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Tudo que sabemos sobre a divulgação das interceptações telefônicas do ex-presidente Lula

Diversos juristas já se posicionaram contra a divulgação das conversas, alegando que foi ato inconstitucional e arbitrário por parte do juiz federal Sérgio Moro.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.

Após o comunicado de que Luiz Inácio Lula da Silva assumirá o cargo de Ministro da Casa Civil, o que gerou uma série de críticas e manifestações, o juiz federal responsável pelas investigações da OperaçãoLava-Jato, Sérgio Moro, determinou a quebra de sigilo das interceptações telefônicas do ex-presidente e das pessoas investigadas na 24ª fase da operação.

Diversos juristas brasileiros já se pronunciaram, questionando a legalidade na divulgação das gravações e sua grave violação à Constituição Federal.

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O professor de Processo Penal da USP Gustavo Badaró disse ao Conjur que Moro deveria ter remetido as gravações ao Supremo Tribunal Federal, já que a presidente Dilma Rousseff foi uma das participantes da conversa e possui prerrogativa de foro privilegiado, de acordo o artigo 102, inciso I, alínea "b", da Constituição Federal.

Outro argumento é que as gravações divulgadas à imprensa não deveriam sequer existir. Segundo o artigo 9º da lei 9.296, de 1996, qualquer gravação que não sirva para fins de prova dos crimes investigados pela polícia deverá ser inutilizada pelas partes do processo. O áudio principal, um diálogo entre a presidente e Lula sobre o termo de posse, não teria nenhuma relação com o processo. Para a oposição, ele é imperativo, pois revela que a nomeação do ex-presidente foi realizada justamente para ele se livrar da jurisdição da Lava-Jato e obter o foro privilegiado do Supremo.

Dilma já se pronunciou sobre o diálogo e disse que ele foi motivado porque Lula não confirmou se iria comparecer ao termo de posse que aconteceu na manhã de hoje (17) em Brasília. Durante a cerimônia de posse do ex-presidente, Rousseff criticou duramente as atuações da Justiça Federal e do Ministério Público, frisando que "golpes começam assim".

A diálogo em questão aparece na íntegra abaixo:

Dilma: Alô
Lula: Alô
Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
Lula: Fala, querida.
Dilma: Seguinte, eu tô mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?
Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
Dilma: Tá?!
Lula: Tá bom.
Dilma: Tchau.
Lula: Tchau, querida.

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Outro argumento levantado por quem foi contra o procedimento é que a conversa em questão aconteceu às 13h32min, após a determinação de Moro de interromper as interceptações, assinada às 11h12min. Ou seja, o juiz divulgou uma conversa em que já não era mais permitida a gravação, ferindo o artigo 8º da lei 9.296/96 que protege o sigilo dos conteúdos. O delegado que realizou a interceptação contou ao Zero Hora que as operadoras de telefonia levam horas para cumprir determinações judicias. "Tanto para interceptar quanto para parar gravar", alega. Moro já declarou que "não viu maiores problemas" na questão dos horários.

Muitos operadores da lei também se pronunciaram a favor do juiz federal. O criminalista Eduardo Ferrão sustenta que não há nada de errado com a quebra de sigilo. Em uma entrevista, o advogado diz que, se a interceptação foi autorizada pela justiça e se houve quebra de sigilo da mesma, não resta o que se falar de ilegalidade. O alvo, Lula, não possuiu nenhum tipo de foro privilegiado até o momento; por isso, não há problemas em divulgar conversas com pessoas que o possuem.

Na decisão de quebra de sigilo, Moro afirma que o ex-presidente sabia que estava sendo interceptado e que isso comprometeu "a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos". Ele também alegou que a publicidade das gravações foi uma "a medida a fim de propiciar a ampla defesa e publicidade".

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A OAB do Rio de Janeiro emitiu uma nota oficial em que repudia a decisão de Moro, dizendo que o "procedimento do magistrado, típico dos estados policiais, coloca em risco a soberania nacional".

"É fundamental que o Poder Judiciário, sobretudo no atual cenário de forte acirramento de ânimos, aja estritamente de acordo com a Constituição e não se deixe contaminar por paixões ideológicas. A serenidade deve prevalecer sobre a paixão política, de modo que as instituições sejam preservadas. A democracia foi reconquistada no país após muita luta e não pode ser colocada em risco por ações voluntaristas de quem quer que seja. Os fins não justificam os meios," conclui a nota.

Em contrapartida, o presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, se posicionou a favor de Moro, lembrando que sempre cobrou a publicidade dos processos para conhecimento da sociedade. Em uma das gravações, Lamachia foi xingado pelo predecessor do cargo de Ministro da Casa Civil, Jacques Wagner, em uma conversa com Lula. O ex-ministro chamou o presidente da entidade de "filho da puta" por ele ter pedido a divulgação da delação premiada de Delcídio do Amaral para protocolar um novo pedido de impeachment.

Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, foi à imprensa logo após a divulgação das gravações para criticar a atitude de Moro. O advogado de defesa considerou-a um caso de "arbitrariedade" para gerar "convulsão social". Sérgio Moro, considerado midiático e distante do papel de imparcialidade imputado à um juiz, também foi duramente criticado por ter permitido a divulgação das conversas de Lula com seu outro advogado, Roberto Teixeira, por não conseguir identificar "com clareza relação cliente-advogado a ser preservada entre o ex-presidente e referida pessoa". O advogado e deputado federal (PT-RJ) Alberto Zacharias Toronacredita que Moro feriu a prerrogativa da função do advogado e também o princípio constitucional da privacidade.

Dentre as gravações divulgadas, está também um diálogo de Lula com o Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB-RJ). O prefeito chegou a dizer que o sítio de Lula parecia ser em Maricá, região pobre do Rio de Janeiro. Paes pediu desculpas e admitiu ter sido "infeliz" na brincadeira.

Outros comentários "inconvenientes" estão circulando nas redes. Lula, numa conversa com ex-ministro Paulo Vannucchi, gravada na última terça-feira pela Polícia Federal, chamou as feministas do PT de "mulheres do grelo duro". Nem a ex-petista e atual PMDB, Marta Suplicy, foi poupada numa conversa com Jacques Wagner, que disse que a ex-prefeita de São Paulo mereceu ser xingada de "puta" no último protesto de domingo para aprender.

Enquanto os gramados do Planalto estão ocupados por manifestantes contra o governo federal do PT, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) marcou atos em todo o país para prestar "total apoio à independência judicial do juiz federal Sergio Moro e de todos os magistrados federais que atuam nos processos da Operação Lava-Jato." Em São Paulo, juristas marcaram um ato para hoje, às 19h, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, para protestar contra os atos da Justiça Federal e do Ministério Público.

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