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ground zero

Os Poços de Petróleo Ilegais da Síria

Quando visitei Deir al-Zor, a sexta maior cidade da Síria, e também capital do petróleo do país, franco-atiradores se esgueiravam dos telhados enquanto combatentes trocavam tiros de Kalashnikovs, morteiros e metralhadoras pesadas.

BLUES DO OURO NEGRO

OS HORRORES DA INDÚSTRIA DE PETRÓLEO IMPROVISADA NA SÍRIA

Por Jean-René Augé-Napoli

A fumaça das refinarias improvisadas pontilham o deserto próximo de Deir ez-Zor.

Deir al-Zor, a sexta maior cidade da Síria, é também a capital do petróleo do país. Por 40 anos, o regime dos Assad (primeiro controlado por Hafez e, agora, por seu filho Bashar) fechou negócios com companhias petroleiras do Ocidente como a Shell e a Total, resultando numa extração de mais de 27 mil barris de ouro negro da areia por dia. Uma ninharia em comparação a outros países do Oriente Médio, mas o suficiente para fazer da Síria um exportador de petróleo confiável. Pelo menos esse era o caso até que sanções internacionais foram impostas em 2011 em resposta à repressão violenta aos protestos contra o governo, que rapidamente se transformaram numa guerra civil.

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Localizada no meio do deserto e a menos de 160 quilômetros da fronteira com o Iraque, Deir al-Zor domina a porção leste do país e teve uma relação longa e frutífera com a indústria do petróleo: antes da guerra, boa parte de seus 220 mil habitantes trabalhava para as companhias petroleiras como engenheiros, técnicos e funcionários.

O centro de Deir ez-Zor ainda abriga muitos prédios espelhados erguidos por firmas ocidentais, mas, nos últimos dois anos, boa parte deles foi abandonada enquanto as batalhas entre rebeldes e as forças de Assad, ambas no controle de partes da cidade, deixavam-nos esburacados, sem janelas e parcialmente destruídos.

Quando visitei Deir al-Zor em setembro, franco-atiradores se esgueiravam dos telhados enquanto combatentes trocavam tiros de Kalashnikovs, morteiros e metralhadoras pesadas. Além dos limites da cidade, os subúrbios acabam em desertos onde os poços de petróleo estão localizados e onde os rebeldes – a maioria deles jihadistas linha-dura, muitos deles ligados à Al-Qaeda – estão no controle. Um lugar muito diferente do que era antes da revolução, mas ainda uma cidade do petróleo, só que de um tipo totalmente diferente. Em vez de corporações multinacionais, são os rebeldes islâmicos que fornecem trabalho ao moradores locais agora.

Um desses moradores é Ahmer, um garoto de 15 anos que conheci quando ele voltava para casa do trabalho. Seu rosto e suas roupas estavam manchados de óleo. “Nunca fiz parte dos combates dos anos anteriores”, disse ele, suspeitando das minhas perguntas sobre seu envolvimento na revolução. “Só ajudei meu pai a entregar munição aqui e ali em Palmira, a 210 quilômetros de Damasco, onde as lutas continuam acontecendo.”

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Ahmer mora com sua mãe e dois irmãos mais novos em um cômodo alugado do dono de uma refinaria de querosene improvisada, onde os três meninos trabalham. O homem compra o óleo cru dos rebeldes e destila em querosene; Ahmer e seus irmãos ganham apenas o suficiente para pagar o aluguel e se alimentar, e enfrentam condições terríveis.

O dia todo, Ahmer ajuda a mover barris, que podem pesar até 90 quilos quando cheios, até um tanque de água adaptado e pendurado em cima de uma fogueira. O óleo é aquecido até que comece a ferver e formar vapor, depois, o vapor é bombeado através de canos até poços cheios de água, onde se condensa em querosene. É um processo tão rudimentar quanto poderia ser, mas o resultado é combustível utilizável.

Krahim joga óleo cru num tanque de refino rudimentar para mantê-lo aquecido. Ele tem dez anos e trabalha nove horas por dia.

Krahim, o irmão de Ahmer de dez anos, fica encarregado da tarefa que é, muito provavelmente, a mais prejudicial: seu trabalho é jogar o óleo dentro do tanque para mantê-lo acima da temperatura de fervura. Observei por duas horas enquanto ele trabalhava: seus pés a centímetros das chamas, sua cabeça engolfada pela fumaça de óleo queimado.

Seu supervisor (com quem falei rapidamente e que parecia estar no final da adolescência) explicou o processo: “Quanto maior a temperatura, maior a qualidade do querosene extraído”, ele disse, fumando um cigarro. O que ele não mencionou é que se a temperatura subir muito, o gás pode se comprimir e explodir violentamente o tanque.

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As explosões acontecem quase semanalmente, de acordo com Dr. Abu Mahmoud, um dos poucos médicos da área que não fechou seu consultório para entrar no jogo das refinarias. Entre visitas a pacientes, idas à fronteira com o Iraque para comprar suprimentos médicos e socorrer emergências, Dr. Mahmoud é, provavelmente, quem tem mais conhecimento sobre a extensão do comércio de petróleo em Deir al-Zor. Ele me disse que aproximadamente seis mil pessoas trabalham nas refinarias e, que, de acordo com suas estimativas, cerca de duas mil são crianças como Ahmer e Krahim – muitas são órfãos deslocados, cujos pais foram mortos pelo regime ou pelos rebeldes.

