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Viajei Pela “Rodovia da Heroína” no Tajiquistão

Noventa toneladas de heroína são traficadas através do Tajiquistão todo ano, muitas delas passam por essa rota desolada: a segunda estrada internacional mais alta do mundo e conhecida por muitos como a “rodovia da heroína”.

A cidade de Murghab, ao leste da Cordilheira Pamir. 

Começando na cidade quirguiz de Osh, a Rodovia Pamir corre pela extensão do Tajiquistão, vai até o Uzbequistão e termina no Afeganistão. Noventa toneladas de heroína são traficadas através do Tajiquistão todo ano, muitas delas passam por essa rota desolada: a segunda estrada internacional mais alta do mundo e conhecida por muitos como a “rodovia da heroína”.

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Osh é uma expansão empoeirada de prédios soviéticos cobertos de postes e antenas parabólicas, mas os moradores dizem que a cidade é mais antiga do que Roma. Um mural num dos blocos residenciais mostra jatos MIG; o prédio mais próximo, num contraste gritante, é decorado com enormes Ursinhos Carinhosos. Por causa de um grupo de viajantes que foi roubado e espancado logo antes de chegarmos, os donos da casa onde ficamos repetiram “não esqueçam o toque de recolher” três vezes.

Recentemente apelidada de a capital da droga da Ásia Central, partes de Osh mal sorriem durante o dia, muito menos à noite.

Ao deixar o relativo santuário da casa de nossos anfitriões para começar nossa jornada pela Pamir, subimos até o assentamento de tijolos de barro de Sary Tash. A aldeia varrida pelo vento, onde as estradas das cidades de Osh, Tajiquistão, e Kashgar, China, convergem, é uma parada importante na rodovia da heroína. Além do vilarejo, ao subir o Pico Lenin, soldados de uniforme e chinelo fumavam sentados no posto de controle quirguiz de Bor Döbö. Ao me puxar de lado, um dos oficiais balançou a cabeça. Como a embaixada tajique em Bisqueque tinha colocado meu visto em cima do carimbo de entrada quirguiz, precisei de três horas e uma propina para negociar nossa passagem.

“Shh”, fez o guarda, com um dedo sobre os lábios, enquanto dobrava as notas e as colocava no bolso.

Ao sair de seu escritório, notei um cartaz pregado na porta: “Corrupção”, em letras maiúsculas, com um grande X vermelho por cima da palavra.

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Um crânio de íbex perto de Murghab.  

A rodovia vermelha sobe 20 quilômetros por uma terra de ninguém, depois cruza um pico e desce através da fronteira do Tajiquistão.

Angliya?”, perguntaram os soldados de jaqueta estufada e quepe de prato enquanto se aproximavam.

Da”, respondi. “Tajik?

Niet”, respondeu um recruta barbudo. “Pamiri. Bem-vindos a Gorno-Badakhshan.”

Apesar de cobrir 45% do território, a província autônoma de Gorno-Badakhshan – lar do povo pamiri – é composta por apenas 3% da população do Tajiquistão. O país foi o único da Ásia Central a entrar em guerra civil depois da queda da União Soviética, e os pamiris escolheram o lado perdedor. Arrasando vilarejos e enchendo valas comuns, o presidente tajique Emomalii Rahmon levou adiante uma limpeza étnica que deixou 100 mil mortos e mais de um milhão de deslocados. Os pamiris encaram a pobreza e a perseguição desde então, e só conseguiram sobreviver à fome dos anos 1990 com ajuda humanitária internacional.

Cerca de 47% do produto interno bruto do Tajiquistão é injetado no país por 800 mil tajiques que trabalham no exterior (principalmente na Rússia), o que torna a economia do país uma das mais dependentes de remessas do mundo. “O fato dessas pessoas tenderam a se estabelecer [no exterior] leva a questões maiores”, disse o Dr. Luca Anceschi, professor do Centro de Estudos da Ásia Central da Universidade de Glasgow. “Agora que a Rússia vem se tornando mais agressiva e começou a mudar seu entendimento de cidadania, eles podem se tornar cada vez mais uma parte permanente do estado russo. Isso seria prejudicial a longo prazo – uma fuga de cérebros, se você preferir, ou uma perda de mão de obra.”

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Enquanto muitos desses expatriados vivem em dormitórios vigiados por gangues criminosas, outros – como me contou o Dr. Alexander Kupatadze, especialista em crime organizado e corrupção na Eurásia pós-soviética – são “altamente envolvidos” com o tráfico.

A fronteira com a China. 

Contornando a fronteira com a conturbada província de Xinjiang, a Rodovia Pamir segue uma cerca de arame farpado por centenas de quilômetros. Parte da cerca se arrasta pelo chão onde os postes de madeira foram roubados, e marcas de pneus indicam entradas e saídas ilegais.

A estrada serpenteia até Murghab, a maior cidade da região leste da Cordilheira Pamir, apesar de ter uma população de menos de quatro mil habitantes. Deixada à deriva pela neve por mais de nove meses ao ano, as temperaturas aqui caem até -45ºC. Além de Murghab, passamos por lugares – chamados de vilas pelos sinais na estrada – que consistiam apenas de mais alguns prédios em ruínas e chão coberto por crânios de ovelha e íbex.

