Um papo sobre moda e sustentabilidade com Oskar Metsavaht

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Sustainability Week

Um papo sobre moda e sustentabilidade com Oskar Metsavaht

Pensando em moda sustentável no Brasil, a Osklen, sem dúvidas, é um dos principais nomes. A marca carioca criada em 1989 por Oskar Metsavaht é uma das pioneiras em tecnologias e inovações no assunto no país.

Pensando em moda sustentável no Brasil, a Osklen, sem dúvidas, é um dos principais nomes. A marca carioca criada em 1989 por Oskar Metsavaht é uma das pioneiras em tecnologias e inovações no assunto no país.

A questão de preservação da natureza é algo que está presente desde cedo na vida de Oskar. Quando era mais novo, ele tinha uma relação muito forte com a natureza, pois fazia viagens com sua família para explorar florestas, acampar em montanhas e praias. Inclusive, foi depois de voltar de uma expedição aos Andes que surgiu a ideia de criar a Osklen.

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Foi em 1998 que a marca lançou seu primeiro projeto visando a educação ambiental, onde foram criadas roupas em tecidos reciclados, com estampas que destacam pontos fundamentais do movimento ecológico, como a Carta da Terra e o Protocolo de Kyoto.

Para Oskar, a sustentabilidade precisa ser uma missão, não uma ação de marketing de curto prazo.

O Instituto-E é uma grande parceira da Osklen no assunto sustentabilidade. A diretora Nina Braga, diz que a meta do Instituto transformar o Brasil em referência de desenvolvimento sustentável. A ONG, onde o Oskar é presidente, é responsável por fazer as pesquisas ambientais e curadoria para os projetos da Osklen, desde descobrir novos materiais para as novas coleções, até fazer a ponte de comunicação entre a marca e novos produtores, aldeias de índios, etc.

A ONG, criada em 1999, tem um projeto chamado "e-fabric", que consiste em pesquisar materiais e produtos sustentáveis e sócio-ambientais para qualquer marca de moda. "Como temos esta relação com a Osklen, quando descobrimos um novo material, oferecemos pra eles em primeiro lugar.", diz Nina.

Em 2011, o Instituto fez um projeto muito aclamado em parceria com a Osklen para o Ministério do Meio Ambiente da Itália, chamado "Traces", onde realizaram o rastreamento da pegada de carbono, análise do ciclo de vida e impactos socioambientais de seis produtos confeccionados com materiais usados pela Osklen: algodão orgânico, algodão reciclado, PET reciclado, couro de pirarucu, eco-juta e algodão orgânico.

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Para Nina, uma das maiores dificuldades para este mercado se desenvolver melhor no Brasil é a falta de escala. "O grande problema da moda sustentável no Brasil é que não temos escala de produção. Por isso, os preços dos produtos acabam ficando muito elevados. A maioria das pessoas não vê o valor agregado por trás das roupas confeccionadas, só o preço final. Em alguns outros países essa consciência já está mais desenvolvida, mas aqui no Brasil ainda falta as pessoas se educarem sobre isso.", diz.

A crise econômica atual também é um dos fatores para atrasar este crescimento. "Estamos vivendo uma grande crise e isso afeta todos os setores. O consumidor até gostaria de poder comprar estes produtos, mas neste momento não é algo que está em suas prioridades.", completa.

E sobre a situação futura da moda sustentável, Nina acredita que há um mercado no Brasil sim."A industria da moda gera uma quantidade imensa de dejetos. E a situação ambiental está cada vez pior, então as pessoas estão começando a prestar atenção e ficar preocupadas com isso. Então eu acho que há um futuro sustentável na moda por aqui sim. A tendência é comprar menos, mas com mais qualidade. Com a ética e estética caminhando juntos."

Aproveitamos a oportunidade para conversar com o Oskar sobre o cenário da moda brasileira atual, seu futuro, e claro, sustentabilidade.

