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Todo mundo transa no documentário ‘Yes, We Fuck!’

O filme espanhol registra e discute a sexualidade esquecida das pessoas com deficiências.
Todas as imagens são cortesia dos diretores e do PopPorn.

A vida sexual das pessoas com deficiência é um assunto que transita em extremos. Na maior parte das vezes, ela é invisibilizada ou tratada como inexistente pela sociedade em geral, ou ela parece existir apenas dentro do campo de "fetiches bizarros" que você eventualmente esbarra na internet. A pessoa com deficiência, por causa desse tipo de desinformação, passa a se tornar um ser que vive apenas em função da sua própria deficiência e pouco se fala sobre sexo e prazer. Esse sensível assunto é o tema central do documentário Yes, We Fuck! que será exibido na 6ª edição do PopPorn em junho.

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Os diretores Antonio Centeno e Raúl de la Morena começaram a formular a ideia do documentário em 2013 e a partir daí juntaram preciosos depoimentos de pessoas com diversidade funcional contando como redescobriram sua sexualidade e ainda mostram quais foram os mecanismos que os ajudaram a se verem novamente como seres sexuais, assim como nós.

O documentário é pautado por entrevistas e cenas de sexo praticadas entre os entrevistados. Muitos deles encontraram a satisfação e o prazer em práticas sexuais como o BDSM e também na pornografia moderna, vistas também com um certo "preconceito" em muitas camadas da sociedade.

No Brasil o assunto já foi abordado pela escritora Juliana Carvalho, que contou suas experiências sexuais e todo processo de redescoberta de seu corpo após uma doença eliminar o movimento das suas pernas. Ela também deu dicas preciosas para outras pessoas com deficiência no seu livro Na minha Cadeira ou na Tua? . "Foi um longo processo de redescoberta da minha sexualidade", disse ela numa entrevista para a VICE em 2014.

O documentário Yes, We Fuck! foca na experiência espanhola de pessoas com diversidade funcional na busca de manter também uma vida sexual ativa. Afinal, eles também gostam e querem sexo. Por e-mail, os diretores contaram os desafios de falar sobre o tema.

Vice: Quanto tempo levou para filmar o documentário?
Yes, We Fuck! (Antônio Centeno e Raúl de la Morena): Em 2013, começamos a pensar como que seria o Yes, We Fuck! e já sabíamos a dificuldade de encontrar histórias, por isso criamos páginas e diferentes contas nas redes sociais para juntar informações e também para saber o que conseguiríamos de material. Isso também serviu para encontrar histórias e nos conectarmos com a diferentes realidades que nos ajudaram a criar o documentário.

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Como vocês tiveram a ideia de falar sobre a vida sexual de pessoas com diversidades funcionais?
Entre Antonio e Raúl existe um vínculo de anos, que começou com o documentário "Editar uma Vida" (2005), que foi realizado por Raúl e co-protagonizado por Antonio. O documentário fazia um balanço do sistema "penitenciário" e assistencialista criado pelos Estados, especialmente o espanhol, a respeito das pessoas com diversidade funcional, em comparação ao que preconizava o coletivo Foro de Vida Independiente, que introduzia a figura do assistente pessoal, a eliminação de barreiras, o fomento de espaços inclusivos, a autonomia econômica, etc, em busca de um direito à vida até então negado a muitas pessoas.

Em 2013, em uma conversa, observamos que aquele documentário continuava atual. Raúl, depois de alguns anos sem realizar nenhum documentário, e Antonia, ativista pelos direitos das pessoas com diversidade funcional e com vontade de superar tabus e barreiras, criaram um plano de explicar o mesmo que aquele documentário de 2005, mas dessa vez focando na sexualidade, porque a sexualidade é uma arma mais poderosa, subversiva e chamativa do que qualquer outra.

O BDSM e a pós-pornografia são mecanismos que ajudam a estimular pessoas com diversidade funcional para se descobrirem?
Graças ao documentário, descobrimos que o pós-pornô, o BDSM e outras práticas realizadas de libertação são ferramentas incríveis para conhecer nosso corpo, não apenas de pessoas que foram abordadas nos filmes, como de toda a população. Nada nos ensina a nos conhecermos. As escolas, a família e as instituições ao redor de nós. Nós sempre estamos limitados por um sistema educativo que exclui a palavra prazer, uma base familiar ou uma série de padrões que limitam o conhecimento do nosso corpo e nossas relações com os demais e nossos semelhantes.

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Achei o documentário muito bom, especialmente você vocês fizeram questões de mostrar que essas pessoas são muito diferentes entre si e também possuem diferentes vontades relacionadas ao sexo. Vocês se empenharam para conseguir mostrar esse tipo de diversidade?
O documentário não quis focar no âmbito teórico, mas sim nas realidades escondidas e nunca expostas na vida real. Nós tentamos contar as histórias mais variadas que conseguimos reunir e que também possam explicar essa realidade oculta. Isso, sem dúvida, foi um desafio. As pessoas que aparecem em Yes, We Fuck! fazem isso porque estão convencidas de que o documentário pode ser uma arma política para romper esse imaginário irreal imposto todos os dias pelos setores de poder que tentam classificar e impedir nossa busca pela libertação.

Ocasionalmente, quando ouvimos falar de sexo e pessoas com diversidade funcional é sempre tratado como um fetiche estranho. Vocês acham que isso é de uma certa forma saudável para criar um tipo de informação contra o capacitismo?
Englobar essas pessoas dentro de um rótulo de "estranho" significa que teremos um grande problema que não conhecemos na vida real. Como comentamos antes, falta muito o conhecimento sobre nossos corpos e dos demais, e descobrir o sentido da palavra "prazer". Dessa maneira, poderemos alcançar a destruição do sistema capacitista.

Rolou algum tipo de desafio para filmar algumas cenas do documentário?
O mais importante nas cenas de sexo era conseguir mostrar como uma performance de corpos. Não era só mostrar o sexo em si, mas sim registrar uma festa entre diversos corpos. Esse ponto de vista da câmera foi muito importante para alcançar uma sensibilidade especial na narração desse documentário.

Vocês acham que educação sexual é o futuro da pornografia?
Esperamos que sim, a pornografia pode ocupar um espaço que, infelizmente, não é preenchido em outros setores da população. Se a escola e a família não querem encarar o que diz a respeito de gênero, do corpo e o sexo, é uma grande oportunidade para a pornografia de ajudar a formar um mundo mais inclusivo.

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