Ao tomar um desvio por um deslizamento de terra, chegamos por fim a Khorog, a capital de Gorno-Badakhshan. Em julho de 2012, conflitos estouraram na área depois que o Chefe de Segurança Regional foi arrancado de sua limusine e esfaqueado até a morte. Com helicópteros armados que sobrevoam a região, as autoridades cortaram linhas telefônicas e estradas, e os moradores locais responderam construindo barricadas e pedindo que o governo tomasse uma atitude contra a invasão. Retaliações se seguiram e – de acordo com um funcionário do hospital local – mais de 200 pessoas morreram.

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Joshua Kucera, jornalista e especialista em Ásia Central, me disse que muitos tajiques acreditam que “o interesse do governo em readquirir o controle de Gorno-Badakhshan tem a ver com tomar o controle das rotas de contrabando – nem tanto pelas drogas, mais pelos cigarros e outros bens legais. No entanto, da perspectiva pamiri, o governo está tentando eliminar sua cultura e identidade religiosa”.

Perto de Khorog. 

Ao caminhar por uma trilha alpina íngreme, os prédios pelos quais passei tinham sido rebocados, todos os sinais de conflito escondidos – exceto, talvez, as marcas de bala muito altas para se alcançar. Ao nos aproximarmos da periferia da cidade, vi um conjunto de mansões recém-construídas, todas com conjuntos de veículos de ostentação na garagem, pertencentes aos “novos tajiques”. A proliferação de carros vistosos num dos países mais pobres do mundo levou a um novo ditado local: “Não é mais 'Quanto isso custou?', mas 'Quantos quilos isso custou?'”.

Perguntei ao Dr. Kupatadze sobre a ligação do governo com o tráfico. “Todo tráfico em larga escala apresenta algum envolvimento com oficiais do governo”, ele observou, “seja na forma de proteção, envolvendo grandes subornos ou participação direta”.

Já dizimada pela dissolução da URSS, a economia tajique nunca se recuperou da guerra civil. Desde meados dos anos 1990, o país se tornou um ponto de transição chave para opiáceos afegãos, além de ver um grande aumento no uso doméstico de heroína, o que levou alguns a rotular o país como um “narco-estado”. Em 1997, pesquisadores tajique estimavam que metade dos homens de 18 a 24 anos estavam empregados no comércio da droga.

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Mas até onde vai esse evolvimento generalizado com o crime? Em 2000, 86 quilos de heroína foram encontrados num carro pertencente ao embaixador tajique no Cazaquistão. Em 2001, o vice-ministro do interior foi assassinado. A acusação do caso argumentou que ele tinha sido morto por se recusar a pagar por um carregamento de 50 quilos. Um estudo divulgado em 2007 estimava que o dinheiro das drogas representava 30% do produto interno bruto do Tajiquistão.

Montanhas afegãs. 

Em 2005, o ano em que o Tajiquistão assumiu o policiamento de suas fronteiras com o Afeganistão dos russos, as apreensões de heroína caíram pela metade. Irritado com a resposta internacional – que o Tajiquistão era incapaz de controlar apropriadamente suas fronteiras – o presidente Rahmon alavancou contra alegações de cumplicidade russa no tráfico de heroína. “Por que você acha que os generais faziam fila em Moscou cruzando a Praça Vermelha e pagavam propinas enormes para trabalhar aqui?”, ele reclamou para oficiais americanos. “Para poderem cumprir seu dever patriótico?”

No entanto, na falta de uma economia legítima, o fluxo de narcóticos parece impedir que o país desmorone. “O estado está realmente no cruzamento dos benefícios e prejuízos que vêm da corrupção”, disse o Dr. Anceschi. “Por um lado, ter a administração local conectada com a corrupção tem seus benefícios, porque acrescenta uma nova camada de patrocínio.”

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Claro, a situação também serviu à comunidade internacional, que precisava do Tajiquistão estável com o intuito de garantir suas rotas aéreas da Guerra ao Terror. Em qualquer um dos casos, os esforços para restringir o contrabando muitas vezes saíram pela culatra – um aumento de postos de controle só causou desvantagens para os operadores de pequeno porte, permitindo que cartéis tomassem o controle total.

O presidente tajique, Emomalii Rahmon. 

Fora carroças chinesas, o tráfego era quase inexistente quando saímos de Khorog. Tanques e ônibus virados pontilhavam o Rio Panj, com as costas barrentas do Afeganistão a apenas 20 metros de distância. Considerando os laços étnicos e de parentesco entre os dois países, a fronteira de 1.300 quilômetros com o Afeganistão seria impossível de policiar, mesmo se o governo quisesse.

Cerca de 19 horas depois, um punhado de mansões nos receberam na capital do Tajiquistão, Duchambe. O novo Palácio das Nações do presidente, que dizem ter custado mais do que orçamento anual de saúde do país, engoliu um bom pedaço de um parque público. Além dele, pude ver o novo amontoado de arranha-céus da cidade; com seus preços inflados, eles são um paraíso para a lavagem de dinheiro.

Outdoors que escondiam esses canteiros de obras da vista pública apresentavam imagens de todo o Tajiquistão. Em um deles, o presidente Rahmon aparecia no meio de um campo de papoulas, sorrindo.

Partes desse artigo são trechos do novo livro Does It Yurt?, de Stephen M. Bland.

@StephenMBland

Tradução: Marina Schnoor