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Stoya: Eu e o Feminismo

Oi, eu sou a Stoya. Minhas perspectivas políticas e eu somos feministas... Mas meu trabalho não é.
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Por Stoya

O símbolo de Vênus feito com sutiãs pouco práticos.

Feminismo, como tudo no mundo, exceto, talvez, o fato de que o consumo de água faz bem para as pessoas, é uma coisa complexa e cheia de nuances. Adoro muitas partes do feminismo e sou grata às pessoas que são ou foram feministas. Tenho direito de votar por causa do feminismo. Eu me sinto no direito de ir para casa à noite andando sozinha sem ser molestada (quer eu realmente consiga isso ou não) por causa do feminismo. Se posso escolher trabalhar do lado de cá da câmera na indústria do sexo, em vez de qualquer outra carreira, é principalmente por causa do feminismo também. Também devo pontuar que sou branca, de classe média e me encaixo em muitas das categorias de “beleza convencional”. Todas essas coisas me conferem um privilégio imerecido na maior parte dos Estados Unidos e quanto mais perto do topo da pirâmide do privilégio uma pessoa está, mais opções ela tem em aberto para si.

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Ter um trabalho que envolve falar com a imprensa significa, inevitavelmente, que tudo, desde minhas visões políticas à minha mania de mascar chiclete, está aberto a debate e discussão. As pessoas me dizem que devo ser feminista, que meu trabalho é feminista, que eu absolutamente não posso ser feminista e, certa vez, disseram que minha vagina devia ser revogada por crimes contra as mulheres.

Para mim, a palavra feminista é repleta de conotações por vezes conflituosas. Quando as feministas lutam pelo direito de todos serem pagos de maneira justa, defendendo especificamente a correção das desigualdades entre o salário para mulheres e para homens, ou defendem o direito de acesso ao controle de natalidade para todas as pessoas com útero eu acho uma coisa maravilhosa. Quando as feministas perseguem alguém que não é biologicamente mulher ou infantilizam as mulheres que fizeram escolhas que as desagradam, eu acho muito ofensivo. Quando as feministas debatem se o ato de passar batom é algo que concede poder às mulheres ou não, eu acho trivial. Mas discordar de alguns dos extremos do feminismo não é a razão pela qual me sinto frequentemente desconfortável em me dizer feminista. Acho conflitante aplicar o rótulo a mim mesma porque raramente faço algo com o propósito específico de promover os direitos das mulheres. Mas evitar dar uma resposta direta sobre se sou feminista ou não é meio que fugir da responsabilidade. Me esquivar desta palavra, para mim, seria ignorar todas as mulheres que lutaram para me dar as vantagens que tenho hoje. Então aí vai: Oi, eu sou a Stoya. Minhas perspectivas políticas e eu somos feministas… Mas meu trabalho não é.

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Minhas motivações para trabalhar com pornografia, que são basicamente porque eu quis, não são necessariamente as motivações de todos os trabalhadores do sexo. As mulheres não são todas iguais, as feministas não são todas iguais, os trabalhadores do sexo não são todos iguais, o trabalho sexual não é todo igual e as pessoas não são todas iguais. Isso precisa ser constantemente repetido, porque vejo as pessoas frequentemente (inclusive eu mesma) caírem na armadilha da generalização. É provável que eu já tenha generalizado pelo menos uma vez nesta coluna. Mas vamos voltar a relação entre feminismo e minha escolha de trabalhar na indústria do sexo.

O conceito de escolha pode ser complicado. É diferente escolher entregar sua carteira para alguém que aponta uma arma para sua cabeça e escolher dar dinheiro a alguém por altruísmo ou por querer presentear essa pessoa. Há uma diferença análoga entre entrar para o trabalho sexual por pressões financeiras e falta de outras opções (seja essa falta percebida ou factual) ou se tornar um trabalhador sexual por exibicionismo, desejo pela experiência ou porque você quer mesmo, mesmo, mesmo transar com James Deen, Rocco Siffredi ou quem quer que seja.

Esse segundo cenário, em que alguém escolhe entrar na indústria do sexo por causa da indústria do sexo, é possível graças a todas as portas abertas pelas feministas nos últimos 150 anos. No entanto, minha escolha em trabalhar na indústria da pornografia não faz de mim uma feminista, assim como a escolha de tomar um Advil quando tenho dor de cabeça não faz de mim uma farmacêutica.

