FYI.

This story is over 5 years old.

FRINGES

O Estado Guerrero

Com a extrema violência entre cartéis de droga e autoridades mexicanas, a UPOEG (União das Cidades e Organizações do Estado de Guerrero) passou de organização civil a milícia

NOTÍCIAS

O ESTADO GUERRERO

Por Bernardo Loyola e Laura Woldenberg

Membros da milícia de Cuautepec, Guerrero, reunidos para fazer o juramento de defender sua comunidade contra o crime organizado. Fotos por Carlos Alvarez Montero.

No dia 5 de janeiro deste ano, em El Portrero, uma pequena cidade do estado mexicano de Guerrero, um homem chamado Eusebio García Alvarado foi sequestrado pelo sindicato do crime local. Sequestros são bastante comuns em Guerrero:o estado, ao sul da Cidade do México, é um dos mais pobres do país e onde se vê o pior da violência da guerra atual entre os cartéis de drogas e as autoridades mexicanas. A maior cidade de Guerrero, Acapulco, é um famoso ponto turístico e, atualmente, é também a segunda cidade mais perigosa do mundo, de acordo com um estudo divulgado por um grupo de pesquisadores mexicanos.

Publicidade

No entanto, o sequestro de Eusebio foi excepcional. Ele servia como comissário da cidade em Rancho Nuevo e era um membro da organização ativista União das Cidades e Organizações do Estado de Guerrero (UPOEG), e a audácia dos criminosos ao levá-lo enfureceu tanto seus vizinhos ao ponto de eles resolverem agir por si próprios.

Gonzalo Torres, também conhecido como G-1, o líder da milícia UPOEG em Ayutla.

No dia seguinte ao sequestro de Eusebio, centenas de pessoas das cidades vizinhas de Ayutla de Los Libres e Tecoanapa decidiram que poderiam fazer melhor do que as autoridades locais no policiamento de suas comunidades. Eles pegaram as armas que tinham — principalmente rifles de caça e espingardas — montaram postos de controle nas entradas de seus vilarejos e começaram a patrulhar as estradas em suas picapes, frequentemente escondendo o rosto com máscaras de esqui e bandanas. Da noite para o dia, a UPOEG mudou de uma organização que pedia melhorias nas estradas e na infraestrutura para um grupo armado de justiceiros operando sem o endosso de qualquer ramificação do governo. Os sequestradores liberaram Eusebio logo em seguida, mas os postos de controle e as patrulhas da UPOEG não desapareceram com seu retorno. Na verdade, houve uma onda de apoio. Cinco municípios na região circundante de Costa Chica seguiram o exemplo e estabeleceram suas próprias milícias. Logo, cidadãos armados e mascarados garantiram que viajantes e estranhos não entrassem em nenhuma dessascidades sem serem convidados.

Publicidade

Essas milícias capturaram 54 pessoas que, segundo eles, estavam envolvidas com o crime organizado (incluindo dois menores de idade e quatro mulheres), prendendo-os dentro de uma casa que acabou se tornando uma cadeia improvisada. No dia 31 de janeiro, as comunidades se reuniram em umaquadra de basquete na vila de El Meson para julgar publicamente seus detentos. As acusações iam de sequestro, extorsão, tráfico de drogas e homicídio até fumar maconha. Mais de 500 pessoas compareceram e o julgamento foi transmitido por váriosmeios de comunicação do mundo todo.

Dois justiceiros fazem uma pausa durante sua patrulha noturna.

Esse levante dos cidadãos complicou as relações com as autoridades designadas para governar e policiar esses vilarejos. Inicialmente, o governador do estado, Ángel Aguirre, elogiou as milícias e até chegou a dizer que a lei dava aos moradores do local o direito de governarem a si mesmos. No entanto, sua opinião mudou rapidamente e ele declarou publicamente que ninguém tinha o direito defazer justiça com as próprias mãos. Depois de negociações intensas entre a UPOEG e o governo, os prisioneiros foram entregues à polícia estadual em fevereiro. Mas os moradores não tinham a menor intenção de entregar suas armas.

