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viagem

Trabalho de Domingo

Sem cachaça, dendê ou canjica em mãos fui visitar amarradão - não por amarração - o Santuário Nacional da Umbanda.

Texto por Bruno B. Soraggi
Fotos por Autumn Sonnichsen

O pessoal do Terreiro Caboclo Tupinambá apareceu em peso para reverenciar Oxossi. Pelo sincretismo, ele (orixá da caça e fartura), é São Sebastião. São Sebastião, não por cretinismo, é o padroeiro do Rio de Janeiro.

Sem cachaça, dendê ou canjica em mãos fui visitar amarradão – não por amarração – o Santuário Nacional da Umbanda. Era o último domingo de janeiro, dia em que se encruzilhavam a última semana de abertura do ano espiritual umbandista, a celebração de Oxossi e o adiantamento da festa de Ogum. Às 8h30, a rua de terra de acesso já estava trancada. Faziam fila carros que, lotadas as vagas internas, descarregavam crianças, pais, os nem tão santos, caboclos, pretos, velhos e toda gira de pomba ali mesmo, à direita da estrada de barro que a umidade da mata já tinha feito em lama. Iam e vinham, o batuque e a gente. "Estou calculando umas três mil pessoas aqui hoje, pela segunda semana seguida", deu a guia Pai Ronaldo, responsável pelo lugar que, há 44 anos, ocupa uma área de 654 mil metros quadrados incrustada no Parque Natural Municipal Pedroso que já pertenceu a uma pedreira. Ainda que o nome real, Vale dos Orixás, seja menos pomposo, o trabalho feito naquele terreno é de impressionar virgens de outras escolas: são 268 tendas espalhadas por uma mata reflorestada pela "família umbandista" (lá é mantido um viveiro, com "98%" de mudas de mata nativa e outras "plantas sagradas"), para as quais grupos, a R$ 30 mensais, levam seus terreiros – ou, por R$ 7 da entrada, qualquer caveira pode homenagear os orixás, representados por figuras de até cinco metros, e, quem sabe, curtir uma das cachoeiras com sua entidade preferida. No salário, ninguém toca. "É um preço simbólico. Veja bem, pra manter isso tudo eu preciso de uma renda. Inclusive a lei já nos autorizou a cobrar uma taxa. São 43 pessoas trabalhando aqui, e a gente gasta desde segurança até material de limpeza e papel higiênico [Ah, é. O banheiro lá chama Palácio do Xixi]", explica Ronaldo. Nem na natureza. "O umbandista é, por princípio, destrutivo. Pra se fazer um trabalho, geralmente na mata, a pessoa tinha que derrubar uma área e deixar lá suas oferendas. Aqui a gente quer fazer o contrário, inclusive conscientizando os usuários de que não se deve derrubar nada do que está plantado, apenas plantar mais. Quando chegamos aqui isso estava devastado. Agora tenho árvores que provam a recuperação que temos feito aqui." Mas tocam o coração. "Toda oferenda permanece aqui por no mínimo 24h e no máximo 48h. Passando isso, a parte biodegradável é levada ao minhocário, pra fazer húmus, e as louças são doadas para a Igreja de Rudge Ramos depois de lavadas e retiradas quaisquer energias ou vibrações." Dos veludos da política, o incentivo foi tostão zero. Mesmo porque dessa oferenda não interessa, apesar de o olho gordo ter rolado depois de a inauguração ter trazido 15 mil pessoas ao local, "segundo oDiário do Grande ABC". "Não quero e não aceito ajuda de empresas ou leis de incentivo porque geralmente tudo isso vem acompanhado de algum porém, e o interesse é perpetuar este espaço pelas mãos dos irmãos de fé", passa o ex-radiologista. Enfim, tem muito mais histórias que o pai me contou quando fui até ele. A maioria sobre Umbanda, claro. Mas dessa cachaça bebe quem quer, que do sangue dos outros gosta quem saca as notas. Interessa que lá é todo mundo "bemvindo". Fume, beba, dance, atoche sete velas – ninguém tá nem aí. É um lugar de respeito, e te recebem os donos da casa, sem secretários ou representantes. Única manha é respeitar o anfitrião. Mas aí você já deve saber: em festa de terceiro, padê não se toma. Se oferece.

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Assim seria uma mesa de café da manhã do Manoel Carlos depois do tam-tam que ele merece.

Se a última ceia tivesse sido um churrasco desse naipe, talvez padres não comessem novilhos.

É padê, não pacumê. Rá!

Zé Pilintra, um cigano e Tranca Ruas. Realmente seria passar do ponto.

Olha quem tá aqui! Esses trabalhos de fato fazem do Jack um bobão.

Do porquê sempre ando com fogo: evita que as mulheres dêem atenção para outros caras e nunca deixa uma pombagira na mão. Isso costuma ser necessário.

Batismo do Centro de Umbanda Caboclo Curuá. O banho de cerveja aqui faz parte do ritual. No meu batizado, foi papelão.