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'Star Wars: O Despertar da Força' é a bomba de nostalgia que você estava esperando

O mais novo filme da saga vem com uma pitada de fanfiction e personagens que se parecem um pouco com nós.

A originalidade é superestimada. Toda a história da literatura ocidental se baseia em grandes autores que adaptaram tramas, personagens e cenários conhecidos em histórias ao mesmo tempo confortáveis e novas. Hoje, podemos chamar isso de fanfiction, se feita por amadores, ou talvez de adaptação, quando produzida por profissionais. Mas "fanfiction", em um sentido mais amplo, deveria ser um emblema usado com orgulho pelos autores.

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Shakespeare, Chaucer, Boccaccio e todos que escreveram sobre o Rei Artur deixaram sua marca ao pegar histórias que os leitores já conheciam e modificá-las para que ficassem mais relevantes, com uma estética inovadora ou interessante de novo de alguma outra forma. Uma boa fanfic evoca a nostalgia pela história que você já conhece e leva a lugares onde nunca esteve.

Agora que a ofensiva de marketing baseada em nostalgia para promover Star Wars: O Despertar da Força finalmente chegou ao fim após dois anos, é hora de perguntar – a cultura pop norte-americana atingiu o ápice da "fanfictionalização"? No fim de semana, pessoas de todas as gerações, baby boomers, X, Y e millennials, marcharam para os cinemas na esperança de recuperar a experiência perdida de um deslumbramento infantil. A maioria de nós nem frequentava o cinema em 1977 (eu tinha quatro anos. Falo mais sobre isso daqui a pouco), mas ainda assim, de alguma forma, imaginamos que Star Wars tem um tipo de sentido para nós que provavelmente nenhuma outra franquia cinematográfica poderia ter. A campanha publicitária do filme bebeu dessa nostalgia por um passado imaginário – e deu certo.

Na fila da pipoca na noite de estreia em um cinema suburbano na zona metropolitana de Chicago, nem os jovens de macacão de stormtrooper nem os adolescentes praticamente vibrando de emoção, tagarelando sobre como o episódio IV de Star Wars era a coisa mais da hora do mundo, eram vivos quando os primeiros três filmes foram lançados. Mesmo assim, vieram ao cinema, nostálgicos e na esperança de alguma coisa que se comunique com eles.

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Os quadrinhos e filmes de super-herói sempre operaram dessa forma, atualizando e reinventando no decorrer das décadas, mudando a raça, o passado e os envolvimentos amorosos dos personagens conforme a necessidade. Em 2015, no entanto, fiquei impressionado com a forma que os blockbusters de ficção científica (e outros dramas retrô como Creed: Nascido para Lutar) adotaram o manual da fanfic. Evocando nostalgia e dando um toque diferente para atrair um público novo. Pegue um conjunto de padrões, histórias, personagens e cenários queridos – ou pelo menos familiares – e depois pergunte "e se?" E se o herói fosse parecido comigo? E se os mocinhos lutassem entre si? E se os bandidos e os mocinhos se unissem? E se as dinâmicas sexuais mudassem? A fanfiction estimula a inovação, plausível ou implausível, que reflete os interesses dos autores e públicos contemporâneos ao brincar com produtos culturais do passado. Quando Han Solo olha para a câmera e diz que todas as lendas são verdadeiras, ele nos prepara para o caminho do poder da nostalgia, mas esses filmes novos só terão sucesso se nos levarem para algum lugar que ainda não fomos.

Volta de Harrison Ford como Han Solo provocou aplausos e gritos nos espectadores em Williamsburg, no Brooklyn. Foto cortesia da Walt Disney Picture

Os outros dois grandes sucessos da ficção científica de 2015, à sua própria maneira, seguem o mesmo padrão. Mad Max: Estrada da Fúriacativa a nostalgia com perseguições de carro e figurinos transados, mas transforma a Imperatriz Furiosa, uma mulher com deficiência, na verdadeira heroína e centro do filme, em vez de focar em Max Rockatansky. Max, por sua vez, é o personagem com o ponto de vista que nos ajuda a testemunhar a grandeza de Furiosa. A criação de uma contraparte do sexo oposto ao de um personagem que já existe e o desvio de ênfase do personagem título para um coadjuvante mais interessante são duas abordagens comuns na fanfiction. Ao mesmo tempo, o filme não é ultramoderno demais. Todos os carros eram de verdade, não gerados por computador. As pessoas fizeram truques reais e perigosos de dublê. O enredo é de uma simplicidade incrível – os heróis vão do ponto A ao ponto B e depois voltam para o ponto A. E mesmo assim, o filme é de tirar o fôlego, talvez o blockbuster mais emocionante do ano.

