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Um psicólogo explica por que as pessoas não dão a mínima pra aquecimento global

O autor do livro “What We Think When We Try Not to Think About Global Warming” explica o “paradoxo climático”, um fenômeno deprimente observado em países ricos onde a preocupação com as mudanças climáticas diminuiu.
dois homens lago montanhas nevadas

A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA anunciou no mês passado que a concentração de monóxido de carbono (CO) na atmosfera ultrapassou 400 ppm pela primeira vez na história registrada. A agência acrescentou que o nível médio de emissões está aumentando e que devemos esperar alcançar o "ponto sem volta" de 450 ppm mais rapidamente que marcos anteriores, a menos que as emissões sejam dramaticamente reduzidas.

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O quê? Você já vai clicar em outra aba? Você não se sente pronto para começar um estilo de vida de baixo carbono? Você não sabe o que "ponto sem volta" significa?

Você não está sozinho, especialmente se mora num país do Ocidente, e Per Espen Stoknes não está surpreso que você se sinta assim. Stoknes é o autor de What We Think About When We Try Not to Think About Global Warming ("O que Pensamos Quando Tentamos Não Pensar Sobre Aquecimento Global", sem tradução), que começa explorando o "paradoxo climático". Trata-se do fenômeno deprimente observado em países ricos como EUA, Canadá e Austrália, onde a preocupação do público com as mudanças climáticas diminuiu, apesar do consenso entre os cientistas que analisam o clima e das notícias cada vez mais assustadoras sobre mudanças climáticas na mídia. Psicólogo e economista, Stoknes comenta descobertas de psicologia social, evolutiva e cognitiva comportamental para explicar por que as pessoas que falam inglês não dão a mínima para as mudanças climáticas. Felizmente, ele também oferece estratégias para você falar sobre o meio ambiente e deixar seu ponto claro. Discutimos essas recomendações, cujas implicações são fortes, especialmente para jornalistas e ativistas.

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Foto cortesia de Per Espen Stoknes.

VICE: Na sua opinião, por que o jornalismo que trata das mudanças climáticas não tem conseguido convencer o público da urgência do problema?
Per Espen Stoknes: Estudos mostram que mais de 80% dos artigos de jornal sobre relatórios de mudança climática do IPCC usaram o enquadramento de catástrofe. Além disso, muitos jornalistas têm citado ativistas que negam as mudanças climáticas para dar voz aos "dois" lados, uma prática que cria um "equilíbrio falso".

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Hoje, aquecimento global é a maior história já contada. Recentemente, acredito ter visto uma mudança na cobertura no The Guardian por exemplo. A principal mudança é contar histórias sobre pessoas que estão fazendo a mudança acontecer, concentrando-se em oportunidades, soluções e verdadeiro crescimento verde. Da psicologia, sabemos que a melhor mistura para se criar envolvimento e criatividade é uma porção de um para três entre histórias negativas e positivas. Minha própria pesquisa resultou em quatro grupos principais de narrativas que precisam ser contadas: a) oportunidades de crescimento verde; b) maior qualidade de vida, ou seja, como uma sociedade de baixo consumo de carbono parece?; c) histórias de manejo ético; e, finalmente, d) histórias sobre retorno à vida selvagem e resistência da natureza. Quanto mais as pessoas acreditarem que podemos criar uma sociedade melhor com emissões mais baixas, mais rapidamente elas vão começar a agir.

Continua abaixo.

Como essa dissonância se explica psicologicamente e como ações contra as mudanças climáticas podem se organizar para superar isso?
Digamos que você é influenciado pelos seus colegas a perturbar alguém, verbal e fisicamente. Depois de fazer isso – para manter uma imagem positiva de si mesmo –, tendemos a reduzir a dissonância ("Não sou um cara mau, sou uma boa pessoa"), criando justificativas como "Essa pessoa é chata/louca/idiota" ou "Ela merece isso". Ou pelo lado positivo: digamos que você é gentil com alguém, dá dinheiro para um mendigo ou doa sangue. Se você acha que essas causas não são importantes, a dissonância ataca: "Sou uma boa pessoa, mas estou desperdiçando meus recursos". Portanto, tendemos a evitar isso, sustentando para nós mesmo que estamos agindo para algo maior. "Estou fazendo isso; portanto, a causa deve ser importante".

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Portanto, quanto mais dirigimos, comemos carne, voamos ou vivemos em prédios com alto consumo de energia, mais dissonância experimentamos quando ouvimos falar dos efeitos terríveis do aquecimento global como resultado de nossas ações. O oposto: quanto mais dirigimos carros elétricos, usamos bicicletas, comemos alimentos de plantio direto e colocamos painéis solares nos nossos telhados, mais acreditamos na importância das mudanças climáticas. Portanto, tornando [as coisas] mais simples ou [deixando] a opção padrão agir em benefício do clima, podemos construir mais atitudes consistentes que realmente apoiam as políticas climáticas.

Falando em carne, vários estudos concluíram que a agricultura animal contribui para as maiores emissões responsáveis pelas mudanças climáticas – mais do que energia e transporte. Você acha que uma mudança em massa para uma dieta baseada em plantas é possível? Quais barreiras sociopsicológicas estão no caminho?
Se você gritar com as pessoas "Você não pode comer carne!", é mais provável aumentar a resistência delas. Você pode estar ecologicamente "certo", mas as barreiras psicológicas vão se levantar rapidamente. É preciso criar apoio entre o público para pressionar por mudanças estruturais; além disso, deve-se cortar o desperdício de comida, diminuir o desmatamento, fazer mais plantio direto, reduzir o consumo de carne, aumentar o cultivo orgânico, etc.