Como surgiu a ideia de fazer uma moda ecologicamente correta?
Tive uma educação familiar onde a questão de preservação da natureza e equidade social sempre estiveram presentes através de ações dos meus pais. Meu sobrenome traduzido para o estoniano quer dizer "Guardião da Floresta". Meu avô tinha, em Porto Alegre, um grande amigo que foi um dos primeiros, senão o primeiro, ecologista brasileiro,o Lutzemberg. Íamos à casa dele quando crianças. Além disso, meu pai, que praticava muitos esportes ao ar livre, me ensinou o valor e respeito da natureza.

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Com essa base familiar passei a fazer viagens e expedições nas quais acampava em florestas, praias e montanhas nevadas. Tanto que a Osklen começou como uma marca Outdoors, e a ideia nasceu a partir de uma expedição que fiz aos Andes.

No Rio, tivemos a Rio92 , a maior conferencia em sustentabilidade da história e eu tive a oportunidade de vivenciá-la. Ali conheci a questão do Desenvolvimento Sustentavel, que não era somente romântica em relação à preservação e equidade social, mas também uma forma de empreender tendo essas questões como relevantes.

No fim dos anos 90, comecei a desenvolver projetos com materiais de origem sustentável e percebi que poderia aliar minha criatividade e experiência para transforma-los, através da linguagem de moda e qualidade que a Osklen se propõe. Quis mostrar o quanto estas matérias-primas e sua origem são nobres, porque, na época, a maioria das pessoas não conseguia enxergar isto. E se não fossem vistos dessa forma, não seriam consumidos. Afinal, a sociedade de consumo buscava por tendências atuais, pelo que era visto como cool, como luxo. Mas, na minha tese, que me acompanha desde 18 anos atrás, essa visão era ultrapassadas, coisa do antigo milênio. Essa ideia não tinha nada a ver com meus valores, que acabaram expressos nestes novos pensamentos e filosofias de desenvolvimento sustentável. Pensamentos estes, que estão na 'Agenda 21', que aponta os caminhos para o mundo no século XXI.

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E, com certeza, vislumbrei que esta, alem de uma causa nobre da Osklen, seria uma questão importante para o futuro, e não somente uma nova tendência.

Apesar da sustentabilidade ser um assunto importante na moda mundo a fora, desde alta costura até fast fashion, nós não vemos essa preocupação (ou tendência) refletida aqui no Brasil. Por que você acha que isso acontece?
Simplesmente porque a Moda no Brasil não existe. O que existe aqui é moda, com M minúsculo. Infelizmente, somos um pais com um nível cultural muito baixo, tanto nas artes como no design. Por aqui seguimos tendências, somente, e o pior é que nos atemos ao superficial da tendência, sem nem ao menos entender de onde ela veio, de como um criador fundamentou os seus conceitos e os decodificou em design e assim em uma coleção. Simplesmente, a nossa moda vai lá na Europa e USA e "pesquisa".

Para a maioria aqui, Sustentabilidade foi apenas uma "tendência". Como qualquer outra que, na moda, torna-se efêmera. Mas sustentabilidade é uma tendência de movimento sociológico milenar, é uma via de atos e projetos de mudança de paradigmas de nossa civilização. Não tem que ser compreendida assim. Mas por aqui tudo é bastante superficial, na moda, as pessoas acreditam que se algo já foi muito falado não é preciso fazer mais, o que passará a importar é o que a blogger 'X' estará usando. Além disso, o conceito de sustentabilidade ficou deturpado, confunde-se com atitudes como ser vegano, olhar para os animais abandonados, e assim por diante. Ser sustentável é fundamental, imprescindível, para uma marca em pleno século 21. Ela precisa ter projetos que mudem a forma de desenvolver seus produtos, mesmo que isso leve 5, 10 ou 50 anos. Que se inicie com pequenos projetos, com 1% de sua produção e que vá aumentando. Sustentabilidade precisa ser uma missão, não uma ação de marketing de curto prazo.

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Você acha que a forma de consumo dos brasileiros está mudando ultimamente?
Acho que de uma camada com nível sociocultural mais alto (repare que digo aqui sociocultural e não socioeconômico) esta mudando, sim. As escolas, por exemplo já estão dando, há uma decada, informações sobre este tema. A próxima geração já vem bem mais consciente. Pena que complicam a cabeça delas misturando política ao tema, o que confunde ou, pior, direciona de uma forma bastante ideológica, ao invés de empreendedora e social.