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Uso meu corpo para fazer pornografia de gênero binário e orientação heterossexual para uma produtora que visa ter o maior apelo às massas possível. Não concordo com tudo na maneira como a pornografia mainstream ou a companhia específica para a qual trabalho operam, mas escolho minhas batalhas. Consumo muitas calorias porque ossos protuberantes no quadril são mais preocupantes do que excitantes para a maioria das pessoas. Também cubro minha pele com uma quantidade insana de meleca com regularidade. Quando chego para filmar, eu me sento numa cadeira e deixo o maquiador e o cabeleireiro fazerem seu trabalho, o de me deixar com a aparência mais convencionalmente sexy possível. Esse processo envolve com frequência cílios postiços e babyliss. Quando eles acabam, eu geralmente calço saltos altos, alguma lingerie fantasticamente impraticável e, às vezes, outras peças de roupas coerentes com qualquer que seja o personagem que interpreto na cena que antecede o sexo.

Depois que o diálogo é gravado, transo com uma ou mais pessoas enquanto a equipe de filmagem captura tudo em vídeo. Meus parceiros sexuais diante das câmeras são pessoas com quem quero fazer sexo e, pelo menos espero, pessoas que querem fazer sexo comigo. Pelo menos uma dessas pessoas quase sempre tem um pênis e a cenas seguem certo arco narrativo. Elas começam com beijos que levam à remoção das roupas. Quando os genitais em questão estão visíveis, o sexo oral é realizado. A penetração sexual (especialmente pênis na vagina) vem depois, em várias posições. Às vezes, mais sexo oral acontece entre as posições e, ocasionalmente, algum sexo anal. Aí o performer masculino ejacula e a cena acaba logo depois, porque o clímax masculino é, bem, um clímax natural e as cenas de sexo em geral não pedem pela conclusão da ação ou um desfecho.

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Não há nada que promova intencionalmente o feminismo no material pornográfico que executo. Isso é entretenimento superficial, sem rodeios, que atende a um dos desejos humanos mais básicos. A pornografia existe e não vai deixar de existir num futuro próximo. Não vejo isso como algo que traga em si empoderamento ou desempoderamento para os envolvidos. Aparecer no set de filmagem e fazer meu trabalho não é um ato de feminismo.

Como entretenimento, a pornografia mainstream é tão responsável por educar os espectadores sobre saúde ou etiqueta sexual quanto o Lions Gate é responsável por lembrar às crianças que não é certo matar outras pessoas, apesar do que elas viram no filme Jogos Vorazes. Não faz parte do trabalho do Michael Bay ou da Megan Fox mencionar em cada entrevista que robôs gigantes do espaço são ficcionais, nem é o trabalho de todo artista pornográfico discutir os protocolos de teste de saúde da indústria, ou como o consentimento é dado antes de cada filmagem. No entanto, sinto a necessidade de discutir esse tipo de coisa e outros artistas – como Jiz Lee, Danny Wylde e Jessica Drake – que sentem necessidade de destacar o contexto já disponível dos filmes adultos e fornecer um contexto adicional.

Mas e o alcance maior dos efeitos culturais da pornografia? Não posso desconsiderar inteiramente a acusação de que ver um vídeo no qual vou direto do sexo oral para o anal inspira um ou outro rapaz a enfiar rudemente seu pênis no reto da parceira sem discussão ou cuidado. Sejam lá quem forem, esses tipos de caras estão precisando a oportunidade de serem relembrados de que há diferenças entre a TV e vida real. Em contraste com esses invasores anais babacas, estão as mensagens que recebo semanalmente de que, depois de ver meu corpo ou minha vagina retratados como algum tipo de símbolo sexual, isso fez alguém se sentir mais confortável com seu próprio corpo. Também há mensagens de pessoas que dizem que não sabiam que coisas como sífilis podem ser transmitidas mesmo com o uso da camisinha e agora veem os benefícios de fazer testes regularmente, de pedir os testes dos parceiros além do uso do preservativo.

Enquanto eu gostar de atuar na indústria pornográfica, e os efeitos sociais positivos superarem os negativos, vou continuar fazendo isso. Mas não vamos fingir que atuar na pornografia mainstream é alguma espécie de ato libertador para o sexo feminino.

@Stoya

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