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Visita às Derradeiras Habitações de Baixa Renda em São Francisco

Metade virou quitinete chique. Metade virou cortiço. Visitamos a parte pobre para ver como vivem os moradores desta porção ensolarada dos EUA.

Foto do Flickr de Peretz Partensky.

Esta é a primeira de quatro partes de uma série sobre a situação habitacional dos desabrigados de São Francisco, pessoas que estão à margem da vida numa das cidades mais ricas dos Estados Unidos.

As SRO (minúsculos módulos individuais de habitação) de São Francisco já foram usadas como dormitórios de baixo custo para artistas, estudantes, trabalhadores de passagem, imigrantes recém-chegados e solteiros. Aqueles que acabavam de chegar e/ou estavam ao sabor do vento ao menos tinham como manter um padrão de vida aceitável.

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Mas o começo da crise habitacional em meados dos anos 1970 extinguiu essas unidades ou transformou pelo menos 9 mil delas em apartamentos caros ou prédios de escritórios. As SRO restantes foram convertidas em habitações financiadas pelo governo para cerca de 30 mil cidadãos pobres cronicamente sem teto que preencham os requisitos mínimos para assistência social. Em 1970, Justin Herman, diretor-executivo da San Francisco Redevelopment Agency, disse que o SoMa, bairro apinhado de SROs, “era muito valioso para virar estacionamento de gente pobre”, ecoando os sentimentos políticos que conduziram a cidade à atual crise na habitação da população de baixa renda.

Atualmente, os proprietários dessas unidades mantêm uma sobrevida graças à crescente bolha imobiliária da cidade, oferecendo preços equivalentes aos das pensões federais SSI para inquilinos de baixa renda (de US$ 700 a US$ 1.200 por mês), enquanto tentam minimizar problemas como percevejos e ratos, danos elétricos, banheiros e cozinhas imundos, brigas entre residentes e entre funcionários, além da falta de aquecimento, encanamento, segurança contra incêndios, manutenção e reparos. A maioria dos inquilinos está muito intimidada para apresentar queixas, porque a ameaça de despejo é tão real para esse cobiçado tipo de habitação que os proprietários acabam por ficar felizes quando pintam razões para expulsar esses locatários indesejados.

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Foto do Flickr de Mark Coggins

Mais de 8 mil residentes são adultos e idosos com algum tipo de deficiência; com renda baixa, poucas alternativas de habitação e trabalho, vivem em locais sem nenhuma sinalização para deficientes, conforme exigido por lei. Uma pesquisa da San Francisco Human Services Agency com 151 deles revelou que mais da metade não tinha acesso a uma cozinha; como resultado, pulavam refeições por falta de recursos. Além disso, os elevadores nesses prédios costumam ser pouco funcionais ou estão sempre quebrados, o que força idosos com suas deficiências a irem pelas escadas ou ficarem presos em seus cômodos.

Viver numa SRO geralmente coloca as pessoas um passo aquém da mendicância; seus cômodos são normalmente ocupados por gente enviada para lá por abrigos públicos ou por recomendação do serviço de assistência social. Os inquilinos são uma combinação de residentes permanentes sem motivos para sair e com uma situação trabalhista precária, expulsos de um prédio para outro. Queria saber como isso funciona.

Foto de Wolfgang Ante

Ao visitar uma SRO é preciso entregar o documento de identificação e deixar a sua assinatura antes de ser recebido por um inquilino. Em algumas dessas unidades o visitante precisa passar por vários portões até que possa entrar no prédio ou mesmo chegar à recepção. Parecia uma visita conjugal sem sexo. Muitos desses hotéis possuem marquises degradadas sobre as entradas, sobras dos cartazes de cinemas pornôs da década de 1970. O restante fica guardado em becos, e as entradas ficam cercadas de pessoas “esperando por um amigo”. Como fiz o mesmo, uma mulher com cabelo loiro sujo gritou no meu ouvido que tinha matado o marido em 1998 e me perguntou se eu, por favor, poderia ajudá-la. Não consegui olhá-la nos olhos, mas olhei pros seus braços magros e machucados antes que alguém abrisse o portão de entrada.

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A mesa da recepção me lembrou a sala de espera de uma farmácia de maconha medicinal. Uma câmera de segurança ficava na altura dos olhos, a centímetros da minha cara, e eu esperava a recepcionista mascadora de chiclete me entregar uma ficha pela divisória de acrílico. Levantei minha câmera para tirar uma foto e ela pegou a prancheta de volta, avisando que, se eu tirasse fotos fora do cômodo do inquilino, ambos poderíamos ser expulsos. Enquanto esperava que meu primeiro entrevistado viesse me encontrar, a recepcionista ficou me olhando e fez uma ligação que eu não consegui ouvir por causa da divisória. Depois do que pareceu uma eternidade, meu homem desceu e me deu acesso ao prédio principal.

Os corredores e escadas eram muito mais estreitos do que eu estava acostumado e pareciam grossos por causa das muitas camadas de tinta amarela brilhante. Dava até para deixar uma marca nas paredes com as unhas. Percebi que isso acontece porque provavelmente é mais fácil pintar por cima de sangue e sujeira do que tentar limpá-los.

O pequeno elevador era daquele tipo com uma porta de metal que você precisa puxar com as mãos. Na parede havia um aviso da gerência aos moradores, explicando que todas as reclamações sobre a falta de licença para funcionamento do ascensor tinham sido recebidas e o trâmite da papelada já durava três anos.A gerência reforçava que não era obrigação sua manter o serviço funcionando.

Havia também um aviso de proibição de mais de duas pessoas no elevador ao mesmo tempo. O ar estava pesado, com um cheiro de maconha e álcool, e parecia que nenhuma janela ali em cima estava aberta. Comecei a ter náuseas e fiquei aliviado quando finalmente cheguei ao primeiro cômodo.

Na próxima semana, nos encontramos com residentes das SROs de São Francisco e descobrimos como eles fazem para sobreviver. 

Siga Jules Suzdaltsev no Twitter.

Clique aqui para ler a parte dois.