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Μodă

Vera Barreto Leite Valdez

Vera viveu um dos períodos mais importantes da história da moda -- foi a maneca preferida da Coco Chanel. Falamos com ela sobre tudo, e ficou absolutamente claro como, aos 75 anos, ela tem pique para participar das peças de sete horas do Zé Celso.

ENTREVISTA POR ANDRÉ MALERONKA
RETRATOS POR FERNANDA NEGRINI
Imagens de arquivo cortesia de Frank Horvat e Willy Rizzo.
Agradecimentos especiais para Danniel Rangel e Ana Sette.

Vera Valdez deixou o Brasil ainda criança e aos 16 anos começou sua carreira como manequim desfilando para a estilista surrealista Elsa Schiaparelli. Na década de 50, Vera viajou o mundo apresentando oNew Lookde Christian Dior e virou a maneca preferida de Gabrielle "Coco" Chanel, com quem trabalhou até seu último desfile. Vera foi fotografada por Helmut Newton, Richard Avedon, Willy Rizzo e Frank Horvat. Ela dominou a noite parisiense encabeçando a gangue de modelos conhecida comoLes Blousons Chanel, fumou ópio com Jean Cocteau, fez amizade com o psicanalista francês Jacques Lacan, namorou de barão milionário ao ator Maurice Ronet. Trabalhou e transou com o cineasta Louis Malle, que junto com Bertolucci a ajudou a sair do Brasil depois de ser presa e torturada durante a ditadura militar. Mais tarde chegou a vender drogas e a trabalhar como muambeira. Vera viveu um dos períodos mais importantes da história da moda – sem ligar muito para isso. Falamos com ela sobre tudo, e ficou absolutamente claro como, aos 75 anos, ela tem pique para participar das peças de sete horas do Zé Celso. Vera é uma das pessoas mais encantadoras que já entrevistamos. Vice: Você saiu do Brasil muito jovem.
Vera Barreto Leite Valdez:Fui para a Europa porque repeti de ano pela segunda ou terceira vez. Eu estudava num colégio americano, eles disseram: "Outra reprovação nosso colégio não aceita". Você era rebelde?
Eu não me achava rebelde. Pelo que eu lembro, me achava uma santinha. Mas fumar maconha com 12 anos, naquela época… Tinha uma colega minha que era pestinha. A gente sentava no fundo da classe e fumava maconha lá. Vê se um professor podia imaginar que era cheiro de maconha naquela época. Você gostava das meninas mais divertidas.
Foi quando meu pai me disse que ia me mandar para a Europa. Eu já estava morando com minha mãe, eles se separaram quando eu tinha quatro anos. Minha mãe era totalmente boêmia e meu pai não. Ele me mandou morar com minha família portuguesa – minha avó e duas tias. Fiquei lá uns dois anos. Minha mãe mudou para Bordeaux e de lá fomos para Paris, onde ela trabalhava na embaixada brasileira. Foi aí que você começou a trabalhar como modelo?
Alguém me perguntou se eu era manequim, mas meu francês era horrível na época. Minha mãe me disse: "Eu te explico depois". Fiquei com aquilo na cabeça. Quando ela me mostrou numa revista o que uma manequim realmente era, fiquei maravilhada. Disse: "Eu quero isso". Lembro de minha mãe perguntando: "Não quer fazer uma Sorbonnezinha, nem uma linguazinha morta?" [Risos] Eu disse: "Não, eu quero ser manequim". Acabei sendo levada para Elsa Schiaparelli. E sua mãe concordou?
Ela achou que eu nunca seria aceita, então concordou. Depois me confessou: "Você, aquela coisa magricela…". O que você fez com a Schiaparelli?
Eu fiz a última coleção da Schiaparelli. Ela era uma costureira fantástica. Ela me emprestava roupas e eu saía toda fantasiada. Como eu disse, minha mãe sempre foi boêmia, então eu saía por Saint Michel e esperava até cinco horas da manhã para pegar o metrô. E a gente ia para a Rive Gauche toda arrumada. Quem eram as outras modelos?
A Brigitte Bardot era manequim de foto, e tinha uma outra moça que se chamava Victoire. Éramos muito jovens, e na época não existiam manequins tão jovens. De família, então, muito menos. Me destaquei por causa disso, família de diplomatas e tal.