A lei estadual de Guerreiro e a lei federal dão aos grupos indígenas certa autoridade para governarem a si mesmos, e as milícias são compostas principalmente por membros de povos indígenas, logo, há um precedente legal para o que está acontecendo em Costa Chica. Francisco Lopez Bárcenas, um renomado advogado membro da nação indígena Mixteco de Oaxaca, tem documentado esse tipo de rebelião há décadas. Ele nos disse que, mesmo que as comunidades tenham se policiado há décadas, os “grupos de autodefesa” que se formaram agora em Guerrero e outras partes são diferentes.

Publicidade

“A polícia comunitária é formada por grupos que são parte inerente da estrutura das cidades e vilas e são legitimados pelos direitos dos povos indígenas”, disse Francisco. “Os grupos de autodefesa são formados pela iniciativa dos próprios grupos em defender as pessoas, mas eles não são parte da estrutura social das cidades, então não prestam contas à comunidade de fato. É por isso que eles não têm a mesma legitimidade. Além disso, grupos de autodefesa não fazem necessariamente parte das comunidades indígenas – eles podem ser fazendeiros, ou [podem se formar] nas cidades, sempre que um grupo particular se sente ameaçado.”

Um membro da UPOEG persegue um criminoso nas montanhas de Ayutla.

Costa Chica não é a única região onde os cidadãos resolveram fazer justiça. Muitos mexicanos não têm fé na habilidade ou na vontade do governo de conter o crime organizado (só 2% dos crimes cometidos no país resultam em condenações) e,no primeiro trimestre do ano, grupos de autodefesa brotaram em Jalisco, Chiapas, Michoacán, Veracruz, Oaxaca e no Estado do México. Enquanto dirigíamos até Guerrero para ver o que estava acontecendo por lá, ouvimos no rádio que mais milícias tinham se formado em Coyuca e Acapulco. O movimento parece estar se espalhando das zonas rurais para as cidades.

Chegando aoposto de controle de Ayutla, uma cidade de 13mil habitantes e um reduto dos justiceiros, notamos que os moradores mascarados com espingardas tinham sido substituídos por soldados fortemente armados do Exército Mexicano. O governo, logo ficamos sabendo, chegou a um acordo com as milícias: eles poderiam operar dentro da cidade, mas o exército tomaria os postos de controle na rodovia federal.

Publicidade

Na cidade, conseguimos combinar um encontro com Gonzalo Torres, também conhecido como G-1, o comandante da milícia do posto de Ayutla. G-1 era um homem grande e amigávelde 50 e poucos anos que usava uma camisa xadrez e um boné de beisebol cheio de glittler quando conversamos com ele no posto de controle improvisado da milícia – basicamente uma mesa bagunçada, na calçada em frente a uma loja de móveis e do outro lado da rua de um grande supermercado. Isso foi por volta do meio-dia no sábado, e Gonzalo estava falando com uma jovem que pedia ajuda com seu marido, que estava bêbado e quebrando coisas na casa deles. Ele pediu a seus adjuntos que verificassem o que estava acontecendo, e os homens foram à casa da mulher usando máscaras e chapéus de cowboy. Logo depois, outra mulher apareceu e agradeceu a eles com suco de laranja e comida.

Um membro da UPOEG com uma bandana particularmente estilosa.

“Estamos aqui há 18 dias e isso fala por si mesmo”, disse Gonzalo. “Desde que começamos, não houve um único sequestro, assassinato ou estupro. Não há mais extorsões e ninguém mais precisa pagar por proteção. Esses são os resultados que temos conseguido.”

Gonzalo explica que eles estabeleceram grupos policiais comunitários em muitas cidades e que agora controlam 95% das comunidades no município de Ayutla. Sua jurisdição se espalha por Tecoanapa e os municípios de San Marcos, Cruz Grande, Copala e Cuautepec. “Isso está crescendo”, ele disse. “Todo dia mais comunidades se juntam ao sistema comunitário.”

