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viagem

Um Tour pelas Bocas de Droga e Pontos de Prostituição de Praga

Demos um rolê com um guia viciado em heroína para conhecer os buracos decadentes das ruas de Praga.

Karim, nosso guia no passeio

“Bem-vindos a Sherwood!”, proclama nosso guia, parado num pequeno parque, situado na frente da principal estação de trem de Praga. “Robin Hood costumava roubar dos ricos para dar aos pobres. Aqui você vai encontrar mendigos, viciados, prostitutas e sem-teto, mas nenhum Robin Hood. Aqui todo mundo rouba de todo mundo.”

Assim começa um dos passeios a pé menos familiares da Europa. Realizado por uma organização de assistência aos sem-teto, a Pragulic, esse tour não é um dos passeios típicos pela Ponte Carlos e o castelo, mas um itinerário muito mais sombrio, que guia turistas pelos buracos mais decadentes e menosa conhecidos da capital tcheca. Todos os nove guias empregados são sem-teto ou passaram uma boa parte da vida morando nas ruas. Os passeios guiados por eles, exploram o triunvirato drogas, prostituição e sarjeta, com um pouco de corrupção policial e assassinatos da Máfia aqui e ali.

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Nosso guia – o mais popular da trupe, segundo a Pragulic – é Karim. Ex-michê e viciado em heroína, ele passou 25 dos seus 40 anos morando e trabalhando nas ruas de Praga.

Karim vestia um casaco de couro que balançava teatralmente em cada esquina, além de muito delineador preto em volta dos olhos e um amontoado de pingentes e berloques no pescoço. Suas mãos – uma confusão de tatuagens e anéis góticos elaborados – não parou de se mover, chamando a atenção para cada boca de crack, bordel ou ajuntamento de mendigos pelo caminho.

“Na escadaria, ali em cima, as pessoas usam drogas, transam e dormem”, ele nos diz. “Nos anos 80 e 90, a Estação Principal era um dos principais pontos de prostituição masculina. Havia uma varanda na estação onde as pessoas transavam, outros usavam o parque. Hoje em dia, o parque é mais uma sala de estar para os sem-teto.”

Uma olhada rápida em volta confirma isso: uma variedade de mendigos, vagabundos e usuários de drogas ocupam os bancos, ou estão desmaiados na grama ao redor. É difícil saber o número exato de sem-teto em Praga, mas estima-se algo em torno de 3.500, constituindo um grupo com membros de todas as idades e intelectos, de crianças a adultos com formação universitária. Karim nos guia através dos mendigos que dormem no parque e entra numa rua lateral, passando pelo Museu Nacional até chegar à Praça Wenceslas, famosa pelas marchas populares durante a Revolução de Veludo de 1989 (e uma fortaleza para muitos dos cafetões de Praga).

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“Esse é o único lugar onde os cafetões ainda mandam”, diz Karim. “Todas as outras prostitutas trabalham por conta própria agora, ou usam taxistas para trazer clientes. É aqui que as garotas estrangeiras operam – russas, ucranianas, búlgaras e romenas. Cada uma tem seu próprio cafetão rondando por perto, oferecendo drogas e subornando policiais para que possam continuar trabalhando aqui.”

“Há três categorias na polícia tcheca”, continua Karim. “Os policiais municipais fingem que não nos veem e até nos dão um cigarro ou puxam conversa. A polícia estadual frequentemente espanca os traficantes, depois pergunta por que eles estão fazendo isso. E a terceira categoria é formada pelo que chamamos de híbridos – policiais que de alguma forma estão entre a polícia estadual e a municipal. Se você está vendendo drogas, mendigando ou se prostituindo, eles vão automaticamente te pedir dinheiro, bastante dinheiro. Se você pagar, eles reconhecem seu trabalho e deixam você continuar.”

Olhando para trás, na direção do museu, no final da praça, Karim aponta a figura de pedra imponente de Wenceslas – o bom rei checo – que observa os negócios escusos entre policiais e criminosos logo abaixo. Não é essa cooperação o mais chocante (especialmente considerando a antiga reputação da polícia local de embolsar uma coroa sempre que a oportunidade surge) mas a maneira como a praça é perfeitamente dividida em territórios de policiais bons e maus.