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Les Blousons Chanel: Vera, à direita, com Mimi d'Arcangues. Foto: Willy Rizzo

As pessoas dizem que a Schiaparelli foi uma das primeiras pessoas a entender que modelos magras vestem melhor. Foi por isso que ela gostou de você?
Sim. Aí, depois que a Schiaparelli fechou, uma colega falou: "Vou te levar pra Dior". E isso foi pouco tempo depois da famosa coleçãoNew Lookdo Dior, que foi super-revolucionária na época, certo?
Depois da Schiaparelli… Eu não achava muito diferente. O Dior era bem moda. A Schiaparelli não era tão moda, ela era mais arte. E Dior era uma usina. Lá eu batia ponto. Por que você saiu do Dior?
A Suzy Parker fez minha cabeça dizendo que a Chanel era extraordinária. Ela me contou sua história e eu pensei: "Ai, acho que minha mãe não vai gostar da ideia de eu trabalhar com ela". Mas fui até lá e conheci aquela figura. Eu estava com um casaquinho vermelho que eu tinha comprado em uma boutique em Saint Germain. Ela disse para Suzy: "Apesar do casaquinho vermelho, quero ficar com ela. Depois nunca mais deixou de fazer um tailleurzinho vermelho. Ela copiou o prêt-à-porter. Você e a Chanel tinham um bom relacionamento?
Eu era muito menina. Ela já era uma senhora. Certo, ela parou de desenhar durante a Segunda Guerra, e tinha acabado de voltar. Mas vocês não se davam bem?
Às vezes, quando eu fazia uma estripulia, ela me colocava de castigo. "Fica ali, de costas para nós, virada pra parede." Eu adorava porque ficava ouvindo todas as fofocas. Ela ficava brava quando eu saía com "aquela gentinha", que eram os jornalistas. Ela parecia durona.
Ela me mandava embora sempre que eu fazia alguma coisa, quando reclamavam de mim. Era ótimo, porque eu recebia uma grana boa, e uma semana depois ela perguntava: "Cadê a Vera? Procurem ela!" Aí eu voltava e aumentava o meu cachê. Os caras que cuidavam da grana não acreditavam. Ela dizia: "Como é que vocês querem que ela faça os papéis dela? Ela tem que acordar cedo, coitadinha. Ela foi lá duas vezes e ficou horas esperando na fila". Na verdade ela gostava da rebelde. Quando você saiu da Chanel?
Acho que o último desfile que eu fiz com ela foi em 71. Coincidiu com o último desfile dela, não? Logo antes de ela morrer.
Foi. Exatamente. Eu estava no Brasil com uma filha, na época com oito meses, aí a Chanel me chamou de volta. Até me lembro desse desfile. Eu estava em plena amamentação, com o peito vazando. Como era sua relação com os fotógrafos com quem trabalhou na época? Willy Rizzo, Richard Avedon, Helmut Newton…
O Willy era íntimo. Era um fotógrafo que curtia a noite, as manecas, a costura, era uma delícia. Era igual a gente. O Avedon era distante, era bem cruel com as manequins. Podia te deixar horas na mesma posição e você não podia se mexer. Ele era estrela. Com Newton foi muito bom fotografar. Tenho fotos boas dele. O Willy trabalhava naParis Matchna época, fazia a moda no jornalismo. Eu circulava mais nesse meio, dos jornalistas, cineastas. Era uma turma mais intelectualizada.

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Vera fotografada por Frank Horvat.

