Vida após as mortes: a ascensão dos Los Bravos FC Juaréz, o clube que nasceu das cinzas do narcotráfico

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Vida após as mortes: a ascensão dos Los Bravos FC Juaréz, o clube que nasceu das cinzas do narcotráfico

Juárez, no México, já foi uma das cidades mais violentas do mundo. Um novo time agora traz a esperança de futuro melhor para a região.

O estádio de Ciudad Juárez está muito bonito: uma nova camada de tinta o cobre de dentro a fora. Os outdoors que cercam o estádio são novos e foram limpos por uma tempestada de areia na noite anterior. Cemento Chihuahua, Coca-Cola. O outdoor mais chamativo não é bem uma propaganda, mas sim uma foto do Papa Francisco sorrindo para os jogadores que se aquecem no campo. Uma hora antes do pontapé inicial, vendedores de tacos montam seus carrinhos no estacionamento e me transportam para o lado de fora com seu delicioso cheiro de fritura. O caminhão de uma emissora local aponta sua antena parabólica para o céu. Ao lado do estádio está o altar gigante onde o próprio Papa Francisco rezou uma missa há alguns meses.

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É quase indecente pensar sobre aquela cabeça decepada, mas não consigo evitar. Lembro-me perfeitamente da cabeça mutilada encontrada nesse estádio. Ela pertencia a um agente da polícia federal, um homem assassinado que teve seus membros lançados no rio que separa Juárez, no México, de El Paso, Texas, EUA. Sua cabeça foi jogada, propositalmente e para máximo efeito, dentro do estádio. Isso aconteceu há pouco tempo, em 2010. Ou talvez isso tenha acontecido há séculos, já que ninguém aqui fala sobre esse caso ou qualquer outro assassinato que tenha dado a Juárez o título de capital da morte na época em que eu morava na cidade. O que todo mundo diz é que Juárez mudou para melhor.

"Juárez melhorou, com certeza", diz Whiskey, coordenador técnico de Los Bravos, o time de futebol que me fez voltar para Juárez. "Juárez melhorou", diz Miguel Carbajal, meu amigo e líder do El Kartel, a torcida organizada dos Los Bravos. Foram os Bravos que reformaram o estádio. Esse mesmo time, com seu espetacular e astronômico sucesso nos campos, está sendo apresentado como a prova mais óbvia de que Juárez está de volta, de que tudo mudou. Acredito que a Juárez tenha realmente mudado. Nos meus poucos dias na fronteira, notei que a cidade parece mais calma e segura. Do lado de fora, no estacionamento do estádio, ouço os tambores e os berros dos trompetes do El Kartel se aquecendo para o jogo. Mal posso esperar para ver os Bravos jogando. Quanto à lembrança da cabeça decepada, tento enterrá-la no fundo da minha mente, assim como todos que estão aqui hoje.

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El Kartel, anteriormente torcida organizada do Los Indios, hoje apoia calorosamente o novo time de Juárez. Foto de Ivan Pierre Aguirre

Los Bravos FC Juárez é um dos times mais memoráveis da história do futebol mexicano. O time, que estreou em julho do ano passado na Liga de Ascenso, a segunda divisão do futebol mexicano, levou para casa um título em sua primeira temporada. Esse troféu colocou os Bravos rumo à Liga MX, nível mais alto da modalidade no país. Essa vitória trouxe Juárez de volta ao mapa futebolístico do México, algo que não imaginei ver tão cedo. Para ser sincero, eu duvidava que isso pudesse acontecer algum dia.

Comecei a acompanhar o time anterior de Juárez, Los Indios, quando me mudei para cá em 2009. Na época, a violência na cidade era preocupante. Agora, ao olhar para trás, me parece um eufemismo chamar aquilo de "violência" ou usar um adjetivo como "preocupante" para descrevê-la. A situação era muito pior do que isso. No ano em que me mudei para a cidade, 2.700 foram assassinadas, dentro de uma população de cerca de 1.3 milhões — o equivalente à população da Filadélfia. No ano seguinte, 3.910 foram mortas, de acordo com funcionários do estado de Chihuahua. Isso são mais de dez mortes por dia, dia após dia, ano após ano.

