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Tuning ou "xuning"? Uma Noite falando sobre carros e racha

Dizem que um dos piores rolês possíveis em SP é ir pro posto de gasolina tomar cerveja e conversar. Passei uma noite fazendo isso aí e falando sobre "tuning", "xuning", banco concha, gaiola, carro rebaixado e racha.

Há quem diga que o pior rolê paulistano possível é colar num posto pra tomar cerveja e conversar. Fiz isso por uma noite pra falar com uma molecada que tem duas paixões: carros modificados e velocidade. Ali, a grande febre são os Subarus dos anos 90. O que descobri é que pessoas automobilisticamente ignorantes como eu chamam de “tuning” hoje é conhecido por “xuning”, ou seja, um mau gosto sem tamanho na hora de mexer no carro. A pegada mudou: colar adesivo na lateral ou meter tiras de led agora é cafona pra caralho.

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Minha primeira atitude é ir até a conveniência comprar uma cerveja. Pergunto para a moça do caixa se a noite será animada. "Os meninos do racha tão aí, mas logo vão embora". Racha? Quando me encontro com os caras, percebo que sou a única bebendo algo alcoólico. Conversando com eles (que ainda estão na faixa dos 20 e poucos anos), comento sobre o que a atendente me disse. Eles dão risada e descubro que a maioria ali condena os rachas, mas todos amam velocidade. Não que eles nunca tenha participado. Inclusive, um ou outro já viu a morte de perto. Hoje, em vez de disputar pelas avenidas da cidade, eles preferem juntar uma galera e correr no autódromo. Não por coxinhice, mas porque não acham que valha a pena correr o risco de machucar alguém.

O primeiro Subaru que avisto é branco e traz um recado na parte da frente: “Rust is not a crime”. Quando deslizo os dedos no capô, entendo. Está todo enferrujado, com uma textura áspera. Um dos meninos dá uma zuada dizendo que “se esse carro atropelar alguém, a pessoa morre de tétano”. Marcos Steinhoff, conhecido como Mark, conta que depois de assistir a um vídeo australiano em que uns caras enferrujavam um carro com cerveja, quis fazer o mesmo. Breja? É. “Lixei o capô inteiro, tirei toda a pintura e joguei uma latinha de cerveja. Deixei um tempo e ele foi enferrujando”, conta.

Mark trabalha com design e tem uma pequena oficina onde realiza pinturas de roda e para-choque. Seu carro é de 1998, mas ele já gastou uns R$ 10 mil reais nessa brincadeira de mexer na estética e na mecânica. “Fiz up de freio, coloquei suspensão de pista – que dá mais estabilidade pro carro, mas fica desconfortável pra dirigir –, troquei escapamento, coloquei filtro cônico de ar, banco concha e gaiola de proteção”, detalha. Pergunto para que serve a tal da gaiola. “Se o carro capotar, o teto não amassa e não mata quem está dentro. Custa uns R$ 2.500 ou mais.” Evitar mortes é o quê? Sempre legal.

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Conversando sobre velocidade, me deparo com Nelson, que também tem um Subaru há um ano e meio e diz que nunca bateu ou deu um totó sequer. “De vez em quando, a gente dá uma aceleradinha a mais, mas não somos de racha. Não gostamos de tirar racha. Às vezes, você pega uma retinha com o trânsito aberto e dá uma pisada. O carro tem um visual agressivo, mas é mais pra desfilar”, justifica.

As pessoas confundem muito o lance de modificar o carro com tirar racha? Nelson acha que sim e também me explica sobre o "xuning". "Quando surgiu o primeiro Velozes e Furiosos, o filme, criou aquela coisa do tuning. Hoje não tem mais. O que era legal naquela época, não é mais. O pessoal chama de "xuning". Meio chulé, meio xumbrega. Tipo, colocar tapete de busão ou aqueles adesivos na lateral imitando mechas de fogo."

Entretanto, há quem tenha visto a morte a um palmo. Analista financeiro, cabelo raspado, camiseta do Red Hot Chilli Peppers e cara de menino bonzinho, André Azevedo conta sua história. “Eu ainda era menor de idade quando participei de um racha. Foi a maior burrada que fiz na minha vida. Montei um Civic Turbo e fiz uma cagada. Bati muito forte numa mureta da Avenida 23 de Maio, a mais de 120 km/h. Sofri um acidente muito grave. Fiquei muito tempo no hospital. Graças a Deus eu tô vivo.” O acontecido serviu de lição, mas a vida ainda tem espaço pra velocidade. “Aprendi a fazer isso de forma correta: nos encontros de carro, em que colocamos dinheiro pra poder correr em locais apropriados. Depois conheci essa onda de arrancadas e track days, quando as pessoas pegam carros de rua e botam pra correr em autódromo.” Ele conta também que se arrepende de várias merdas que fez, como ter modificado o carro de um jeito perigoso: muito motor e pouco freio.

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"No Japão, tem uns caras chamados Kanjo, que dirigem uns Civics pouco mexidos, mas andam na rua que nem uns retardados", compara André.

Além de comandar a cozinha do Hooters e pilotar um Subaru, Samuel Della Nina tem outra paixão: carro rebaixado. Mas rebaixado mesmo, a ponto de não conseguir entrar na própria garagem. “Você tá com o carro baixo, raspando em tudo. Todo mundo tá te chamando de imbecil e você tá lá, rindo. É engraçado até com quem você vai sair. A mina pensa ‘Nossa, ele tem um Subaru’. Ela já acha que é um WRX topzaço e que seu pai é mó playba da porra. Você chega com um bagulho 98, baixo, arrastando as rodas nos para-lamas e falando: ‘Não dá pra levar sua amiga junto porque meu carro tem aro 19’”, diz, enquanto os moleques ao redor se mijam de rir.

Todos que estavam no posto têm muito em comum: dispensam o mecânico pra ficar embaixo do carro se sujando de graxa enquanto fazem reparos e modificações com as próprias mãos, reclamam dos preços dos veículos e das peças no Brasil e discutem o porquê da modificação de carros ainda ser marginalizada. "A gente faz o que pode pra colocar essa brincadeira na legalidade", reiterou o André.

Por volta da meia-noite, a maioria já se despedia e ia embora pra casa. Fiquei com a impressão de que a rapaziada tinha mesmo consciência quanto ao lance de correr pela cidade e não sair por aí matando pessoas, mas não pude deixar de reparar uma coisa: ao partir, um dos Subarus atropelou uma inocente baratinha na calçada.

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