Mas você também era da turma conhecida como as Blousons Chanel.
Sim. Foi por causa das jaquetas de couro, Marlon Brando, e essa turma toda do cinema americano. Então chegávamos nos lugares todas vestidas de Chanel. Todas de tailleurs clássicos. Eram as manecas com as convivências. Aí nos puseram esse apelido. Mas essa turminha já era muito da pesada, viu? Já rolava ópio. Eu vim ter uma relação com drogas mesmo, em Paris. Foram noites e noites muito boêmias. Era assim, eu trabalhava de maneca de dia e farreava à noite. Delícia. E rolava muita cocaína também?
Não, por causa de uma amiga que morreu de overdose eu nunca tive relação com ela, vim a ter depois dos anos 60, já na ditadura. Foi quando começamos com os lisérgicos e tal até chegarmos na cocaína. Aí foi indo. No exílio, por exemplo, já era completamente… E a própria Chanel, que era viciada em morfina. A essa altura você já tinha tido o seu "despertar sexual"?
Costumávamos sair da Schiaparelli e íamos para a boemia. Boemia de botequim mesmo. Ali eu namorei o Ruy Guerra, que é um cineasta – foi meu primeiro namorado –, e claro que o Ruy Guerra me tirou o cabaço [risos]. Esse foi o despertar sexual, como quase qualquer outra menina. Era o namorado, a noite, a mãe liberada. Como foi essa influência da sua mãe?
Eu e o Guerra éramos jovens, acho que a gente tinha 20 anos, e ela levava a gente pra Pigalle, para as casas de travecas e todas essas coisas. Ela só não me levou para ver sexo explícito. Mas eu não tinha muita curiosidade. Eu gostava de strip-tease, achava lindo. Achava divertido como os caras ficavam completamente deslumbrados com aquilo, como se pra eles o sexo fosse completamente proibido. Então minha iniciação sexual foi completamente livre. Nunca tive nenhum problema, eu dava facilmente. Eu não tinha nenhuma repressão em casa. Minha mãe então, vivendo em Paris, longe de toda família… A família dela era muito tradicional?
Sobretudo o irmão – jornalista e embaixador. O pai era juiz, diplomata. O pai do meu pai foi governador na Guiné… Então, quando a minha mãe saiu do Brasil e foi embora para a Europa, acho que foi visando muito isso. Aquela necessidade de uma mulher desquitada. Conta como você conheceu o Louis Malle?
Nós fomos a um clube na época da volta da Chanel, e eu tinha vistoOs Amantes. Estávamos sentados na mesa e começaram a comentar o filme. "Pelo amor de Deus, esse cara é um careta!", sei lá, comecei a falar do filme. E aí a Mimi [D'Arcangues] me cutucou por baixo da mesa. E eu: "Que é Mimi?!". E ela: "Ele é o diretor do filme". Nunca me esqueço da carinha dele encolhendo. Aí ficamos muito amigos, íntimos. Era uma delícia ser amiga dele, trepar com ele, sair, conhecer as fofocas das outras mulheres apaixonadas por ele, aquelas meninas que querem ser atrizes. Nessa época você ainda trabalhava com a Chanel!
Isso foi durante uma época de crise com a moda, eu tinha tido uma briga com a velha [Chanel], acho que eu estava no [Guy] Laroche, e disse: "Ah, não quero mais brincar de manequim. O que eu faço?". "Vira atriz!", ele disse. E você gostou da ideia?
Eu disse: "Ah não, já tem muita atriz na minha família". Ele disse: "Então vamos fazer o seguinte. Eu estou com um projeto de um livro. Você vai ler o livro e eu vou fazer o roteiro. Aí fomos para uma estação de esqui e ficamos lá num chalezinho, uma delícia. E fizemos oLe Feu Follet. Beleza, né? Aí ele disse: "E você vai fazer o quê?" E eu: "Ah, o figurino. Eu visto os atores". Ele disse: "OK, mas como a gente vai te pagar?". Que tal com dinheiro?
Eu não estava legalizada. Naquela época o cinema francês era radical, o sindicato era feroz. E tinha a questão dos créditos. Você não poderia ser listada nos créditos porque era ilegal?
Eu disse: "Fodam-se os créditos, não me importo". Todos os trajes foram Chanel – tudo emprestado e arrumado assim. Eu fiz um papel, mas isso foi só porque eu tinha escolhido os atores e eu era louca pelo ator que fez o papel principal, Maurice Ronet. Malle me disse: "Você tem que ter um caso com ele, porque ele bebe como um animal. Eu não quero esse alcoólatra faltando nas filmagens!". Eu disse: "Com prazer, é claro". [risos]

Você gostou de fazer o figurino?
Não. Gosto muito de cinema. Acho interessante. Mas eu queria aprender, então queria fazer várias coisas. Selecionei os atores e fiz a personagem débil mental porque esqueci de escolher alguém para esse personagem. Foi assim. Fazia dosteak tartarao figurino, escolhia a atriz, dava opinião e me metia em tudo. Foi muito bom. Você posou nua para a revistaFair Playem 63. Conta como foi isso?
O Ziraldo me ligou: "Vera, faz uma foto peladinha. Só tem michê no meio, mas se você fizer as outras meninas vão topar". Eu estava casada e o meu marido nunca perdoou. Depois ele fotografou todas as minhas amigas peladas para aFair Play, mas o meu ensaio ele não perdoou. Foi na cobertura do Rubem Braga. Minhas revistas sempre sumiam. Eu queria mostrar para os meus amigos e não achava nunca a revista em casa. Ele rasgava todas. E pouco tempo depois disso você começou a namorar o barão Teddy von Zueylen, não?
Ah, essa é uma outra história. Eu perdi uma paixão. Eu já tinha uns 20 anos. Me separei no Brasil do meu primeiro marido, foi quando eu voltei para a França, e voltei pra Chanel. Então conheci esse rapaz em uma festa, que tinha uns 20 e poucos anos. Eu não fazia ideia que ele fosse barão, mas se soubesse também não estaria nem aí. Ele foi uma grande paixão, não tinha nada a ver com grana. Até que todo mundo me chamava de baronesa, mas eu fazia questão de dizer: "Não sou baronesa, sou amante!". Fomos muito amigos, um amor muito lindo, lindo, lindo, lindo. Minha filha até hoje fala: "Mãe, como você pode fazer um aborto de um barão? Hoje eu teria um irmão rico". E como acabou essa história?
A gente vai vivendo, e chega um dia que cada um segue seu caminho. E também teve a porra de 64. Minha família toda foi presa. Aí voltei para o Brasil e começou toda a batalha pra libertar todos eles. Entrei com outra cabeça. Toda aquela vida de brincadeira e luxo… Mas foi aí que eu voltei para o Brasil. E você começou a trabalhar aqui?
Comecei a me envolver com o pessoal do teatro, fiz alguns filmes com diretores paulistas.