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Jurassic World: O Mundo dos Dinossaurosescolheu outro caminho, ai, ai. Imagino a reunião dos roteiristas em que um monte de gente que amava a franquiapropôs uma pitada própria de fanfiction – não seria legal fazer um filme igual a Jurassic Park, mas dessa vez com os heróis lutando junto com os velociraptors? Foi bem legal mesmo. Infelizmente, enquanto Jurassic Park foi de fato inovador em termos de gênero – a Dra. Ellie Sattler era inteligente, forte e usava coturnoJurassic World abraçou o mano interior. Chris Pratt, recém-saído das aventuras de Star-Lord, pôde fazer o personagem bacana, intrépido, sexista e que tem sempre razão. Seu par foi a desastrada Claire, de roupa branca, salto alto e propensão a deitar no chão quando a grande batalha irrompia. O filme evocou a nostalgia dando pequenas piscadelas para o público – a descoberta do antigo parque e os jipes, um técnico com uma camiseta "vintage" do Jurassic Park e outros momentos em que derruba a quarta parede, nos lembrando que estávamos assistindo a um filme. Essas piscadelas podem provocar riso (eu ri da camiseta), mas estragam o espetáculo. Elas nos lembram que os monstros são gerados por computador. A fanfictionalização da série Jurassic Parkresultou em um filme raso e bisonho.

Star Wars: O Despertar da Força faz muito melhor. Apesar das primeiras críticas ao filme por ser apenas uma versão nova do Episódio IV e, sim, fazer um paralelo deliberado com o primeiro Star Wars de maneiras não muito sutis cena após cena, a diferença é importante. Não no enredo – o novo filme acontece 20 anos depois da morte do Imperador, mas uma nova força fascista com proporções galácticas, a Primeira Ordem, surge para tomar seu lugar e desafiar a nova República e a Resistência –, mas em quem vai interpretar essas cenas revisitadas. Nossos heróis mudaram. Somos levados à ação por uma catadora de lixo indômita e um ex-stormtrooper negro.

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John Boyega no papel do antigo stormtrooper Finn está excelente, mas o filme é da Rey (Daisy Ridley), e já era hora. A Princesa/General Leia é demais, mas nunca pôde se envolver muito na parte divertida – voar na Millennium Falcon, lutar contra o vilão-mor ou ter a trama centrada no desenvolvimento da sua personagem. Sem revelar muito, enquanto os Episódios IV–VI foram sobre os anos de formação do Luke (e os três primeiros sobre os do Anakin, pressagiando a trágica queda), esses próximos filmes pertencem à Rey. Representação é importante. A fanfictionalização coloca esses novos heróis em um conjunto de histórias e ambientes familiares e, a partir daí, permite que a originalidade prenda nossa atenção.

Assisti o primeiro Star Wars quando era criança. Eu tinha quatro anos quando o filme foi lançado, em 1977. Vi no cinema no ano seguinte, mais ou menos na mesma época em que vi a primeira película do Super-Homem. Eu morava em Bloomington, em Indiana, na época uma cidade pequena, com um quintal arborizado que tinha tudo que eu precisava – um leito seco de rio, uma ponte e um clube. Na rua, meu amigo tinha um lago e um leito de verdade, e também um terreno maior. Gravetos podiam virar sabres de luz, o leito seco, o desértico planeta Tatooine, as árvores, um Asa-X, e a sede do clube, minha Millennium Falcon. No jardim de infância, a gente juntava nossos bonequinhos e construía Estrelas da Morte gigantes com blocos, em uma transição perfeita entre discussões e empreitadas colaborativas imensas de fantasia coletiva. Hoje, eu me lembro dessa época pela névoa da nostalgia. Sei que não posso voltar àquele estado, e que provavelmente não gostaria de voltar. Mas tenho saudade. Toda vez que a fanfarra de John Williams retumba, mesmo assistindo aquelas prequências horríveis, fico imediatamente pronto para voltar àqueles dias.

Na introdução de The Future of Nostalgia, a crítica cultural Svetlana Boym explora a história da "nostalgia". O termo foi cunhado em 1688 como uma expressão médica que descrevia uma doença de "imaginação afligida", tão severa que poderia incapacitar o corpo, tornando a pessoa inútil para a sociedade. Mas por volta de 1800, defensores do Romantismo adotaram o conceito para descrever uma coisa mais benigna, embora igualmente complexa. A nostalgia, para os Românticos, criticava o presente e usava o passado para descrever como seria um mundo melhor algum dia no futuro. A nostalgia posiciona o presente em lugar perdido em um meio insatisfeito. Reagindo aos princípios científicos impiedosos do Iluminismo e ao mundo em transformação da Revolução Industrial, os pensadores românticos lamentavam "a impossibilidade de um retorno mítico, a perda de um mundo encantado com fronteiras e valores claros; [a nostalgia] poderia ser uma expressão secular de anseio espiritual, a nostalgia por um absoluto, um lar ao mesmo tempo físico e espiritual, a unidade edênica de tempo e espaço antes da entrada na história". Em outras palavras, "era uma vez" ou até mesmo "há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante".

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Star Wars: O Despertar da Força chegou aos cinemas de todo o país na semana passada.

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