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“Da estátua até a ferrovia é onde traficantes, mendigos, prostitutas e trombadinhas ficam, desde que tenham pago à polícia”, explica Karim. “Na parte baixa da Praça Wenceslas, os policiais não querem dinheiro; eles estão sempre mudando e você não pode brincar com eles. Então a parte alta da praça lucra com prostituição enquanto a parte baixa luta contra isso. Muitos dos policiais da parte alta também são clientes: eles compram drogas e pagam para fazer sexo com as prostitutas.”

Descendo a Praça Wenceslas, cruzamos com meia dúzia de garotas, se vendendo sem nenhuma migalha de sutileza. Há um grupo de cafetões e traficantes da África Ocidental à espreita alguns metros à frente, tentando vender drogas aos turistas. Essa cena noturna se passa longe do ambiente inócuo de comedores de salsicha no qual a maioria de nós, turistas, estávamos algumas horas atrás. Pausando para contar uma história de 1968 sobre uma famosa travesti que espancou soldados russos com uma bolsa (“Eles ficaram tão chocados que acabaram num hospital psiquiátrico”), Karim nos informa que os tempos mudaram para a indústria.

“Durante o comunismo, o dinheiro que você conseguia com prostituição era muito, muito bom. Agora existem diferentes máfias. Mendigos, traficantes e prostitutas precisam pagar uma boa parte de seu lucro aos mafiosos, em troca de proteção. Aqui em Praga, não há só máfias africanas, mas também árabes e búlgaras. Cada uma tem sua própria zona e seus pontos fixos. Se as garotas de um ponto tentam passar para outro, pode haver repercussões muito curiosas.”

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Numa rua chamada Perlovka – um dos pontos onde Karim costumava se prostituir – ele aponta uma estranha passagem de pedestres à direita. “Nessa passagem ficava um pub que pertencia à máfia búlgara. Eles eram verdadeiros psicopatas. Quatro meses depois da Revolução de Veludo, um dos cozinheiros roubou dinheiro e bens da casa. Os búlgaros o encontraram e, na manhã seguinte, um colega achou o cara cortado em pedacinhos, dentro várias panelas.”

Karim conta que a máfia búlgara também foi responsável pela morte de seu segundo cafetão, Sasha. Durante seus 18 anos como michê, ele teve dois cafetões. Um, apelidado Rato, “fazia pornô na sala de casa” e morreu de overdose. O segundo, um homem grisalho e magro. Relaxando e tomando uma cerveja no Café Louvre – o maior bordel de Praga na era comunista e a parada final do nosso passeio – Karim nos conta uma história sobre Sasha e o salão de sinuca que fica nos fundos do café.

“Sasha nos obrigava a drogar os cliente para roubá-los”, ele começa. “Mas um michê se deu mal. Um cliente que ele tinha drogado e roubado voltou para o bordel e rasgou o cu dele com um taco de sinuca.”

Os cafetões controlavam tudo, diz Karim. Quem tentava fugir podia se machucar muito, ou mesmo morrer. A única maneira legítima de sair era extrema – contrair HIV, um destino eventualmente encontrado pelo nosso guia. Ele disse que o homem que o infectou “não conseguia lidar consigo mesmo e queria espalhar a doença para não ficar sozinho”.

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Foi um final triste para um cara que passou por tantas dificuldades na vida. Mas, depois de 25 anos nas mãos dos cafetões, da heroína e da metanfetamina – e tendo que dormir em cemitérios, imóveis invadidos, cavernas e nas calçadas – Karim está muito mais feliz agora. Vivendo permanentemente num abrigo e desfrutando de um relacionamento sério há sete anos, ele ri da oferta de um garoto de 18 anos que diz “me ensine a ser michê!”. Ele prefere passar o tempo guiando os turistas nesses passeios e pintando.

Quando terminamos nossas cervejas no Café Louvre, ele me passa algumas fotos e diz: “Tudo o que eu queria era ser independente”. Karim finalmente encontrou sua liberdade. É muito reconfortante ouvir isso. Mas esse passeio nos deixou muito conscientes das milhares de outras pessoas em Praga que ainda estão presas a essa vida.

Para mais informações sobre os passeios visite www.pragulic.cz.

Agradecimentos especiais à nossa interprete, Kristýna Chvojková.

Tradução: Marina Schnoor