Como um ataque terrorista pode destruir toda uma indústria de turismo

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Como um ataque terrorista pode destruir toda uma indústria de turismo

Um homem com uma arma, no atentado a Sousse, deixou mortos e toda a indústria turística da Tunísia de joelhos.

Cadeiras de praia vazias num hotel da Tunísia (todas as fotos pelo autor).

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.

Já passou mais de um ano desde que Seifeddine Rezgui, estudante e aspirante a dançarino de break, conseguiu entrar com uma Kalashnikov na Praia Boujaafar em Sousse, na Tunísia, e começou a atirar. Mas o massacre que ele perpetrou em nome do Estado Islâmico, deixando 38 mortos, cortou o número de visitantes do lugar pela metade e deixou a Tunísia, antes o destino turístico mais em conta do Mediterrâneo, em frangalhos.

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O mercado de turistas britânicos foi o que sofreu maior impacto até agora. Lar de 30 das vítimas de Sousse, o Reino Unido foi responsável por 420 mil dos turistas que foram à Tunísia em 2014. Mas a atrocidade do ano passado fez o Ministério das Relações Exteriores e Commonwealth (FCO em inglês) lançar um alerta aos britânicos para não viajar ao país. Sem conseguir fazer seguro para seus clientes, as grandes empresas de turismo imediatamente frearam suas operações na Tunísia. Voos comerciais do Reino Unido também cessaram abruptamente.

Contrariei o conselho do meu governo e fui ver em primeira mão como um homem com uma arma pode deixar toda uma indústria de joelhos.

Polícia na Praia Boujaafar.

Pise na Praia Boujaafar hoje, no final da rua onde a bala de um policial colocou fim no ataque de Rezgui em 25 de junho de 2015, e você entenderá na hora a extensão dos problemas de Sousse.

Há poucos turistas aqui, principalmente russos atraídos pelos descontos nos pacotes. Mas ande cem metros e você encontra uma terra de ninguém — uma faixa de areia vazia onde a única presença é a de uma dupla de policiais num quadriciclo, o carona segurando um fuzil.

Andando mais um pouco, atrás de um banco de areia com guarda-sóis de palha, o muro de um resort tem também uma cerca com arame farpado. Esse é o Imperial Merhaba Hotel, onde Rezgui continuou o ataque que começou na praia. Agora o local está abandonado, um dos quase 200 hotéis da Tunísia fechados ano passado.

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Jihed e Mo'jgow.

Na praia encontro Mo'jgow Sahbi e Jihed Hassen sentados em baixo de um toldo de madeira. Na água, mais a frente, estão os equipamentos da empresa de esportes aquáticos deles à espera de algum cliente: um parapente dobrado e dois jet skis ao lado de uma banana boat com desenhos de orca. Mas a lancha deles está na praia, as rodas da carreta acumulando areia. Eles dizem que os negócios não vão bem. "Todo mundo está sofrendo, meu amigo", diz Hassen, o mais jovem dos dois. "As lojas, os hotéis, os táxis, você nem imagina."

Os dois dizem ter salvo vidas em junho passado, juntando 100 turistas em pânico num hotel próximo, implorando ao atirador que parasse.

"Não é justo — fizemos o possível", diz Hassen quando pergunto sobre a proibição das viagens do Reino Unido. "Desde a revolução, a maioria dos nossos hóspedes eram britânicos. Agora ficamos aqui sentados sem fazer nada o dia inteiro."

O ressentimento deles é compartilhado por muita gente na Tunísia. Falando com as pessoas em cafés, nas praias e calçadões, opiniões em comum emergem. O declínio abrupto da indústria do turismo na Tunísia, muitos dizem, pareceu uma traição ao otimismo que acompanhou a Primavera Árabe em 2011, quando o presidente autocrático Zine el-Abidine Ben Ali foi derrubado e um governo democrático subiu ao poder.

Uma nova constituição foi adotada em 2014, e eleições livres aconteceram pacificamente no final daquele ano. Mas o pluralismo recém-descoberto da Tunísia também se transformou num alvo para extremistas, obcecados em criar um mundo islâmico sob a bota da charia.

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Apesar do ataque terrorista brutal ao Museu Bardo em Túnis em março daquele ano, que deixou 24 mortos, 2015 era para ser um ano de abundância para o turismo tunisiano. Aí aconteceu Sousse, e a chegada de estrangeiros — cujos gastos representavam 15% do PIB da Tunísia — se reduziu a quase nada. Agora há a frustração de que o abandono da Tunísia pelos turistas, como simbolizado pela proibição de viagens da Inglaterra, significou uma penalidade econômica cruel e desproporcional para o país todo devido aos crimes de poucos extremistas. Veja Bruxelas, eles dizem. Veja Paris, onde ataques brutais foram realizados mais recentemente, e com mais mortes. Por que a comunidade internacional deu as costas para a Tunísia? Uma conclusão é que o país está sendo tratado assim porque é um território muçulmano — um ponto comum das conjecturas dos locais.

Ainda assim, esse sentimento de injustiça é moderado pelo reconhecimento de que Sousse foi diferente, que as imagens mostradas pela mídia — banhistas mortos na praia, famílias perseguidas pelos corredores do hotel, Rezgui rindo enquanto puxava o gatinho — vão levar tempo para se apagar.

Enquanto isso, as pessoas rezam para que o caso não se repita. Para o EI, cujos propagandistas descreveram Sousse e o Museu Bardo como "antros de vício", turistas são uma encarnação vulnerável da decadência ocidental — alvos legítimos de uma extirpação justa. Com a vizinha Líbia ainda em caos, e a fronteira notoriamente porosa, só os otimistas mais cegos garantiriam que nada vai acontecer no futuro.

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Se Sousse ainda vê resquícios da vida antes de junho passado, Hammamet, a uma hora de carro, na ponta norte da baía de mesmo nome, parece um lugar saído do apocalipse. Nessa antiga vila de pescadores, um lugar onde a indústria do turismo tunisiana começou nos anos 60, o turismo é o único ganha-pão da cidade, e o senso de tédio — de ter a hospitalidade frustrada — é difícil de suportar.

A rua principal está tão vazia que consigo andar pela faixa central, e dentro dos resorts caiados, meus passos ecoam nos salões de mármore vazios. No porto, grandes navios galeões falsos, capazes de levar mais de 100 turistas em cruzeiros de um dia, estão amarrados em fila, parecendo ainda mais absurdos em sua inutilidade.

Na praia de Hammamet, um jovem vendendo passeios de camelo responde à minha pergunta sobre como vão os negócios abrindo os braços para uma praia vazia. Ele me disse que os únicos turistas são os russos (apesar de russos também terem morrido em Sousse, descobri que o número de turistas do país subiu 650% ano passado). Mas enquanto os turistas britânicos pagavam £6 [cerca de R$ 24] por um passeio nas areias com Fatima, a camela de Abdul, os russos oferecem 30 centavos. E ele não tem outra escolha a não ser aceitar.

Agora, qualquer ansiedade residual que eu poderia ter sobre visitar a Tunísia evaporou faz tempo. Olhando para a direita e esquerda na costa vazia de Hammanet, vem a certeza perversa da realidade que não há ninguém aqui para ser alvo.

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Como você se livra de uma mácula como Sousse? Essa é a pergunta que Tarek Aiouadi, o Diretor de Turismo da Tunísia, sempre ouve. Nos encontramos num átrio cavernoso de um hotel de Gammarth, nos arredores de Túnis.

Na mesa de centro à frente dele há uma pilha de papéis detalhando o tamanho do desafio que ele encara. O número de turistas britânicos, ele diz, caiu 93,2%. Como todo mundo com quem falei na Tunísia, Aiouadi não quer menosprezar o horror de Sousse. Mas ele também acredita que a resposta da FCO foi desproporcional.

"Indiretamente você está dizendo [aos extremistas] que eles venceram", ele diz. "Você pode ver a vitória deles no que está acontecendo com este país."

Ele aponta para o aumento na segurança que vi durante minha viagem à costa como prova de que o país está tentando se recuperar: os detectores de metais e espelhos para ver embaixo dos carros que agora pontuam as entradas dos hotéis. Nesta manhã mesmo, em Cartago, sentinelas armadas se posicionam a cada 50 metros, ao redor dos muros e colunas de um Império morto há muito tempo. Eles estavam ali para garantir a segurança de turistas que, pela hora em que fiquei lá, contavam meia dúzia.

Fora das ruínas, Aiouadi ainda tem esperança. Por muito tempo, ele diz, a Tunísia se focou no mercado das massas. Mas o país tem mais a oferecer. Ele se entusiasma com o interior, uma área do tamanho da Inglaterra, um lugar de montanhas, oásis e desertos onde os turistas raramente se aventuram. Talvez os eventos do ano passado possam catapultar a Tunísia para uma diversificação que foi adiada, do turismo de praias do passado para algo mais sustentável.

"Vamos chegar ao fundo e pular de volta", diz Aiouadi. "Mas vai levar tempo."

@HenryWismayer

Tradução: Marina Schnoor

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