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Vazamentos Suíços e Paraísos Fiscais: Como Grandes Investigações Jornalísticas Acontecem

Caso você esteja imaginando como uma investigação enorme – que envolveu mais de 130 jornalistas – começa, evolui e é publicada, falamos com Gerard Ryle, chefe do escritório da ICIJ em Washington e um dos coordenadores do vazamento do HSBC.

No mês passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou um relatório chamado "Swiss Leaks: Murky Cash Sheltered By Bank Secrecy" ("Vazamentos Suíços: Dinheiro Sujo Protegido por Sigilo Bancário), que alegava que a subsidiária privada suíça do banco britânico HSBC vinha lucrando com a evasão fiscal de clientes ricos.

Depois que a BBC revelou que o HSBC pressionou certos parceiros da mídia britânica para não abordar o escândalo, a investigação suscitou algumas brigas públicas. Peter Oborne, ex-comentarista político do Daily Telegraph, se demitiu por causa do incidente, dizendo que o jornal tinha suprimido relatos de irregularidades para manter acordos publicitários com o HSBC. O Daily Telegraph deixou claro que "não se desculparia", atacando depois o Guardian e publicando uma história "vil e injustificada" na tentativa de ligar dois suicídios no departamento comercial da Times a "pressões para se atacar alvos".

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Caso você esteja imaginando como uma investigação enorme – que envolveu mais de 130 jornalistas (no Brasil o único com acesso aos dados é Fernando Rodrigues, da UOL) – começa, evolui e é publicada, falamos com Gerard Ryle, chefe do escritório da ICIJ em Washington e um dos coordenadores do vazamento.

VICE: Oi, Gerard. Como uma investigação dessa proporção tem início?
Gerard Ryle: Para a investigação dos vazamentos suíços, isso começou graças à informação crua. Muitos repórteres ao redor do mundo sabiam que o ex-empregado do HSBC Hervé Falciani tinha roubado informações do banco. Ele tinha dito publicamente que esse material era de grande interesse para o público. Como os outros, seguimos a história dele e acompanhamos, enquanto França, Bélgica e Argentina iniciavam inquéritos baseados nas informações dele. Muitos jornalistas abordaram Falciani para acessar o material, mas foram rejeitados.

Como vocês finalmente o convenceram?
Através de um contato, descobrimos que dois jornalistas do Le Monde (Gerard Davet e Fabrice Lhomme) haviam tido acesso a uma versão dos dados. Trabalhamos várias vezes com o Le Monde no passado; então, abordamos o jornal pedindo acesso ao material. As negociações levaram várias semanas, mas eventualmente tivemos acesso garantido. Foi aí que o verdadeiro trabalho começou, pelo menos do nosso lado. Gerard e Fabrice vieram a Washington para nos entregarem o material e explicar o que eles tinham descoberto por ele. Aí concordamos em cooperar com os editores do Le Monde.

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O que você fizeram depois?
Nossa primeira tarefa foi vasculhar o material e determinar se era do interesse do público revelá-lo. O material foi organizado pelo time de dados da ICIJ num formato pesquisável: uma ferramenta que pudesse ser acessada por repórteres selecionados do mundo usando métodos de criptografia. Depois de semanas de trabalho, decidimos que tínhamos visto o suficiente para justificar o interesse do público.

Nesse ponto, avançamos vários passos. Começamos a convidar alguns repórteres para Washington a fim de eles verem o material, para termos mais opiniões. Esse processo começou com um repórter do programa Panorama, da BBC. Depois, um repórter da Canadian Broadcasting Corporation, etc. Cada repórter, por sua vez, achou que o material era do interesse do público.

No final desse estágio, abordamos vários parceiros da mídia e os convidamos para reuniões no escritório do Le Monde em Paris. O grupo discutiu a questão levantada pelo material e decidimos publicar isso em fevereiro.

Como vocês encontram as fontes e como as protegem?
Dependendo do nível de sigilo necessário, usamos métodos diferentes. Sempre que possível, encontramos as fontes pessoalmente. A fonte desse material era uma fonte de Gerard e Fabrice, do Le Monde. Como regra, é melhor encontrar a fonte logo para que você possa ajudar a protegê-la. Frequentemente, as fontes são descobertas por ações tomadas muito antes de serem abordadas por jornalistas.

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Como vocês mantêm o sigilo de trabalho enquanto investigam?
Um erro comum é que as pessoas tendem a achar que obter material vazado é fácil, que tudo que você tem de fazer é escrever sobre os documentos. Nada poderia estar mais longe da verdade. Os documentos são só o começo. O ICIJ tem uma abordagem à moda antiga de reportagem em vários países. Debruçamo-nos sobre registros públicos para fornecer contexto aos documentos a que temos acesso, incluindo arquivos corporativos, registros de propriedade, divulgações financeiras e documentos produzidos por processos e investigações regulatórias e criminais. Tudo isso pode ser feito sem revelar o que desencadeou essas dúvidas.

Vocês têm medo das consequências de tais investigações?
Pesamos cuidadosamente todas as consequências, mas sempre agimos pelo que acreditamos ser do interesse do público.

Vocês estão satisfeitos com a maneira como as investigações sobre as supostas irregularidades cometidas pelo HSBC estão se desenrolando?
Preocupamo-nos com a história. Agora depende das autoridades, elas é que decidem agir.

Você ou a ICIJ já foram ameaçados depois de publicarem uma investigação?
Nunca pessoalmente. Recebemos cartas jurídicas, como qualquer organização da mídia recebe, e nossos advogados lidam com reclamações legais quando recebemos alguma.

Qual a situação mais perigosa que o ICIJ já confrontou?
Essa é uma resposta chata, mas a verdade é que o único perigo está em ter certeza de que nossas histórias estão corretas. Conferimos os fatos de cada história como as revistas americanas fazem. Isso significa reunir notas de rodapé para cada fato e empregar um profissional para conferir os fatos mencionados antes da publicação. Também vamos além da maioria da mídia e abordamos as pessoas que pretendemos mencionar para termos certeza de que esses fatos estão no contexto correto.

Vocês colaboram com as autoridades dos países onde você estão investigando?
A política de longa data do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos – e da nossa organização relacionada, o Center for Public Integrity – é de não entregar tal material. O ICIJ não é uma agência da lei e nem agente do governo. Somos uma organização independente de reportagem, servida por e visando servir a nossos membros: a comunidade global de jornalismo investigativo e o público.

Os vazamentos suíços e os vazamentos de Luxemburgo, a investigação do labirinto global dos paraísos fiscais… suas investigações sempre visam alvos grandes. Você pode dar uma dica do que vem agora?
Estamos prestes a revelar uma grande história em março, algo que não tem nada a ver com evasão fiscal. Isso diz respeito a programas humanitários globais de ajuda aos desfavorecidos. Descobrimos que, na verdade, esses programas frequentemente fazem o contrário. Todas as nossas histórias precisam ser globais. Elas precisam cruzar fronteiras.

Obrigado, Gerard.