Fundamentalmente, a agricultura deve se tornar mais carbono-negativa, armazenando mais carbono no solo do que emitindo. E, do lado dos consumidores, tem de ser fácil, divertido e inspirador fazer e comer alimentos baseados em plantas. Acho que já começamos a ver explorações culinárias nesse sentido. Em Oslo, fizemos um estudo que colocava as opções vegetarianas como "o especial do dia" ou o prato padrão. Isso contribuiu substancialmente para a redução do consumo de carne.

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"Devemos contar mais histórias do sonho, não dos pesadelos. Devemos descrever aonde queremos chegar, como num crescimento verde mais inteligente, em vidas mais felizes e cidades melhores."

No livro, você afirma que, como os indivíduos querem defender suas identidades e comportamentos diante dos alertas sobre as mudanças climáticas, a questão se tornou politicamente polarizada. As mudanças climáticas como questão política podem ser despolarizadas o suficiente para que as pessoas possam agir sem medo de serem atacadas?
Aplicamos uma mistura de estratégias que podem dissolver a polarização: uso de redes sociais, enquadramentos de apoio, ações simples, histórias e sinais. Começamos mudando os mensageiros para pessoas que estão dentro de redes sociais não polarizadas, como times esportivos, igrejas, bairros e cidades. Segundo, evitamos o enquadramento de desastre, custo e sacrifício, e falamos sobre a questão em termos de oportunidade, segurança, gerenciamento de risco, saúde e resistência. Terceiro, tornamos comportamentos, como adquirir painéis solares, equipamentos, casas, locomoção pela cidade, energeticamente eficientes, mais simples e mais convenientes. Quarto e mais importante, contamos novas histórias do sonho, não dos pesadelos. Devemos descrever aonde queremos chegar, como num crescimento verde mais inteligente, em vidas mais felizes e cidades melhores, em administração em vez de domínio e no retorno à natureza selvagem, permitindo que ela floresça de novo.

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Ainda assim, indivíduos poderosos, como o CEO da ExxonMobil, veem as adaptações às mudanças climáticas como uma perda líquida. Você acha que uma organização social a partir da base pode realmente acumular apoio suficiente para influenciar o comportamento de gigantes econômicos, que querem manter o status quo?
Não. Uma organização social, de baixo para cima, sozinha, não pode vencer uma luta direta com os dinossauros do petróleo. Mas outros gigantes podem e vão fazer isso. Das quatro maiores companhias do mundo, apenas uma é petroleira. As outras três são Apple, Google e Microsoft. Por que essas empresas deveriam deixar a ExxonMobil arruinar o crescimento de seus mercados consumidores, o que o aquecimento global vai fazer? Empresas globais entendem e reconhecem o valor futuro de um clima benigno para um mercado estável. Tempo extremo, com enchentes na Ásia e secas no Vale do Silício, afeta os dois lados da cadeia de fornecimento e perturba a qualidade de vida de seus melhores trabalhadores. Há poucos negócios num planeta destruído. Além disso, outros jogadores fósseis estão mudando: o carvão está morrendo – caindo 70% em valor nos últimos anos –, e outros CEOs de gigantes do petróleo e do gás sinalizaram que estão prontos para pagar um preço pelo carbono. Investidores inteligentes logo vão descobrir as novas tendências e reconhecer que a margem de lucro no setor fóssil está caindo relativamente em relação a outros setores. Então, seja lá o que os dinossauros da ExxonMobil digam, as outras companhias estão avançando e aumentando seu número de consumidores. Agora, é uma competição entre empresários, não mais de idealistas versus empresários. A direção é inevitável. Só o tempo permanece incerto.

Você parece otimista sobre a capacidade da tecnologia de facilitar estilos de vida sustentáveis, mas muito do otimismo tecnológico expresso na mídia ainda é centrado em tecnologias que buscam desafiar os limites ecológicos, como colonização interplanetária. Esse tipo de ideia afeta o desejo das pessoas de agir na questão das mudanças climáticas, já que elas acreditam que nosso ecossistema vai inevitavelmente se expandir além dos limites da Terra?
A tecnologia não vai consertar isso. Há muita ilusão de salvação na nossa cultura cristã. Nem a tecnologia em si, escapar para outros planetas ao estilo Jornada nas Estrelas, nem esperar Jesus voltar podem cortar isso. Assim como o sonho dos economistas de um preço global do carbono, essas ficções pertencem ao que os psicólogos chamam de "pensamento positivo". A absorção da tecnologia é moldada pelo sistema social do qual isso faz parte, e isso molda a sociedade em retorno. Qualquer tipo de transformação vai resultar em interações confusas entre tecnologias públicas, governamentais e comerciais. Não há uma bala de prata. Mas ainda há uma esperança de que nosso envolvimento, através de reformas públicas, governamentais e empresariais, vai causar o desvio a tempo.

Há muitas boas razões para nós, humanos, resistirmos aos muitos fatos tristes das perturbações climáticas: a "alienação global". Isso acaba na pergunta "Por que se importar?". Essa pergunta revela um fato simples: os obstáculos mais fundamentais para evitar perturbações climáticas perigosas não são principalmente físicos, tecnológicos ou mesmo institucionais – eles têm a ver com a forma como alinhamos nosso pensamento. Esse alinhamento perdido se mostra claramente na atual falta de coragem, determinação e imaginação para realizar as ações necessárias para combater as mudanças climáticas. Mas essas capacidades humanas, felizmente, são renováveis como o vento e o sol. Os humanos vão agir a longo prazo quando as condições estiverem certas. Portanto, todos os comunicadores de mudanças climáticas precisam ajudar a construir as normas sociais, os enquadramentos de apoio, as ações simples, as novas histórias e os sinais necessários.

Bill Kliby é um jornalista freelance que mora em Los Angeles.

Tradução: Marina Schnoor