Publicidade

Nos dias que se seguiram, acompanhamos os justiceiros em suas patrulhas. Uma noite, dirigimos pela estrada na escuridão total, parando em um posto de controle no meio do nada, onde 20 homens mascarados paravam e revistavam carros, conferindo as identidades dos motoristas. O chefe do postonos disse que eles não usam lanternas para poder surpreender os motoristas; nós imaginamos turistas viajando por essas estradas e entrando em pânico depois de cruzar repentinamente com um bando de homens mascarados e armados.

Quando perguntamos a Daniel, o vigilante que serviu como nosso guia, se a maioria dos moradores da região sabia que eram as milícias e não bandidos no comando desses postos, ele respondeu: “As pessoas daqui sabem”. Mas nem todo mundo – no dia 3 de fevereiro, dois turistas da Cidade do México seguiam para a cidade praiana de Playa Ventura quando não pararam num posto de controle, sendo subsequentemente atacados pelos vigilantes. Os turistas foram levados para um hospital próximo e abriram um processo contra os membros da milícia. A liderança daUPOEG diz que a culpa foi dos turistas por não pararem o carro.

Um guarda mascarado do lado de fora de uma casa controlada pela UPOEG.

Membros da milícia não usam distintivos ou mandados, logo, há espaço para a discussão de que elesoperam fora dos limites razoáveis da lei. Quando comentamos esse ponto com Gonzalo, ele respondeu: “Eles dizem que estamos atuando fora da lei, mas o Artigo 39 da Constituição Mexicana diz que o poder emana do povo, e que seu propósito é ajudar o povo. As pessoas têm, a qualquer momento, o direito inalienável de alterar ou modificar sua forma de governo. Acredito que as pessoas estavam fartas dessa situação e isso foi necessário… A instituição que deveria prevenir o crime não tem feito seu trabalho e o povo deste estado é totalmente negligenciado. A situação chegou a um ponto em que se tornou impossível aguentar os abusos do crime organizado, que também está mancomunado com as autoridades e todo mundo sabe disso”.

Publicidade

O prefeito de Ayutla, Severo Castro Gomez do Partido Verde mexicano, pareceu apreciar o que as milícias têm feito. “Não é uma coisa linda?”, ele nos perguntou quando visitamos seu escritório. “O que está acontecendo é que o povo está defendendo o próprio povo.”

Os membros das milícias não recebem qualquer pagamento e devem, supostamente, participar de uma patrulha por semana. Alguns deles perseguem criminosos armados apenas com facões e armas de pequeno calibre, e é preciso admirar sua coragem. Há rumores de que a UPOEG tem forçado pessoas a se juntarem às milícias, mas a liderança nega. Também há rumores de que os justiceiros têm prendido suspeitos no lugar de entregá-los à polícia. Seguimos a milícia durante algumas operações enquanto eles perseguiam acusados de tráfico de drogas, mas eles não conseguiram capturá-los. Os membros nos garantiram que se tivessem conseguido pegá-los, eles os teriam entregado imediatamenteàs autoridades, mas não tivemos a chance de testemunhar isso.

O estado de Guerrero foi batizado em homenagem ao herói nacional Vicente Guerrero. A região tem uma longa história de incubação de grupos armados, mesmo antes da Revolução Mexicana, quando grupos de trabalhadores lutaram contra as tropas do presidente Porfirio Díaz. O EPR, um violento grupo de esquerda, emergiu ali nos anos 1990.

Um homem armado e mascarado perto do quartel-general da UPOEG em Ayutla, México. (Não dá para ver na foto, mas ele usava uma mochila do Toy Story.)

