Coisa de Velha Guarda

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Coisa de Velha Guarda

Fotos e histórias dos componentes mais antigos da escola paulistana Camisa Verde Branco.

Há quem venere tanto o Carnaval quanto Nossa Senhora de Fátima. Assim é a vida de Ailtinho, integrante da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco, escola de samba paulistana fundada em 1914 no bairro da Barra Funda. Aos 74 anos, ele leva diariamente no pescoço a medalha de sua santa preferida.

Fomos até a quadra da Camisa num domingo à tarde para papear com esses sambistas das antigas e ouvir suas histórias.

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Ailton Silvio de Oliveira, "Ailtinho", 74 anos

"Nasci na capital da cidade, no bairro da Bela Vista, mais especificamente no dia 13 de maio de 1940. Agora, em maio, faço 75 anos de idade. Nasci no dia de Nossa Senhora de Fátima, graças a Deus. Adoro a nossa senhora. Ando com ela na minha correntinha, no meu documento. Na porta da cozinha de casa, tem uma bela foto dela.

Eu sou duma família de sambistas, mas oitenta por cento da minha família é Vai-Vai. Estudei numa escola técnica na Alameda Nothmann. Saía do Bixiga pegando o bonde. Tinha 12 anos. A gente botava o macacão e ia pras oficinas aprender cerâmica, mecânica, fundição, tudo pra ter um futuro. Com 13, 14 anos, às vezes a gente cabulava aula e tinha de ficar o dia inteiro na rua, que era pro pai e pra mãe não desconfiarem. Pra fazer hora, eu descia com a turminha pro Largo da Banana. Naquele tempo, não existia a Camisa Verde e Branco. Ia pra estação dos trens de carga. Os caras tiravam aquelas caixas de banana, laranja e melancia dos trens e fingiam que deixavam cair só pra gente comer. Não sei quantas mil aulas eu cabulei. E fiquei gostando da Barra Funda. Eu me apaixonei pelo bairro e nunca quis saber de Vai-Vai, no Bixiga. Um dia, veio a Camisa Verde. Falei: 'Poxa, gostei dessa escola. Certa vez, me convidaram: 'Você não quer ir lá fazer batucada?'. A Camisa Verde nem era escola, era cordão ainda. Fiz parte da bateria. Eu não tocava nada, mas era considerado, a turma gostava de mim. Depois de um tempo, virou escola de samba. Quando o Seu Inocêncio [fundador] morreu, o Tobias, filho dele, assumiu. Em 88, ele falou que o sonho do pai era ter uma Velha Guarda na escola. Mas eu nunca me indiquei. Quando cheguei pra votar no dia da escolha do primeiro presidente da Velha Guarda, o Tobias pegou o microfone e disse: 'Não vai ter votação nenhuma. Meu pai gostava muito dum elemento que está aí presente. Pra mim, o presidente é o Ailtinho'. Eu tinha 48 anos. Pra mim, foi a maior satisfação. Faço parte da Velha Guarda até hoje. No dia do desfile, rezo pra todos os meus santos queridos, principalmente Nossa Senhora de Fátima. Mas não precisa nem desfilar. Só de ver minha escola parada, já dá vontade de chorar."

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Mário Cesar Magalhães, 62 anos

"Sou um bancário aposentado, hoje taxista. Tenho 62, mas pretendo viver mais bons anos, porque a Camisa Verde e Branco é tudo de bom na minha vida. Sou morador da região. Sempre morei na Barra Funda. Estou aqui desde 1969. Comecei como componente de ala de passo-marcado; depois, passei a dirigir alas. Sou presidente da velha guarda há praticamente cinco anos. Precisa ter dedicação, se disponibilizar pra escola. Segunda-feira, tem de estar lá; terça, também. Você é um funcionário não remunerado. No dia do desfile, temos o esquenta da Velha Guarda que acontece num botequim aqui do lado. Lá, o pessoal toma uma cervejinha e bate um papo. Fazemos nossa oração ainda no ônibus, indo pra avenida. Quem é da Velha Guarda não vai tremer diante da emoção. É uma emoção maravilhosa, mas são pessoas acostumadas a isso. Mas o canto e a bateria da Camisa me emocionam. É de arrepiar. Quem sabe neste ano a escola não volta pro grupo especial?"

Maria Aparecida Onório da Silva, 80 anos

"Estou no samba desde os sete anos de idade. Meu pai era baliza de cordão no interior. Já fui criada nesse meio. Você vai acostumando, gostando. Mas depois parei, porque me casei. Quando meu marido faleceu, eu voltei. Neste ano, completo 30 anos de Camisa Verde e Branco. Todos os dias, faço minhas orações. De manhã e de tarde. Peço por mim e por todos, inclusive pela escola. Gosto tanto dessa escola… É assim: primeiro, Deus; depois, a minha família; e, depois, essa escola aqui. Eu moro pertinho da Nenê de Vila Matilde, mas venho aqui. É amor mesmo.

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Andar por toda a avenida é tranquilo. Só no dia seguinte que bate o cansaço. Mas dá pra enfrentar. E vamos lutar pra subir neste ano, se Deus quiser.

Eu gosto do samba. Quando fui casada, meu marido não ia e não me deixava ir. Pretendo parar daqui dois anos. A cabeça não cansa, mas o corpo vai cansando. Oitenta anos não é brincadeira."

Mário Ezequiel, "Tio Mário", 87 anos

"Sou um dos fundadores da Camisa. Meu pai era dançador de batuque, e meu irmão mais velho tocava bandolim. No dia do desfile, esqueço de tudo. Só quero que a escola ganhe. Ninguém sai de casa pra perder. Esqueço tudo. Só penso no samba.

A escola funciona com um ajudando o outro. Aqui, ninguém é melhor do que ninguém."

Claudio Camargo de Campos, "Bico Doce", 72 anos

"Em 1969, me convidaram pra ser da ala dos compositores. Já fui secretário da escola, já fui o homem do microfone, e meu apelido é Bico Doce. Estou na Velha Guarda há sete anos. Eu podia ser Vai-Vai, porque nasci no Glicério. A rivalidade entre Camisa e Vai-Vai é uma coisa de 'Ah, minha escola vai ganhar'. Só isso. Sem briga. Não é que nem torcida de futebol. Nossa rivalidade é na avenida.

No dia do desfile, a ala da Velha Guarda fica por último. Encerramos o carnaval, portanto, não vemos a escola toda. Não é como aqui na quadra, que você vê o pessoal ensaiando. Mas é bonito."

Veja mais fotos do Felipe Larozza abaixo.