Como você vê a moda brasileira ultimamente?
Acho-a pobre, cópia barata de fora, que não visa e não prestigia os criadores autorais e a qualidade dedicada aos produtos. Visa somente ao mercado da hora e o pior, se traveste de Moda, pois não há instituições no Brasil que primem pela nossa qualidade e originalidade. Nenhuma. Desde a mídia especializada às nossas escolas, passando pelas instituições do setor tanto o da Industria têxtil quanto a de manufatura e até a nossa própria, dos estilistas. Não há um filtro, não há uma qualificação, não há prestígio das que são originais. Se continuar assim, não vejo um futuro para a nossa moda. Pena. Lá fora existe e cada vez mais se fortalece.

Você acha que no mundo da moda faltam projetos focados em sustentabilidade?
Sim. Como sustentabilidade é inovação, sofre com todos os problemas de investimentos, de escala e de informação. Fala-se muito, mas faz-se pouco. E além de ser pouco, na maioria das vezes é bem banal, mas é divulgado de maneira que esse pouco se apresenta como grandes projetos e, então, os consumidores adoram, a mídia idem. E, dessa forma, acabam por serem confundidos com projetos mais consistentes, mas sem visibilidade e sem apoio.

A Osklen tem uma parceria com a ONG Instituto-E há anos. Me conte mais sobre essa parceria.
O Instituto-E surgiu a partir do conjunto de projetos que fui criando ou apoiando ao longo dos últimos18 anos, através da Osklen - quando eram relacionados a Moda – e de outros projetos em outras áreas. Ou seja, ele nasceu encubado na Osklen, mas virou um braço independente, porque sempre percebi que esta questão de desenvolvimento sustentável não deve ficar restrito ao seu próprio negócio. As práticas que você desenvolve, para que se tornem legitimamente nobres e universais, devem ser compartilhadas. Claro que cada empresa deve ter seus segredos competitivos, mas, neste caso, tenho a confiança em nossa criatividade e estilo originais como vantagem.

O IE é quem faz a pesquisa e curadoria de projetos, alem de desenvolver os nossos próprios, junto a outras instituições na área do desenvolvimento sustentável social, ambiental e cultural. Mais informações aqui: http://institutoe.org.br/

Qual foi sua coleção favorita desfilada até agora? Quais foram os materiais utilizados?
A melhor sempre é a última! Mas em questão de sustentabilidade todas. Porém tenho duas que considero conceitualmente mais fortes. A 'A21', que fizemos durante a Rio+20, onde apresentei um manifesto e nossos conceitos e praticas de sustentabilidade, com um viés super contemporâneo, quebrando paradigmas (vide o meu artbook A21). Omesmo fiz em uma coleção chamada 'Chuva' (Monsoons), na época do movimento "I'm not a plastic bag", mais uma campanha naif, embora a compreenda.Na época, fiz questão de colocar na passarela peças feitas de plástico e de couro de jacaré, para que as pessoas parassem de achar que a Osklen era "sustentável" da maneira que classificam Desenvolvimento Sustentável. E para pararem para refletir sobre o plástico e sobre o uso de peles de animais, que são pensamentos bastante naifs: Não é o plástico o nosso inimigo e sim nós mesmos, que o usamos em excesso e descartamos de qualquer maneira. Somos mal educados e colocamos a culpa no produto; quanto ao uso de pele de animais, ele pode ser feito de uma forma controlada, com animais criados em cativeiro para a alimentação.Ou, então, a partir de pele de animais que tenham sido abatidos para o controle do ecossistema, o que é uma ação de conservação da natureza e não o contrário, como muitos acham. Para exemplificar essas possibilidades, usei a pele de jacaré proveniente de um abate pelo IBAMA e plástico de origem sustentável. Fiz justamente para quebrar estas informações deturpadas, que geram posicionamentos, as vezes até exagerados, de boa parte da sociedade, no que diz respeito ao significado de desenvolvimento sustentável, que só pode ser alcançada através da preservação da natureza e de uma equidade social que permita a inclusão de novas práticas de produção para a indústria da moda.