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Música

Zombie Garage Punks Never Dies: Por que uma Compilação de Bandas Adolescentes dos Anos 60 É o Melhor Álbum do Ano

“Não tinha atitude, não tinha fúria, não tinha nada, e o punk dos anos 60 era feito exatamente disso”

Colecionar discos antes da internet era assim: você conhecia o que conhecia e tinha o que tinha. A música se espalhava de pessoa para pessoa através de fitas cassete – ou não, no caso dos colecionadores que se achavam os guardiões do conhecimento oculto, os caras mais chatos que se comunicavam com menos pessoas.

Era assim no outono de 1982, quando, aos 17 anos de idade, comecei a comprar compilações de punk/garage dos anos 60 na Suécia. Meus amigos e eu vasculhávamos o Ginza, o maior dos catálogos suecos de cut-out, atrás de cópias baratas de compilações como Nuggets e a série Pebbles, além de discos do Seeds, Sonics, Chocolate Watch Band e Standells. Meus amigos, que eram mais velhos, forneciam o contexto dos discos ("Você se acha um punk, moleque? Você não sabe nada!") e me motivaram a formar uma banda, que tocava covers do Count Five, Seeds e Kim Fowley.

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Aí, em 1984, os primeiros dois volumes da série de compilações Back from the Grave apareceram na loja de discos importados local, e isso era tão melhor do que tudo que já tínhamos ouvido que ficamos pasmos. Foi tipo a primeira vez em que você ouve Pagans, Pharoah Sanders ou Wipers. Eu e meus coleguinhas esnobes nunca tínhamos ouvido falar de nenhuma daquelas bandas e ficamos fascinados com o fluxo constante do que só podia ser descrito como sons sagrados dos EUA. Mesmo hoje, a maioria das bandas de rock e punk não consegue alcançar a intensidade de um faixa do BFTG.

Todo disco do Back from the Grave tinha uma arte de capa sensacional que contava mais ou menos a mesma história: um bando de zumbis punks é reanimado para trucidar todos os quadradões e babacas que tornaram o mundo um lugar feio. É uma fantasia de vingança, uma destruição em estilo de desenho animado das últimas décadas de música e cultura americana por espíritos do passado, e é difícil não ficar do lado dos zumbis punks.

Hoje em dia, numa era em que tudo que já foi cantado, falado, tocado no ukelele, pintado, colado ou feito foi reciclado, recontextualizado, descolado e baixado, acho que o velho mundo quer algum tipo de vingança do novo. O mercado de massa está cheio de reverberações de pedaços da cultura do passado que acabam no presente numa forma aguada, mercantilizada e regurgitada. Uma versão Urban Outfitters, a babaquização da contracultura, uma camiseta retrô de cada vez. Os zumbis punks adolescentes das capas dos LPs Back from the Grave sabem de tudo isso e estão muito putos. E Tim Warren, o homem que vem fazendo essas compilações geniais de música americana nos últimos 30 anos, também está puto.

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Back from the Grave Volume 1 saiu no outono de 1983. Tim e seu selo Crypt Records são entusiastas piromaníacos do garage punk, pregando um evangelho de punk rock primitivo do meio dos anos 60, inspirando pessoas a formarem bandas, colecionar discos, transar e encher a cara, mas de um jeito que vai contra as tradições hermenêuticas dos colecionadores de discos. Neste mês, Tim está lançando os volumes nove e dez de Back from the Grave, 17 anos depois do volume oito. Tim dizia que não havia mais discos fodas o suficiente para fazer outro volume. Mas ele estava errado: as duas últimas compilações são a melhor coleção de garage punk dos anos 60 que já ouvi na vida.

"Os lançamentos do BFTG são uma colagem incrível, um delicioso frango com quiabo ou a roupa mais sexy da sua namorada. Ou seja, a melhor mixtape já feita."

Ouvi muitas compilações de garage na minha época. Algumas são ótimas, mas o BFTG tem um lance – assim como o Crampstem, um lance próprio. Quando Tim coloca essas faixas obscuras juntas numa sequência, a soma é muito maior que as partes: cada gravação consecutiva de rock 'n' roll demente atinge deliciosamente nosso lobo frontal coletivo de garage punk. Os lançamentos do BFTG são uma colagem incrível, um delicioso frango com quiabo ou a roupa mais sexy da sua namorada. Ou seja, a melhor mixtape já feita.

Alguns discos de compilação funcionam; outros, não. E é muito difícil discernir que componentes levaram o trabalho em uma direção ou outra. Tenho ouvido esses discos BFTG pela maior parte da minha vida adulta, e não tem como estragá-los. Eles são como o Guernica de Picasso ou uma salsicha perfeita. São obras de arte primordiais e perfeitas. É como um quadro do Jackson Pollock. Se eu ou você jogarmos tinta num quadro, vai parecer que algum otário jogou tinta num quadro; mas, se o Pollock faz isso, você tem uma obra de arte incrível. E o jeito como os volumes nove e dez do BFTG jogam tinta no quadro é insano.