Publicidade

Guerrero também está na vanguarda da criação de forças policiais voluntárias em comunidades indígenas. Em 1995, uma organização chamada Coordenação Regional das Autoridades Comunitárias (CRAC) foi fundada em San Luis Acatlán como resposta a uma onda de crimes violentos. Hoje, as forças da CRAC,formadas inteiramente por voluntários,é reconhecida e apoiada pelo governo de Guerrero. Visitamos seu quartel-general em San Luis Acatlán e conhecemos Pablo Guzmán Hernández, um coordenador regional que nos disse que desde que a CRAC foi fundada, o crime nas 72 comunidades indígenas onde a polícia comunitária opera caiu 90%. Pablo disse que a razão para que as forças policiais não tradicionais sejam tão efetivas é porque “seus oficiais pertencem às comunidades e conhecem a região, o terreno e as pessoas.” Os oficiais da CRAC não andam mascarados, diferente dos novos grupos de autodefesa, e suas camisetas e veículos são claramente marcados com o logo da organização. Eles dispensam a justiça enquanto trabalham para reeducar criminosos – prisioneiros devem fazer serviço comunitário e só são confinados em suas celas à noite. Embora esse sistema pareça funcionar bem na superfície, a realidade é que muitos acusados não recebem necessariamente um julgamento justo pelos padrões legais e, em geral, nem são informados de quanto tempo terão que ficar na cadeia. Por outro lado, o sistema judicial mexicano é tão decadente que fica difícil dizer que a justiça da CRAC e da UPOEG é pior.

Publicidade

Os dois grupos são ligados por Bruno Plácido Valerio, que cofundou a CRAC e ajudou a começar a UPOEG há dois anos, quando ainda era uma organização desarmada. A razão pela qual a UPOEG começou a patrulhar ativamente as comunidades com máscaras e armas não é clara. Alguns dizem que a CRAC não estava fazendo o suficiente para impedir a ação do crime organizado, então a UPOEG se levantou; outros acreditam que as táticas agressivas da UPOEG têm outros motivos e visam enfraquecer a CRAC politicamente, ou que Bruno está procurando publicidade por razões pessoais e políticas. Claro, tudo isso pode ser apenas boato, mas está claro que Bruno tem laços mais fortes com o governo de Guerrero do que a CRAC, e que isso tem exacerbado as tensões entre os dois grupos.

Nos encontramos com Bruno na cidade costeira de Marquelia, para onde tínhamos viajado com o intuito deencontrar líderes de comunidades interessados em começar seus próprios grupos policiais. Ele tinha acabado de chegar da Cidade do México, onde se reuniu com legisladores, depois de visitar o governador Aguirre na capital Chilpancingo.

Bruno diz que a UPOEG quer ser legitimada como uma organização de polícia comunitária nacional e não apenas um grupo de autodefesa. Ele acrescentou que sua organização está presente em 40 dos 82 municípios do estado, embora seja difícil verificar esses números.

Um membro da UPOEG em Ayutla mostra onde guarda sua arma.

“Operamos mais rapidamente e de modo mais eficiente do quea polícia”, Bruno disse. “E não precisamos da ajuda da CIA ou do DEA. Há um ditado que diz: 'Para uma cunha ser firme, ela precisa ser feita da mesma madeira'.As pessoas que operam em suas comunidades conhecem todo mundo, quem é bom e quem é mau. Sabemos o que os nossos vizinhos fazem.”

Perguntamos a Bruno se a UPOEG tem algum apoio financeiro do governo ou se ele tinha ambições de concorrer para algum cargo. “O único objetivo de nosso movimento é trazer a paz e a segurança para o povo”, ele respondeu. “Não há nada por trás denosso movimento; não há traficantes por trás do nosso movimento e não há uma agenda política maior. É um movimento político bem intencionado. Criticamos o governo, mas não estamos contra ele. Somos contra as políticas públicas que as pessoas que nos governam querem promulgar.”

Apesar de as motivaçõesreais da liderança da UPOEG continuarem ambíguas, o objetivo de seus membros é muito mais simples: eles pretendem reduzir a violência, os sequestros e a desconfiança na polícia em suas comunidades. Os povos indígenas do México vivem numa pobreza quase insustentável, e isso, combinado com a aparente incapacidade ou falta de vontade do governo em desmantelar o crime organizado, vem provocando um movimento popular de justiceiros sem precedentes. Essas comunidades têm muitas razões válidas para pegar em armas contra gangues criminosas – na verdade, pode ser o único caminho deles para a salvação. E se o governo quer que eles se retirem, terá que fornecer soluções e as condições necessárias para que eles tirem suas máscaras e abaixem suas armas.

Leia mais sobre os cartéis de drogas do México na VICE:

O Cartel de Drogas Los Zetas Tem Sua Própria Rede de Rádio

A Guerra Mórmon Mexicana

Narcocinema Mexicano