"Nunca vi ninguém ser morto", diz Eduardo Uribe Vargas, o chefe do departamento de parques de Juárez. "Mas já vi corpos jogados nas ruas voltando do trabalho ou no caminho para minha casa de campo".

Eu também nunca vi ninguém ser morto — mas já vi minha cota de gente morta. Três na rua onde eu morava. Duas na lojinha de conveniência ao lado do aeroporto. Uma na frente da mercearia do meu bairro. Outra no estacionamento da minha lavanderia — a vítima era colega de um amigo. O colega de trabalho de outro amigo foi o próximo. Enquanto dirigíamos até o shopping Rio Grande para tomar um café no último dia do ano mais violento, eu e um amigo vimos os corpos de três mulheres jogados no meio da Avenida Paseo Triunfo de la Republica, uma das vias principais da cidade. Chegamos no shopping, bebericamos nossos cafés e, quando saímos, os corpos já haviam sido retirados, o trânsito agora fluindo normalmente. Era como se nada tivesse acontecido.

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Assim como todos nós, os treinadores e jogadores dos Indios também conviviam com a violência. O carro de um meio-campista foi roubado por um assaltante armado. Um goleiro levou sua família para outra cidade após um ladron apontar uma arma para sua cabeça. Alguém matou um treinador dos Indios em uma loja de celulares — não se sabe quem é o culpado, visto que os criminosos de Juárez quase nunca são pegos ou julgados. Quando os Indios chegaram à Liga MX, em 2008, eles foram proclamados como uma "vitamina cívica", a única coisa que funcionava em Juárez. Mas, enquanto eles tentavam driblar a violência das ruas, afundavam no campo. O time perdeu 27 partidas seguidas, um recorde infeliz da liga mexicana. Em 2010, o ano mais violento da cidade, os Indios foram rebaixados. Um ano depois, o time chegou ao fim.

"Os Indios ficaram muito afetados naquela época, tudo começou a dar errado", diz Alejandra de la Vega, principal dona do Bravos, o novo time da cidade. "Era uma missão impossível. Juárez era uma cidade fantasma. Ela está muito melhor agora."

De la Vega, de família e criação juarense, é uma figura importante dos dois lados da fronteira. Sua família enriqueceu graças à distribuição de cerveja na cidade, ela ficou ainda mais rica ao casar com um bilionário do petróleo texano. Os dois moram do outro lado do rio, em El Paso, mas visitam ocasionalmente os negócios da família no México, atravessando Juárez em uma SUV blindada guiada por um motoristas que mantém um rifle automático no banco do passageiro. Embora ela possa morar em qualquer lugar, de la Vega decidiu ficar na fronteira. "Nem tudo é preto ou branco", diz ela, " Juárez é uma grande parte de mim."

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Quando a violência estourou, de la Vega se reuniu com colegas que moravam em Juárez para debater formas de controlá-la. Eles estudaram os casos de Medellín, na Colômbia, e Palermo, na Itália. O que essas cidades fizeram? Ela chegou à conclusão de que os esportes eram essenciais para a salvação da cidade. Embora os Indios houvessem falhado espetacularmente, ela decidiu que a cidade precisava de outro time de futebol.

"Para nós, o futebol é muito poderoso porque ele cria exemplos", diz ela. "Fizemos pesquisas nas colonias", os bairros locais, "e algumas crianças disseram que queriam ser sicários. Esse tipo de coisa faz a gente dar um passo atrás e entender que é preciso dar sonhos para essa comunidade. Se ninguém fizer isso, essas crianças irão crescer e matar nossos filhos."

A velocidade com que de la Vega fundou e colocou os Bravos em funcionamento é impressionante. Em apenas seis semanas ela escolheu um nome, encontrou um estádio, criou novos uniformes e montou um time completo. Na seleção de jogadores, ocorrida em Cancún, ela e seus treinadores perguntaram aos candidatos se eles aceitariam morar em Juárez. Eles estariam dispostos a visitar escolas, hospitais e fábricas da cidade? Do jeito que ela fala sobre os jogadores, eles mais parecem assistentes sociais. Coletivamente, ganham mais do que qualquer outro time da liga, o que pode explicar porque eles jogam tão bem. Desde o primeiro jogo, os Bravos eram um oponente e tanto.