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Mas de onde vieram esses sons? É uma longa história: na esteira do frenesi da Beatlemania e da Invasão Britânica de 1964, dezenas de milhares de adolescentes norte-americanos formaram bandas, algumas enraizadas em febres adolescentes anteriores, como música hot rod, surf ou frat rock. (Eu podia escrever outra história sobre como a chegada dos Beatles impediu que "Surfin' Bird", do Trashmen, fosse o disco número um nos EUA, mas esse é um assunto para os punks teóricos da conspiração.) Foi um ato de imitação cultural que se aprofunda em três camadas: britânicos bocós vestindo roupas da Carnaby Street imitaram o som dos negros do blues, enquanto adolescentes americanos brancos (com roupas que copiavam a moda de Canaby Street) imitaram esses britânicos bocós.

O resultado é alquimia musical. O garage punk de adolescentes norte-americanos do meio dos anos 60 tem uma rotação primordial que estoura dos alto-falantes, provando, de uma vez por todas, que o rock 'n' roll é uma forma de arte pungente forjada nos EUA. Há uma conexão espiritual estranha entre essa música visceral e rock 'n' roll, blues e R&B, mesmo com essas bandas adolescentes que imitavam Rolling Stones, Pretty Things ou Dave Clark Five não conhecendo diretamente os artistas imitados pelos britânicos.

Dizem que a primeira vez em que a palavra "punk", como termo musical, viu a luz do dia foi no artigo de 1971 de Dave Marsh para a revista Creem. Bom, o termo já era usado no final dos anos 60, quando colecionadores e escritores de fanzines de rock acumulavam os 45 RPMs crus, primitivos e geniais deixados por legiões de bandas de adolescentes americanas depois da Invasão Britânica. Esse estilo era chamado de punk rock: rock feito por adolescentes punks.

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O lançamento da série Back from the Grave foi a parte final desse foguete de três estágios: em 1972, o famoso pensador do rock Lenny Kaye convenceu a Elektra Records a deixar que ele fizesse uma compilação em LP duplo de bandas do meio dos anos 60 que tiveram algum sucesso ou mesmo nenhum. A compilação se chamava Nuggets: Original Artyfacts from the First Psychedelic Era, e sua importância cultural só agora está começando a ser entendida. Kaye foi uma das primeiras pessoas a perceber que a verdadeira gnose progressiva (não no sentido hippie) do rock 'n' roll acontecia nas margens e reverberaria por muitos e muitos anos ainda. Nuggets não foi um sucesso comercial, mas, assim como Velvet Underground, Stooges e Ramones, a paisagem cultural mudou depois dele. Alguns meses depois do lançamento de Nuggets, bandas se formaram pelo mundo todo explicitamente para explorar essa paisagem, tateando no escuro atrás dos sons do rock americano primitivo, tentando coçar uma coceira onipresente. Na Austrália, Saints; na França, Dogs; nos EUA, Droogs.

O significado de Nuggets tem de ser entendido no contexto do passado, porque a massa da comunicação digital fodeu nossa noção de obscuridade e de como a informação se disseminava. Naquela época, mesmo os maiores singles não ficavam muito tempo nas lojas; os discos, exceto grandes sucessos, saíam das prateleiras rapidamente. Que Lenny Kaye tenha conseguido convencer Jac Holzman, o chefe da Elektra, que era uma boa ideia juntar vários discos relativamente obscuros e remontá-los dentro de um contexto, é um milagre. De acordo com uma entrevista de Kaye para um zine pré-punk, havia várias outras faixas que ele queria incluir, mas que não pôde, porque não estava claro quem detinha os direitos das músicas. Mesmo assim, o que o Nuggets acabou se tornando ainda é inspirador.

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Nuggets desencadeou a série de compilações Pebbles do falecido Greg Shaw, que não estava nem aí para os direitos das músicas. Shaw, que considero um pioneiro do punk norte-americano, publicava fanzines de rock 'n' roll desde o meio dos anos 60. Seu Mojo Navigator apareceu na cena rock de São Francisco em 1966. Em 1969, isso tinha evoluído para a bíblia dos conhecedores de rock retrô, explorando o folclore e as histórias dos primórdios da música americana, indo do rockabilly ao garage punk, juntamente com longas excursões por sons marginais da Invasão Britânica. Bomp se tornou um selo musical, um zine profissional de rock e um distribuidor de sons do que ficou conhecido como punk rock. De 1978 para frente, Shaw compilou e lançou a antológica série de garage punk Pebbles.

