumultos e o massacre resultante em 1976 estão queimados aqui na memória recente dos sul-africanos. O lugar tem uma vida e mentalidade próprias, uma atitude "Foda-se, a gente faz o que quiser" nascida de uma necessidade vinda da opressão.

Nos anos 80, uma cultura gângster próspera deu origem ao spinning em funerais, nos quais era um ritual roubar carros e fazer manobras em homenagem ao falecido. Então, durante o começo dos anos 90, quando o país parecia condenado a uma guerra civil de raças, caras de 20 e poucos anos de Soweto se juntaram e começaram a treinar fora do mundo do crime. Eles não sabiam o que estavam fazendo exatamente (acrobacias, corrida de arrancada, tanto faz), mas tudo se centrava na BMW 325is (o chamado gusheshe) e em ser o melhor. A cena cresceu a partir daí; hoje, isso está prestes a se tornar um esporte a motor certificado, já contando com uma indústria rentável e uma rede estabelecida de promotores, spinners e fãs.

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Jeff James foi um dos caras que começou tudo isso, lá nos anos 90. Hoje, ele, aos 42 anos, com esposa e filhos, é considerado um dos fundadores da cena, mas ainda pratica o esporte todo final de semana. Ele diz que estava dirigindo o carro em que uma pessoa subiu pela primeira vez:Nos anos 80, uma cultura gângster próspera deu origem ao spinning em funerais, nos quais era um ritual roubar carros e fazer manobras em homenagem ao falecido. Então, durante o começo dos anos 90, quando o país parecia condenado a uma guerra civil de raças, caras de 20 e poucos anos de Soweto se juntaram e começaram a treinar fora do mundo do crime. Eles não sabiam o que estavam fazendo exatamente (acrobacias, corrida de arrancada, tanto faz), mas tudo se centrava na BMW 325is (o chamado gusheshe) e em ser o melhor. A cena cresceu a partir daí; hoje, isso está prestes a se tornar um esporte a motor certificado, já contando com uma indústria rentável e uma rede estabelecida de promotores, spinners e fãs.

"[O primeiro jumper] é um grande amigo meu", ele revela. "Tentávamos fazer truques engraçados, como drag e acrobacias. E foi assim que a coisa se desenvolveu, a coisa toda. As pessoas têm perspectivas diferentes em termos de spinning. Dizem que é muito perigoso – mas quase todo esporte é. O que eu diria para essas pessoas é que, se você está assistindo, sim, isso parece perigoso. Mas no carro é diferente. Você só tem que ter uma mente 100% sóbria."

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Parte da popularidade do spinning está no aspecto de celebridade. Alguns dos spinners são mais famosos pelas piadas e pela presença do que por suas habilidades no voltante. Jeff não é um desses ("Eu só giro meu carro, cara. É isso."). Mas, quando você abusa tanto do seu veículo toda semana, as despesas vão se acumulando. Você precisa ser uma celebridade para estabelecer seu próprio preço quando os organizadores ligam. Jeff ganhou esse direito: ele mantém seu carro exigindo alimentação e acomodação nos eventos de que participa.

Como o esporte ainda não é reconhecido, todos os spinners – mesmo as celebridades – também trabalham em outra coisa, geralmente algo relacionado a carros. Jeff gerencia um serviço de táxi. Mageshe Ndaba, o homem conhecido como "Rei do Giro", também está na indústria de táxis. Diferentemente de Jeff, ele assume o papel de celebridade: só participa por dinheiro. Ele parece ligeiramente ofendido quando pergunto em que posição ele está na comunidade do spinning.

"Eles não me chamariam de 'Rei do Giro' se eu não fosse um dos melhores competidores", ele frisa. "Eles escolheram isso. Eles me deram esse nome, lá em 2003, porque adoravam o que eu fazia. Olha, se as pessoas escolhem me chamar assim, tudo bem; se não escolhem, tudo bem também."

Mageshe também estava lá no começo: um cara de 18 anos na matric. Ele não era de Soweto e costumava vir com sua BMW da vizinha Springs toda noite para fazer parte dos eventos.

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"As áreas eram controladas naquela época. Tínhamos de fazer isso nas ruas", ele lembra. "Escapei da polícia por pouco. Às vezes, eu conseguia me safar na conversa. Às vezes, eles me pediam para demonstrar o que eu sabia fazer."

O mais engraçado, desde que a popularidade do esporte explodiu, é que os mesmos policiais que costumavam perseguir esses garotos, hoje, são grandes fãs. "Claro! Sem dúvida. Agora eles dizem: 'Ei, cara, adoramos o que vocês fazem, ei'. Acho que, se eu me inscrevesse para treinar a polícia em direção avançada, eu pegava esse emprego, tipo, pra ontem, cara.

