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Zanzibar Tem um Problema de Freddie Mercury

Nada é mais lucrativo e proibido que explorar o berço do cantor do Queen.

A vista do Freddie Mercury Bar na Cidade de Pedra, Zanzibar. Foto via Wikimedia Commons.

Zanzibar é uma ilha semiautônoma que faz parte da Tanzânia, onde os vendedores de rua tentam te empurrar Freddie Mercury em vez de crack. Logo que cheguei, um homem com um dente de ouro brilhante me abordou e foi logo perguntando: “Você quer um desses, moça? Quer?”, erguendo um pacote de CDs piratas do Queen com fotos do Freddie Mercury na capa.

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Meu guia de viagem estava cheio de informações sobre a associação de Freddie com o país. E até onde eu pude ver, essas relações eram relativamente frouxas. Mercury nasceu na capital de Zanzibar, Stone Town, e passou a adolescência entre a ilha e a Índia, até que sua família se mudou para a Inglaterra. Isso foi em 1964, quando o arquipélago de Zanzibar passava por uma revolução política.

Mercury e sua família nunca voltaram a Zanzibar, mas assim que Freddie ascendeu à fama, o arquipélago foi rapidamente considerado responsável pela produção dele – uma prática que dura até hoje, quase 24 anos depois de sua morte. GetYourGuide.com oferece passeios temáticos do ex-vocalista do Queen que passam pela área de Shangani, onde ele cresceu, e pelo templo zoroastra que ele e sua família frequentavam. Muitos desses passeios terminam num lugar chamado “Restaurante do Mercury”.

Casa Mercury em Zanzibar. Foto via usuário do Flickr Brian Heath.

Um lugar conhecido localmente como “Casa Mercury” é coberto de fotos do cantor em várias poses nos palcos.

O aspecto irônico – hipócrita, até – é que os moradores locais da maior ilha muçulmana querem muito te vender Freddie Mercury, mas não gostam do que ele representa: homossexualidade e liberalismo ocidental. Visitei Zanzibar e a Tanzânia meses depois da aprovação da lei de “morte aos gays” em Uganda, que criminaliza a homossexualidade, e isso era um ponto de discussão feroz nos bares e cafés daquela ilha.

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Mais e mais turistas gays estão começando a visitar a região, em parte por causa da ascensão do casamento gay na Europa e das luas de mel subsequentes. Kirsty, porta-voz da Gay Unit Abroad, disse que casais gays sempre pedem por luas de mel em lugares como Zanzibar, “mas geralmente tento fazer eles optarem por destinos mais gay friendly”, ela explicou.

Com o aumento do turismo em Zanzibar, vem um crescimento de tudo relacionado a isso: um dress code mais relaxado, consumo de álcool e (aos olhos dos moradores locais, pelo menos) homossexualidade. A ocidentalização crescente da ilha tem sido citada como causa das tensões sectárias locais pela mídia do Leste Africano assim como pelo Daily Nation. Nas estradas que correm ao longo das praias é possível encontrar tanto turistas de regata quanto pessoas cobertas por abayas (mantos árabes) pretas. Os dois lados do arquipélago continuam coexistindo: a crescente indústria do turismo e o modo tradicional de vida dos pescadores.

Freddie Mercury. Imagem do usuário do VEVO QueenVEVO 

Mo* vem de uma longa linhagem de pescadores do lado ocidental da ilha. Ele trabalha com uma empresa de turismo, transportando visitantes de Zanzibar à Ilha Prisão, onde os viajantes podem se embasbacar com tartarugas gigantes e curtir lindas praias desertas. Ele é obcecado tanto pela rainha da Inglaterra quanto pela banda Queen. Mas como muitos naquela ilha, Mo não consegue abraçar todos os aspectos da ocidentalização.

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“Gosto muito do Freddie Mercury. Ele trouxe muito dinheiro à ilha, muitos americanos e britânicos vêm visitar o local onde ele nasceu”, disse. “Isso é bom, porque assim posso comprar para os meus filhos a televisão que eles tanto querem. Mas, na minha religião, não é bom que um homem esteja com outro homem. A nova lei de Uganda está certa. Essas pessoas devem ser punidas porque o que estão fazendo é algo ímpio. Mas minha maior preocupação é que essas pessoas venham de Uganda para a Tanzânia.”

Apesar do burburinho em torno das leis antigay de Uganda, a legislação da Tanzânia nesse aspecto não é muito mais branda. Zanzibar, a ilha que celebra a personalidade e a música “exuberantes” de Freddie Mercury, pune atos sexuais entre homens com prisão perpétua. Os atos sexuais entre mulheres são castigados com uma sentença comparativamente mais leve: de 5 anos.

Uma propaganda dos passeios de temática Freddie Mercury.

Toto* é um guia que ganha a vida levando turistas ao Kilimanjaro, no continente. Fiz uma caminhada com ele, durante a qual falamos de muitas coisas, incluindo a dependência do turismo em Zanzibar e na Tanzânia. “Eu gosto dos turistas”, frisou. “Eles trazem dinheiro e negócios que me ajudam a sustentar minha família. Não quero ser pescador porque não há mais peixes. É difícil nesse clima. Mas apesar de gostar dos turistas chegando, me preocupo com o modo de vida aqui. Isso vai se tornar o Ocidente? Quem sabe.”

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Perguntei como ele se sentia sobre a homossexualidade, considerando que as leis de Uganda ainda eram um assunto quente. “Gays?”, ele riu. “Isso não acontece aqui. Se as pessoas são gays elas não são mais parte da comunidade. Isso não é o que Deus quer para a humanidade.”

Nossa conversa demonstrou novamente a dicotomia entre o tradicionalismo arraigado da população muçulmana conservadora de Zanzibar e o crescente turismo local. Se a região se apoia em Freddie Mercury e usa seu nome para fazer dinheiro na ilha, então o governo local talvez precise ser mais transparente sobre por que as pessoas celebram o cantor, ou a sociedade de Zanzibar precisa abraçar todas as pessoas gays como fazem com Freddie Mercury.

*Os nomes foram mudados para proteger a identidade dos entrevistados.

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Tradução: Marina Schnoor