“Todas as famílias [que eu conhecia] deixaram Palmira”, disse Ahmer. “Às vezes, reconheço algum garoto que frequentava a mesma escola que eu. Eles estão aqui, escondidos no meio da fumaça do petróleo. É estranho – não quero falar com eles hoje.” Ahmer me disse que seu pai ajudou os rebeldes, mas que muitos dos garotos de sua idade tinham pais pró-Assad. Para evitar conflitos potenciais no local de trabalho, segundo ele, é melhor evitar qualquer conversa. Na paisagem da caótica guerra civil síria, Deir al-Zor é uma terra de ninguém, onde aqueles dispostos a trabalhar são aceitos sem muitas perguntas. O que também não importa muito, pois a maioria desses trabalhadores estão com os destinos selados.

Esse é um destino muito real para Krahim, que tem o cuidado de derramar o óleo cru nas bordas do tanque, para minimizar o risco de explodir sua cabeça. A cada hora, ele faz uma pausa para lavar a camada de poeira preta que se acumula em seu rosto. “Vi muita gente mutilada, corpos queimando, destruídos pelas explosões”, ele me disse. Nossa conversa foi interrompida bruscamente por um acesso de tosse dele.

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Só um diagnóstico oficial poderia dizer com certeza qual é o caso de Krahim, mas as doenças relacionadas ao petróleo estão se espalhando por Deir al-Zor, graças à fumaça e poeira liberadas por operações irregulares de extração e refino, e aos vazamentos que poluem a água potável, tão preciosa na região. Os males mais comuns são tosse persistente e queimaduras químicas que, de acordo com o Dr. Mahmoud, podem levar a tumores. Ele disse que as pessoas que moram na região imediata às refinarias têm um risco maior de desenvolver câncer e que alguns vilarejos se tornaram inabitáveis graças aos acidentes frequentes. Essa contaminação não afeta somente os humanos; em julho, no começo do Ramadã, rebanhos de cabras morreram depois de beber água contaminada de um açude, a única fonte de água potável de três vilarejos.

“Desordens relacionadas ao petróleo estão apenas começando a aparecer entre os habitantes do deserto”, disse o Dr. Mahamoud. “Eu me sinto oprimido às vezes”, ele disse. “O que aprendi na faculdade de medicina não é mais o suficiente para entender as patologias causadas pelo petróleo e sua exploração na região.”

Queimaduras químicas de um garoto que trabalhava numa refinaria improvisada. Foto por Dr. Abu Mahmoud.

A leste de Deir al-Zor, perto da fronteira com o Iraque, é onde está o verdadeiro poço de dinheiro: os campos de petróleo industriais. É aqui que grupos rebeldes islâmicos, incluindo o Jabhat al-Nusra, apoiado pela Al-Qaeda, e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), extraem o óleo cru do solo e o transportam para as centenas ou milhares de refinarias improvisadas espalhadas pelo deserto. Agora, escritórios e dormitórios construídos pelas companhias ocidentais foram convertidos em dormitórios para jihadistas radicais.

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Uma tarde, durante minha estadia na região, fiz a viagem de meia hora até lá com dois membros do Exército Livre da Síria, que não são ligados diretamente aos islâmicos no comando, mas que não tiveram outra opção a não ser se juntar a eles contra o governo.

Enquanto passávamos pelo vilarejo de P'settin, um conjunto de tanques de armazenamento gigantes apareceram no horizonte. Paramos no posto de controle na estrada e meus guias do ELS me aconselharam a ficar no carro. “Mesmo nossos generais não são mais bem-vindos aqui”, um deles disse.

Depois de duas horas de espera, foi-me permitido atravessar o bloqueio. Observei bombas não detonadas e crateras perto do muro que cerca o complexo – o regime vinha fazendo ataques aéreos semanais contra esses campos nos últimos meses. Homens silenciosos de calças camufladas espreitavam nas sombras e percebi que meus guias do ELS estavam nervosos, mesmo enquanto me mostravam os encanamentos com marcas de bala, que eles juraram ainda funcionar.

Informações sobre tais atividades na Síria de hoje são, na melhor das hipóteses, duvidosas, mas moradores locais e meus contatos no ELS disseram que eles lucram entre $170 e $240 (de R$397 a R$560) a cada refinaria por mês. Também ouvi que existem cerca de três mil tanques e, com base em informação disponível em relatórios divulgados este ano acerca de operações similares na Síria, minhas fontes e eu estimamos que os jihadistas fazem algo entre $500.000 a $1 milhão por mês. Claro, só os membros principais do Jabhat al-Nusra e do ISIS sabem exatamente quanto dinheiro eles fazem com essa operação.

Os lucros parecem ridículos em comparação ao que as gigantes do petróleo faziam ali anteriormente, mas a nova gerência pode estar pensando no futuro. Se e quando Assad cair, os grupos apoiados pela Al-Qaeda visam continuar no controle dos campos, onde estarão livres para construir uma operação de refino muito mais eficiente e rentável. O objetivo deles é uma proposta sombria para o resto dos envolvidos: um futuro onde o dinheiro do petróleo, que costumava ir para o bolso dos executivos da Shell, vai ser canalizado para a construção de um estado islâmico que brotará das cinzas do antigo regime.