"Todo mundo me conhece como o Pai do Spinning; então, os pais trazem os filhos e dizem: 'Olha esse Mageshe!'. Então, tento encorajá-los a estarem sempre seguros."

E esses garotos vão trilhar um caminho mais fácil, especialmente em termos de segurança e tolerância do governo, podendo, assim, transformar esse fenômeno num esporte. Isso tem todos os aspectos clássicos de um esporte do povo, como o futebol: não há discriminação; além disso, sua vibe é de "Venha quem quiser". Subsídio e regulamentação são tudo o que o spinning precisa para se livrar de vez do estigma de cultura gângster. Mas tudo ainda é muito caro.

"Cara, não queira nem saber. Não queira nem saber. Não tem nada que seja tão caro quanto spinning", reclama Mageshe quando toco no assunto.

Pule Earm é diretor de documentários, promotor de spinning, comentarista e envolvido em política. Ele só pratica o spinning em particular com o objetivo de poder articular o sentimento para outras pessoas, a fim de "explicar categoricamente a sensação da apresentação, melhor do que um spinner faria". Ele fez dessa sua missão em 2009: colocar o passatempo de sua área no circuito nacional. Pule é a ligação entre a política e os spinners.

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"Percebi logo de cara que esses caras não tinham uma voz", ele destaca. "Então, entrei nessa para ser um porta-voz da indústria através da minha capacidade de narração."

Ele fundou a Soweto Drift, uma escola de spinning e agência de promoção que está à frente da campanha pela regulamentação.

"O conceito da Soweto Drift veio de um filme. Eu me inspirei em Velozes e Furiosos – Desafio em Tóquio ", ele me conta. "Queríamos transformar isso num conceito sul-africano. O filme passou em alguns festivais de cinema e, hoje, está no Mzansi [um canal de filmes local].

"Eu me encontrei com Fikile Mbalula [o ministro sul-africano dos Esportes] no mês passado para falar do spinning. Já o encontrei em várias outras ocasiões como camarada; então, a gente se conhece, sabe? Foi incrível. Ele chegou, nos cumprimentou e conversamos com o diretor-geral dos esportes a motor. Pensar que eles estão levando isso a sério me inspirou a pressionar ainda mais."

Essa pressão levou a um colapso parcial das divisões sociais e de classe. Hoje, até caras brancos da classe alta de Joanesburgo – além de um grupo de celebridades políticas – visitam o interior de Soweto regularmente. O que talvez seja a única visão mais estranha do que caras escalando carros girando em alta velocidade.

"É uma coisa recente", ele conta. "Os caras da indústria começaram a convidar os amigos brancos. Fazemos o spinning em Soweto. O público não é tão grande como em eventos em East Rand ou Mayhem, em Pretória. Isso por causa dos locais que usamos. Soweto é uma área hardcore. Os moradores de Pretória são brancos; então, você tem mais brancos lá, diferentemente de Soweto. Eu vou ficar com o crédito por isso e dizer que foi o Soweto Drift que tornou isso possível, e inspirou outros promotores a ampliarem os horizontes de seu mercado-alvo. Isso facilitou a vinda de brancos a esses eventos. Agora que o spinning está nesse ambiente, os fanáticos por esportes a motor irão a qualquer lugar.

"Isso me deixa muito feliz. Queremos colocar o spinning na posição de esporte nacional. Não podemos ser ignorantes ou invejosos quando brancos estão nesses eventos. Isso é o que somos. Infelizmente, vivemos num mundo onde alguns acreditam que, se o homem branco endossa alguma coisa, isso se torna um sucesso. Não acredito nisso, mas não vejo problema em ter comunidades brancas vindo assistir ao spinning. Vejo isso como algo positivo, e isso simplesmente significa que o público pode facilmente se adaptar para compartilhar sem levantar barreiras, assim como o esporte a motor em termos de processos administrativos. Talvez possamos ter alguns não brancos na diretoria dos esportes a motor.

"Você vê todo tipo de origem. Temos caras de comunidades pobres, de classe média e classe alta. Não é como o boxe – sabe? – em que você só tem elite. Ou críquete. É como futebol, basicamente", defende Pule. "Isso cruza todas as fronteiras em termos de raça, política, em termos de classe: o spinning não discrimina."

Num país tão dividido quanto a África do Sul, isso não é pouca coisa.

@karlkemp8

Tradução: Marina Schnoor