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"Essa é uma oportunidade incrível de melhorar a imagem de Juárez", diz de la Vega. "Más notícias voam. Boas notícias são mais lentas. Queremos ser conhecidos por outras coisas além dos infortúnios ocorridos durante alguns anos ruins. Nós somos muito mais do que isso."

Paul Foster e Alejandra de la Vega trouxeram os Bravos a Juárez. No entanto, a proximidade dos dois com o PRI, partido político do México, incomodou alguns fãs. Foto de Ivan Pierre Aguirre

De la Vega diz que o nome do time, Bravos, foi escolhido pelo público: "Creio que fomos bem democráticos na escolha do nome. O time é da comunidade, não meu. Ele pertence ao povo."

Ela confessa, porém, que Bravos era seu nome favorito — "Eu queria algo inovador" — e que, na votação popular, sua opção ficou em quarto lugar, atrás do nome Indios. Isso não é nenhuma surpresa. Quase todo o time da cidade, de uma antiga equipe de beisebol criada pelo seu pai, passando por um time de basquete novo em folha, até os atletas que representam a equipe de atletismo da universidade local, são conhecidos como Indios. Esse foi o nome escolhido pelo povo de Juárez, mas ainda assim de la Vega nomeou o time como Bravos.

Ela também decidiu que os novos uniformes seriam verdes com um grande X vermelho no peito, uma referência a uma escultura erguida na fronteira. Gosto muito dos novos uniformes, mas eles foram duramente criticados por membros do El Kartel e outros torcedores. Isso também não é nenhuma surpresa. As cores dos Indios eram vermelho, branco e preto. Essas também são as cores do novo time de basquete da cidade. Verde é a cor do Santos, time de Torreón e um dos grandes rivais de Juárez. E, para piorar, verde é a cor do PRI, o partido político mais poderoso do México.

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"Sim, sem dúvidas", diz Miguel quando lhe pergunto se a associação com o PRI é problemática. Miguel e o resto da torcida se recusam a vestir verde. As bandeiras agitadas durante os jogos não são dessa cor. Eles não querem que Juárez FC seja visto como o time do PRI ou de qualquer outro partido político.

O cunhado de de la Vega, Alvaro Navarro, é um dos vice-presidentes dos Bravos; sua função é coordenar o dia-a-dia do time. A sede temporária da equipe fica dentro do terreno de sua empresa de engarrafamento de água mineral. Além disso, Navarro, um agente político muito ativo no PRI, já trabalhou como Secretário de Economia do estado de Chihuahua. Quando o conheci, em sua fábrica de engarrafamento de água mineral, vi em seu escritório fotos de Enrique Peña Nieto, presidente do PRI, e de César Duarte, governador de Chihuahua afiliado ao PRI. Enquanto Álvaro e eu conversávamos, ele me pediu licença para atender um telefonema de Enrique Serrano, ex-prefeito de Juárez que havia acabado de deixar o cargo para se candidatar a governador. Serrano também é membro do PRI.

"Nós realmente precisamos eleger ele", disse Álvaro após desligar, pedindo desculpas pela interrupção. "Ele vai fazer muito por Juárez."

Em julho, a população de Juárez escolherá seus novos representantes. Cartazes estampados com as caras dos candidatos cobrem a cidade. As mais onipresentes são as propagandas de Teto Murguía, candidato a prefeito. Seu rosto sorridente está estampado em cada placa e poste. O mesmo acontecia quando eu morava aqui: Teto estava em todo lugar, mais uma vez concorrendo a prefeito. Desta vez há até uma nova estátua de Tero ao lado do estádio, uma grande homenagem aos profissionais que já jogaram futebol na cidade. A estátua de Teto, feita de prata brilhante e mais viva do que sua versão real, chuta uma bola com a ponta de seu sapato social. Teto nunca jogou futebol profissional em Juárez, mas ninguém se importa. O político, também membro do PRI, está concorrendo a seu terceiro mandato como prefeito. Com Teto no comando, eu me pergunto o quanto Juárez realmente pode mudar.

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Um jornal da Cidade do México acusou Teto de financiar sua primeira campanha com dinheiro do famoso cartel de Juárez. Três meses após o fim de seu mandato, o chefe de polícia escolhido a dedo por Teto foi pego transportando mais de uma tonelada de maconha para o Texas. Teto jurou não saber que seu amigo de longa data e parceiro de negócios era traficante de drogas.