O lançamento de Pebbles estava sintonizado com o impulso no interesse por todas as coisas dos anos 60, um acompanhamento delicioso para o prato principal de pós-punk power pop de 1979/1980. O pós-punk acostumou as pessoas com o obsceno, e as avalanches de discos indies tinham impulsionado a procura por obscuridades. A linguagem musical do garage punk dos anos 60 não era tão familiar naquela época como é agora. Para a maioria, o pop dos anos 60 eram os corais da Rickenbackers: não havia distinção entre as coisas fofas e as cruas. Isso certamente se reflete nas compilações Pebbles, já que se trata do gosto pessoal de Shaw, com sua adoração por assentamento melódico em contraponto à obscenidade do garage punk. Depois de Pebbles, várias outras compilações de garage punk/garage psych começaram a brotar no começo dos anos 80.

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Essas eram mais rudimentares em execução. Informação sobre as bandas era limitada: a maioria delas era de temática psicodélica, e muitas das compilações do começo dos anos 60 misturavam bandas mais leves como Strawberry Alarm Clock com punks adolescentes. Tim explica:

"Comecei a juntar cassetes de 45 RPM de bandas punks dos anos 60; e, um dia, eu disse: 'Foda-se! Vou fazer um disco!'. Eu queria foder com todas aquelas compilações escrotas que misturavam psicodelia com garage e protobubblegum, e queria me concentrar nas bandas adolescentes primordiais. Meu amigo Mort Todd criou a arte da capa baseado num rabisco patético meu, e, quando precisei de um nome para o selo, vi meus quadrinhos do Contos da Cripta e pensei "OK!". Fazia tempo que eu queria lançar uma compilação de punk dos anos 60, não porque eu tivesse a melhor coleção; eu tinha começado a encontrar 45 RPMs originais só dois anos antes, graças a Billy Miller ter me colocado nas listas de leilão de Vic Figlar e da revista Goldmine; mas porque eu comprava todo LP de compilação de garage punk dos anos 60 e ficava decepcionado. Você tinha duas ou três faixas incríveis e 13 faixas lixo mais uma capa horrível, 'groovy'. Não tinha atitude, não tinha fúria, não tinha nada, e o punk dos anos 60 era feito exatamente disso – então, pensei: 'BUM: CONTRATE O MORT!'. Fiz esse esboço tosco de uma cena de cemitério, com um túmulo e um punk zumbi dos anos 60 jogando uma pá de terra num monte de discos ruins, dei o desenho para o Mort e ele expandiu isso para um cara e uma mina zumbis saindo do túmulo, os morcegos, etc.!"

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Mort Todd:

"Eu me mudei para Nova York aos 17 anos, logo que sai do colégio, e imediatamente comecei a produzir quadrinhos e vídeos. Eu me juntei a alguns novos amigos, incluindo Dan Clowes e Rick Altergott, e comecei a publicar. Nosso primeiro lançamento foi Psycho Comics #1. E fizemos a festa de lançamento no lendário Club 57, na St. Mark'sPlace. Chamamos o Tim, que tinha se mudado recentemente para NY, para ser DJ. Fiz um cartaz para promover a festa com zumbis dançando em volta de uma fogueira de Psycho Comics, e isso, com certeza, inspirou o Tim para as capas de Back from the Grave. Para os primeiros discos, ele me dava um esboço com todo tipo de atrocidade sendo cometida contra hippies pelos zumbis punks. Eu trabalhava em cima desses esboços e os ampliava. Só uma vez ele me pediu para mudar alguma coisa para o Grave 4. Tinha uma mina hippie andando de skate na frente de um carro, prestes a ser atropelada. Tim me fez mudar para patins, o que fazia sentido, porque skate era legal, e gente que anda de patins merecia ser ridicularizada."

"Não tinha atitude, não tinha fúria, não tinha nada, e o punk dos anos 60 era feito exatamente disso" – Tim Warren

O primeiro Back from the Grave saiu há 33 anos. Cinco décadas depois de esses sons terem sido gravados, eles ainda parecem novos. Suas feridas líricas continuam abertas. Para colecionadores e compiladores, sempre vai haver ouro na montanha da cena punk dos anos 60. Sempre haverá bandas novas para se descobrir e digerir.

Há um certo conforto no poder duradouro do BFTG. Os adolescentes que fizeram essas músicas acharam algo incrível, e meu eu adolescente reconheceu essa coisa inefável duas décadas depois. Seu poder resiste, enquanto a cultura pop produzida nas décadas seguintes vai caindo no esquecimento. Os zumbis punks dos anos 60 das capas dessas compilações nunca vão morrer: eles vão continuar decapitando e enterrando esses imitadores e descendentes por muito, muito tempo.

Compre os álbuns Back from the Grave aqui.

Johan Kugelberg é o dono da empresa de espaço e arquivamento Boo-Hooray. Siga o cara no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor