FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Tomar o Nootrópico Modafinil me Fez Amar o Trabalho e Odiar as Pessoas

A "droga inteligente" é a substância menos divertida que existe; entretanto, no vale-tudo que é a vida moderna, ela é a única que faz sentido.

Foto cortesia do autor.

Originalmente sintetizado na França nos anos 70, o modafinil foi aprovado pelo FDA como tratamento para narcolepsia e outros transtornos do sono em 1998. Mais recentemente, pessoas saudáveis começaram a usar a droga para ficar acordadas por longos períodos e melhorar a performance cognitiva. Medicamentos como o Adderall, a Ritalina – originalmente prescritos para pacientes com DDA – e as ampaquinas – para Alzheimer – estão sendo usados a fim de melhorar as funções do cérebro para estudo ou trabalho. Esses remédios são conhecidos como drogas inteligentes.

Publicidade

Decidi experimentar o modafinil para ver como isso afetaria meu trabalho. Pesquisei os efeitos colaterais e, depois de ter certeza de que eu não ia cair morto logo depois de tomar o remédio, engoli uma das cápsulas na cor laranja.

Chegando ao trabalho às 9 da manhã, comecei a achar engraçado que ninguém ali sabia que eu tinha tomado uma droga usada por pilotos, médicos da emergência e milionários do Vale do Silício. Eles tomam a droga pela mesma razão: para dar um chute na bunda da sua concentração. Depois de algumas horas sentado à minha mesa, comecei a ficar impaciente. Alguma coisa ia acontecer? Por volta das 11h30, notei que eu não tinha feito uma pausa para o cigarro ainda. Eu tinha um maço comigo e vi alguns colegas lá fora fumando, porém, por causa da pílula, não senti vontade.

O baque veio perto do meio-dia. Eu estava ansioso para trabalhar e peguei algumas tarefas extras que meu editor queria terminadas. Na hora seguinte, fiquei completamente absorto nisso. Eu estava tão concentrado no trabalho que nem me interessei por almoçar quando uma colega perguntou se eu queria pizza, o que é muito incomum para mim. (Mesmo assim, eu pedi uma.)

A verdade é que ninguém sabe como essa droga funciona. Pode parecer absurdo, especialmente considerando que é possível comprar isso em qualquer farmácia da Colômbia, embora, no final das contas, a gente também não saiba como anestesia funciona – e isso não impede ninguém de usá-la. Alguns dizem que o modafinil estimula o cérebro para liberar um hormônio chamado histamina. Você provavelmente já ouviu falar de anti-histamínico, um composto que inibe a produção de histamina encontrado naqueles remédios para alergia que te deixam com muito sono. Então, faz sentido: aumentando a produção de histamina, o modafinil causa o efeito oposto: isso te deixa acordado.

Publicidade

Entretanto, outros estudos sugerem que o modafinil afete o cérebro de maneira similar a coisas como anfetaminas e cocaína. Isso aumentaria os níveis de dopamina – o hormônio no seu cérebro liberado quando você come, faz sexo ou encontra um amigo. Se essa teoria é verdade, significa que o modafinil pode levar a abuso e vício. Devido à falta de uma pesquisa de longo prazo, ninguém ainda conseguiu provar isso.

De volta ao escritório, levou mais de 45 minutos para o entregador chegar com a pizza pedida pela minha colega Camila, mas eu não me importava. Pensar em pepperoni provavelmente estava fazendo o cérebro dela se inundar de dopamina, mas o meu já tinha recebido uma boa dose na forma da pílula colorida. Alguns dias depois, perguntei a Camila se eu estava agindo normalmente durante aquele almoço.

"Você estava bem", ela respondeu.

Depois que comi minha pizza, não dei a clássica volta no quarteirão para fazer a digestão, não fui pegar uma sobremesa para cortar o sal do pepperoni, nem mesmo parti para o meu sagrado cigarro pós-almoço. Voltei diretamente à minha mesa para terminar meu trabalho. Quando meu editor voltou à mesa dele, eu já tinha terminado. "Já?", meu chefe perguntou com os olhos arregalados. Dei de ombros, como se fosse completamente normal terminar meu trabalho antes do prazo.

Fora os efeitos – e efeitos colaterais – do modafinil, há um debate interessante sobre medicamentos que melhoram a performance cognitiva. Usar aquela pílula era injusto com meus colegas? Segundo um artigo publicado pelo Kennedy Institute of Ethics Journal, o uso de medicação para melhorar a performance cognitiva é considerado eticamente aceitável, desde que isso não coloque o trabalho de outra pessoa em risco. No ano passado, funcionários do Departamento do Tesouro australiano admitiram (anonimamente) ter usado o medicamento para ajudar a completar o orçamento do país a tempo.

Publicidade

O debate cercando drogas como essa é cheio de áreas cinzas. Claro, como editor de site, se eu tomasse essas pílulas diariamente, eu provavelmente conseguiria produzir mais artigos por semana. Isso não afetaria necessariamente o trabalho dos outros repórteres, porém aumentaria a pressão para que eles melhorassem sua produtividade. Especialmente se eu nunca mencionasse que estava tomando a pílula. Dito isso, eu poderia argumentar que sou livre para tomar qualquer medicação, já que isso é parte da minha vida privada. Além disso, diferentemente de mim, muitos dos meus colegas consomem bebidas energéticas o dia todo.

Segundo os professores Mirko Garasic e Andrea Lavazza, se você escolhe tomar esses medicamentos, a coisa mais ética a fazer é contar para seus colegas de trabalho e chefes. Você poderia simplesmente não tomá-los, embora isso pareça um tanto irreal. Segundo Vince Cakic, professor de psicologia da Universidade de Sydney, deveríamos aprender algo vendo quão difícil tem sido controlar o doping nos esportes. Ele pede que os acadêmicos comecem a focar a pesquisa dessas drogas e informar as pessoas sobre os efeitos colaterais, em vez de simplesmente declarar guerra a elas.

Meu dia estranhamente produtivo começou a desmoronar quando tomei uma xícara de café. Quase que imediatamente, meu coração acelerou e comecei a sentir uma pressão no peito. Os efeitos mentais foram ainda mais preocupantes. Comecei a ficar extremamente irritado quando meus colegas pediam um sinônimo, me mandavam um vídeo ou me mostravam um meme. Uma conversa casual entre as mesas, algo que geralmente gosto de fazer, parecia ofensivo – não contra mim, e sim, pior, contra o meu trabalho. Fiquei imaginando por que eles não podiam tomar um monte de drogas também.

Publicidade

Entrou na minha cabeça que a mesa que eu dividia com seis outros colegas não era um ambiente de trabalho saudável, e eu decidi ir à biblioteca da Pontifica Universidad Javeriana. No caminho, o pneu da minha bicicleta furou; assim, fui obrigado a fazer um desvio e parar no borracheiro mais próximo. O processo de consertar um pneu nunca tinha sido tão irritantemente lento. Quando o cara acabou, corri até a universidade como se minha vida dependesse disso.

Logo antes de subir na biblioteca – e muitas horas mais tarde do que o normal –, fumei meu primeiro cigarro do dia. Meu coração, a única coisa no universo que parecia capaz de acompanhar meu ritmo recém-descoberto, começou a acelerar novamente. Me sentei em frente a um computador numa sala silenciosa e escura – e, não sei como, digitei minha senha errada várias vezes. Eu estava suado e minhas mãos estavam tremendo; no entanto, assim que vi minha tela de trabalho abrir, isso me encheu com a mesma satisfação que sinto quando completo uma tarefa.

Segundo Scott Vrecko, um sociólogo especializado em questões médicas, drogas inteligentes não aumentam a capacidade de receber, lembrar e processar informação – elas têm um efeito positivo no humor enquanto a pessoa realiza essas tarefas. Vrecko passou algumas semanas numa universidade norte-americana coletando testemunhos de estudantes que tomaram Adderall, e muitos disseram que a pílula os fazia se sentirem mais capazes de realizar uma tarefa – mesmo antes de começar. Outro estudo aponta que modafinil pode induzir a um estado de confiança excessiva.

Publicidade

Minha segunda tarefa do dia era transferir dados de mapeamento sobre assaltos em Bogotá (por hora e local) de um arquivo em PDF para uma tabela no Excel. Esse é o tipo de tarefa mecânica que geralmente me faz – por ser uma pessoa distraída – cair no Facebook. Entretanto, dessa vez foi diferente. Digitar números se tornou o ponto alto do meu dia, e eu me sentia cada vez melhor enquanto inseria os números na tabela. Um pouco depois, parei de suar e os tremores desapareceram. Não vou mentir: entrei no Facebook algumas vezes, só que, quando eu fazia isso, algo dentro de mim me persuadia a voltar à tarefa.

A pílula funciona, sem dúvida. Mas a que custo? Os médicos Kimberly Urban e Wen-Jun Gao temem que possamos ver danos de longo prazo em indivíduos de menos de 30 anos que usam essas substâncias. Aparentemente, o modafinil pode foder com uma coisa chamada neuroplasticidade, um termo para a habilidade do cérebro de se adaptar a diferentes situações e contextos com o tempo.

O que preocupa os médicos são os efeitos que aumentar a quantidade de dopamina num cérebro em desenvolvimento pode ter. Modafinil e outras drogas inteligentes podem afetar os receptores cerebrais que consolidam a memória de curto prazo e regulam a flexibilidade do cérebro quando se trata de responder a estímulos diversos – como interações sociais. Pesquisadores suspeitam que, a longo prazo, jovens que tomem modafinil – e remédios similares – possam acabar com uma habilidade maior de se concentrar por longos períodos, apesar de sua memória de curto prazo poder diminuir. O que os levaria a desvantagens em situações sociais ou para realizar tarefas que exijam flexibilidade cognitiva – como ser um jornalista ou dirigir. No entanto, a pesquisa de Urban e Gao está cheia de especulações, hipóteses ainda não comprovadas: como em todos os estudos sobre modafinil, faltam nela estudos de longo prazo.

Um dia depois do meu experimento inicial, decidi tomar outra pílula. Os efeitos foram basicamente os mesmos: prazer e bem-estar na biblioteca. Suando por fora. Até decidi não comprar outra garrafa de água na cafeteria porque eu não aguentava ficar na fila. Tive outro problema com a minha bicicleta: dessa vez, deixei ela para trás e fui andando até a universidade. Geralmente, adoro andar; no entanto, por causa da droga, isso me pareceu uma completa perda de tempo. Chegar em casa depois de um longo dia, acender as luzes, fumar um baseado e assistir a alguma série não me deram nem metade do prazer que eu geralmente sinto.

Modafinil é a droga menos divertida que existe (pelo menos, daquelas que já experimentei); entretanto, no vale-tudo que é a vida moderna, ela é a única que faz sentido. Estranho, né? Os mesmos jovens que receberam com entusiasmo drogas como o ecstasy agora estão tomando coisas como o modafinil – que, ironicamente, só te fazem amar o trabalho.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

Siga a VICE Brasil noFacebook, Twitter e Instagram.