O grande adversário de Teto nessa eleição, Armando Cabada, foi por anos o principal âncora do famoso Canal 44. Durante sua campanha, Cabada assistiu a um jogo dos Bravos ao lado do El Kartel. Ele prometeu à torcida organizada que, caso eleito, obrigaria o time a abandonar o uniforme verde. Ele também disse que tentará mudar o nome do time para Indios. Recentemente, dois banners encomendados pelos narcos cruzaram as ruas de Juárez. Assinados pelos "amigos de Farfan", os banners diziam: "Cabada, você e sua mulher 'La China' roubaram o cartel. Agora vocês vão pagar."

Em uma coletiva de imprensa, Cabada admitiu que sua esposa já foi casada com Joel Farfan Carreno, um membro do Cartel de Juárez que hoje cumpre pena de 25 anos nos Estados Unidos. Sua mulher, disse ele, divorciou-se de Farfan após seis meses de casamento, assim que ela descobriu seu envolvimento com o tráfico de drogas. "Não serei intimidado", disse Cabada à imprensa. "Não tenho nada a esconder, e não devo nada aos narcos."

A morte ainda paira sobre Juárez. Embora o número de homicídios tenha diminuído — e diminuído consideravelmente — os assassinatos ainda parecem muito com aqueles que eu via quando morava aqui. Para começar, eles ainda são raramente investigados pela polícia. Um dia antes do jogo, três homens foram mortos ao lado de uma escola primária; segundo testemunhas, os suspeitos fugiram em uma caminhonete vermelha. No mesmo dia, um corpo com sinais de tortura foi encontrado no acostamento da rodovia Pan-americana. Um caso semelhante — outro corpo com sinais de tortura largado no acostamento da rodovia — ocorreu na semana anterior. Essas mortes são violentas e, de certa forma, rotineiras. Assim como antes, tudo indica que elas sejam relacionadas ao cartel.

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Logo depois de voltar para Juárez, tive a oportunidade de visitar o atual prefeito, Javier González Mocken. No cargo desde que Serrano se candidatou a governador, Mocken abandonará a função após as eleições. Mocken, que também é do PRI, passou nosso encontro falando sobre os Bravos. "Estou muito feliz pelo time", disse ele. "O Bravos são a nova cara da cidade. Não somos definidos pelos cartéis ou pelas drogas."

Leandro Carrijó, atacante do Bravos, comemora com seus colegas de equipe. Foto de Ivan Pierre Aguirre

É possível ver todas essas melhorias. O velho centro da cidade, El Centro, que fica logo em frente a El Paso, está passando por uma grande renovação. A região, apinhada de bares, ganhou novas fachadas, postes e até mesmo uma nova rua. A transformação não está completa — metade dos prédios em El Centro ainda parecem abandonados, ou talvez bombardeados — mas muitas das estruturas vazias e decrépitas foram cobertas com uma camada de tinta branca, o que ajuda a animar o local. Um projeto ambicioso transformou a praça em frente à Catedral de Juárez em uma rua comercial. Pode-se dizer que as mudanças são, em grande parte, interessantes. Boas, até, se você gosta de um pouco de sujeira, imperfeição e locais atmosféricos, o que é meu caso.

O problema é que eu vejo fantasmas em todo lugar. Na noite antes do jogo, enquanto eu dirigia do estádio para El Centro, vi um campo de futsal protegido por placas de metal. Lembrei de um corpo encontrado ali mesmo, sobre o gramado artificial, jogado sob uma faixa com o slogan otimista da cidade, "Juárez Vive!". Ao passar na frente da prefeitura, lembrei de dois homens mortos em um jipe perto da ponte Santa Fe, que liga Juárez ao Texas, um duplo homicídio comum durante o auge da violência. Mike, do El Kartel, estava no banco do passageiro e sugeriu que fôssemos ao Yankee Bar, na Avenida Juárez. Retorci-me ao lembrar da vez em que vi uma cabeça cravada entre a calçada e a porta do bar, ainda grudada ao corpo sem vida. Mas quando entramos, descobri que o Yankee Bar havia se transformado em um bar de esportes comum. As televisões transmitiam jogos de futebol. Bebemos cerveja. Tentei me divertir.

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"As coisas estão melhorando", uma amiga me disse naquela mesma noite. Ela estava bebendo uma margarita no Kentucky Club, local que diz ter inventado a bebida. Ela nasceu em Juárez e morou na cidade durante sua pior fase. Disse a ela que sinto como se nada daquilo tivesse acontecido, como se eu tivesse imaginado todo aquele sangue. Para meu alívio, ela concordou. Ela me entendia: dois de seus amigos foram assassinados naquela época. Todos em Juárez conhecem alguém que foi morto. Todos carregam esse peso.

"Todo mundo vive com isso", disse ela. "Esse peso existe dentro de todos nós".

O pontapé inicial está marcado para às 19:30, depois que o sol se pôr atrás das montanhas da Sierra Madre. Volto ao estádio, fechando minha jaqueta até o pescoço para me proteger do vento frio do deserto. Os Bravos entram no campo vestindo mangas compridas. Sei que poucos concordam, mas gosto bastante do uniforme verde. A equipe adversária são os Leones Negros, um time da segunda divisão de Guadalajara. Esse é um jogo do campeonato da segunda divisão, o que faz dele menos importante do que uma partida da temporada oficial. De qualquer forma, o jogo está sendo transmitido nacionalmente, o que coloca Juárez mais uma vez sob os holofotes — mas agora sob uma luz favorável. O jogo atraiu um bom público, especialmente considerando que esta é uma terça-feira à noite. Isso se deve tanto ao fato de não existirem lugares ruins no pequeno estádio quanto ao preço dos ingressos, que custam menos de US$5.

Quando a partida começa, levo alguns minutos para esquecer o futebol europeu com o qual me acostumei nos últimos anos; a Liga de Ascenso não é exatamente La Liga. Os Bravos não estão jogando tão bem em sua segunda temporada. "Isso aí é o famoso mal de campeão", diz um amigo meu que escreve sobre futebol para o El Paso Times. O time de Juárez não vai chegar às eliminatórias, o que significa que o time não pode ganhar um segundo título consecutivo. Mesmo assim, eles irão enfrentar o campeão dessa temporada em um jogo de ida e volta para decidir quem subirá para a primeira divisão. Juárez está na reta final do campeonato.

Compro uma cerveja. Quando olho para o único camarote do estádio, vejo Alejandra de la Vega torcendo para seu time. Sigo para a ponta sul do estádio, onde os membros do El Kartel se agrupam. Tenho que convencer um segurança a me deixar entrar na seção — a torcida organizada tem fama de violenta. Não acho que eles mereçam essa fama; nunca me senti ameaçado por esses homens, muitos dos quais são meus amigos. Quando entro na multidão, um Kartelero me entrega outra cerveja e uma porção de sementes de abóbora amanteigadas. Começo a cantar as músicas, todas em espanhol.

"Vamos vamos a Juárez. Seu povo está aqui para te apoiar. Fora ou dentro da casa, nós nunca te deixaremos na mão"

"Vamos ganhar, Ciudad Juárez. Vamos ganhar"

Com toda essa cantoria, me distraio um pouco do jogo, o que não me preocupa muito. Não é como se eu conhecesse os jogadores e, além do mais, o jogo em si não é o ponto principal. "O mais importante é que temos um time para torcer de novo", diz Juvie, um Kartelero que morou em Las Cruces, New Mexico, até ser deportado ("eu me encrenquei lá em cima", diz ele com um sorriso tímido). Após 90 minutos, o jogo termina com um empate, 1 a 1, o que assegura a permanência do time no campeonato. Um atacante do Bravos corre até as arquibancadas, arrancando sua camisa e jogando-a na torcida. Sua pele nua esfumaça no frio. A torcida aceita sua camisa, mesmo ela tendo a mesma cor verde de um certo partido político.

Olho para Alejandra de la Vega em seu camarote. Ela está acenando, aparentemente feliz. Eu também estou feliz. Espero que os Bravos cheguem à Liga MX, e que Juárez continue a chamar atenção por algo que não sua violência. Todos aqueles assassinatos estão no passado, certo? Talvez eles nunca tenham acontecido.

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